sábado, 25 de junho de 2011

Rio sem plano

Marat Menezes
O Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Sustentável (PDDUS) da cidade do Rio de Janeiro foi aprovado em fevereiro deste ano, finalmente, em sucessão ao Plano Diretor Decenal, vigente entre 1992 e 2002. Nas palavras do Prefeito, o novo plano serviria como "bússola" para as ações do Município.
Entretanto, nas principais discussões recentes sobre a Cidade, o Plano não tem sido sequer citado.
A mudança de localização da Rodoviária defendida recentemente pelo Prefeito não consta no PDDUS. A “bússula” não é mencionada ao se tratar de medida de alto impacto no desenvolvimento da cidade carioca e sua região metropolitana.
Seria o jargão tecnocrático, o número excessivo de artigos, a ausência de mapas e desenhos ou a pouca menção que faz ao elementos existentes na cidade a razão pela qual o PDDUS não baliza o debate?

Os planos do Rio

Marat Menezes
Assim como o Plano Diretor de 1992 e o Plano PUB-Rio de 1977, o PDDUS não contribui com a criação de uma nova imagem da cidade, ao contrário dos planos Pereira Passos - 1906, Agache -1930 e Doxiadis – 1965.

Segue abaixo seu único mapa:

PDDUS- mapa das macrozonas da cidade

O mapa se soma a trechos do texto que refutam as altas densidades de ocupação e a concentração de atividades, em prol da ocupação moderada e da dispersão dos empregos por todos os bairros a fim de reduzir os deslocamentos. São os mesmos argumentos utilizados no Plano Doxiadis, de 1965.
Em paralelo, ações do Governo do Estado e da Prefeitura do Rio de Janeiro também estão em consonância com o Plano de 1965 como, por exemplo, a prevalência do transporte rodoviário (BRTs) em detrimento dos modais ferroviário e aquaviário e a indução à expansão urbana através da abertura do Túnel da Grota Funda (que contribui com o adensamento de Guaratiba) e do Arco Metropolitano (como um novo vetor de expansão).

Serra da Grota Funda

Trajeto BRTs

Arco Metropolitano

Plano Doxiadis, 1965. Mapa da Região Metropolitana no ano 2000.

Plano Doxiadis, 1965. Mapa do Rio de Janeiro (à época, Guanabara) no ano 2000.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

No Tempo das Diligências...

Iso Milman*
Ontem, n´O Globo; - A Prefeitura cogita na transferência da Rodoviária para Irajá.
Hoje o jornal noticia a intenção do Governo do Estado de mantê-la no local, multiplicando sua área construída, dentro dos novos gabaritos propostos para o Porto Maravilha.
(Diga-se de passagem, apresentando um desenho que parece ter sido feito durante a noite, no guardanapo do restaurante).
Espera-se para esta semana um duelo na Avenida Francisco Bicalho entre representantes do Estado e do Município.
Não dá para acreditar que o Planejamento Urbano do Rio de Janeiro seja tão primário, que um equipamento estruturante como a Rodoviária, intenso gerador de tráfego, seja menosprezado na sua dimensão urbanística a ponto de não ter sua definição estipulada pelo Plano Diretor, ou ainda, que a harmonia política entre Estado e Município, que propiciou tantas frentes de crescimento para o Rio de janeiro, seja tão tênue e apresente-se dissociada, quando se trata de encarar com seriedade ações que terão conseqüências através dos tempos.
Na sexta feira o IAB promoveu num animado debate sobre o Plano de Habitação de Interesse Social no Município do Rio de Janeiro.
Presentes Nabil Georges Bonduki, Secretario Nacional de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano, Sérgio Magalhães, Presidente do IAB, e coordenando a mesa, Gerônimo Leitão, Diretor de Arquitetura e Urbanismo da UFF.
Sergio Magalhães enfatizou uma realidade assustadora; dentre os trezentos e tantos artigos do Plano Diretor aprovado pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro, apenas um, se refere a uma área especifica da cidade, tudo mais é abstrato, podendo ser referido a diversas cidades.
Vários relatos expuseram a situação dramática das câmaras municipais, onde interesses dos mais diversos se superpõem aos critérios técnicos e as políticas democráticas, longe da participação dos movimentos sociais.
Não existe vento bom para nau sem rumo.
*Iso Milman é arquiteto

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Favela: ser ou não ser, eis a questão

Sérgio Magalhães

Há uma saudável polêmica na mídia, que começou com a notícia de que o Instituto Pereira Passos retirou do cadastro de favelas alguns assentamentos já urbanizados. Um amigo me pediu que esclarecesse melhor uma declaração minha que O Globo publicou no domingo, dia 5 de junho.

Entendo que favela se caracteriza sobretudo pela forma urbana, resultante de ocupação orgânica, sem precedência de traçado. Como demonstrado, a forma urbana não é impedimento para a implantação das infraestruturas e equipamentos indispensáveis à vida moderna; também é possível adequar o sistema viário de modo a permitir o acesso dos serviços públicos, pelo menos, à maior parte do assentamento ; e, ainda, é possível definir os limites público-privado.

Antes, eu achava que isso seria suficiente para a plena integração à cidade. Mas, depois dos primeiros anos de urbanização tipo F-B, vimos que em muitos lugares os serviços públicos não permaneciam, inclusive o de segurança. Sem este, muitos dos outros ficavam prejudicados, como o do controle urbanístico e edilício. Voltando o domínio territorial pela bandidagem armada, fortalece-se a idéia, obviamente preconceituosa, de que a favela é a causa da violência... Daí a confusão, entre muitos, de que somente deixará de ser favela quando não houver domínio territorial armado pelos bandidos.

Perguntado pela repórter do Globo sobre que percentagens de implantação de infraestrutura e de serviços públicos eu considero necessárias para que a favela deixe de ser considerada como tal, minha resposta foi mais ou menos a seguinte : -Uma vez infraestruturada e com os equipamentos públicos comuns, os serviços precisam ser os mesmos dos bairros vizinhos. Nem mais, nem menos. Inclusive o de segurança pública.

O fato da Prefeitura considerar como cidade algumas favelas que foram urbanizadas, para mim é uma declaração anti-preconceito que precisa ser exaltada. O Rio se reafirma como cidade não discrimininatória sintonizada com o século XXI e com as mais legítimas esperanças de vir a ser um lugar com equidade.

Concordo que seja feita a lista pela Prefeitura, porque é uma demonstração política de grande compreensão sobre a característica diversificada e múltipla do Rio, talvez a sua mais importante qualidade urbanística.

Pode o prefeito até não tido clareza disso, mas o Rio se posiciona à vanguarda no urbanismo contemporâneo, com respeito às diferenças, sem intolerância. A favela deixa de ser gueto, com pleno acesso de todos os serviços públicos, e passa a ser uma parte da cidade, com morfologia própria, em uma cidade morfológicamente múltipla.

Finalmente, e não menos importante, cria uma fronteira clara sobre o conceito de cidade que ajuda à universalização do serviço de segurança pública, o objetivo maior da UPP.

Leia o editorial do jornal O Globo de 07/06/2011: "Cuidados com a definição de 'ex-favelas'"

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Cidade, tempos e escolhas

Sérgio Magalhães
*Artigo publicado originalmente no jornal O Globo em 04/06/2011
Quando o prefeito Pereira Passos foi incumbido de modernizar o Rio de Janeiro, em 1902, ele buscou os planos de trinta anos antes, elaborados sob inspiração das grandes obras do Barão Haussmann, em Paris. Assim também fez o próprio Haussmann, que implantou na capital francesa as ideias que tinham sido debatidas em décadas precedentes.
Talvez resida nesse hiato, entre o pensar e o fazer, a percepção de que a cidade se faz segundo seus acasos. É que nós não atentamos à relação entre causa e efeito, tão lenta é a ida do pensamento à ação na vida das cidades.
Seus desdobramentos também se estendem no tempo. A reforma do Rio, por exemplo, que deu origem à Cidade Maravilhosa, teve vitalidade por longo período, talvez chegando aos anos 70. Foi até quando vigiu a mágica da “belacap”, cidade eternamente abençoada.
Esgotado um ciclo, as cidades podem refazer suas possibilidades com estratégias revitalizadoras, como ocorreu com Nova York, a partir dos anos 60; Londres, nos 70; Barcelona, nos 80.
Bilbao, a capital basca, é famosa a partir do Museu Guggenheim, projeto do arquiteto Frank Gehry. Mas é pouco sabido que o seu plano de recuperação se deu na década anterior, depois da derrocada do setor industrial. A estratégia foi desenvolver o setor de serviços ligados à cultura e ao conhecimento. Revitalizando o centro, o porto e a orla fluvial, a cidade preparou-se para os serviços avançados e para o turismo cultural, associando ao trabalho de Gehry outras obras de importantes arquitetos mundiais. Em 15 anos, dobrou o número de hotéis; organizava 88 congressos anuais e passou a 980; e o número de turistas saltou de 24 mil para 630 mil.
Muitas cidades quiseram seguir a capital basca, pensando que o milagre estava apenas na obra de arquitetura. Sim, está, mas também no desejo, no plano e no acerto das escolhas — como nos informa o crítico Llàtzer Moix, em seu livro “Arquitectura milagrosa”, no qual analisa o impacto das grandes obras como ícones para o desenvolvimento das cidades espanholas.
Esgotado o ciclo iniciado por Pereira Passos, o Rio ensaiou redesenhar-se. Mas, diferentemente daquelas cidades que fortaleceram suas preexistências e seus centros, o Rio optou pela expansão. Sendo rico em cenários consagrados e em monumentos icônicos, dispersou esforços — e os desperdiçou em troca da novidade.
No fim dos anos 60, desejando firmar-se como núcleo do turismo de feiras, São Paulo construiu o Centro de Convenções e Exposições do Anhembi, à marginal do Tietê. Na década seguinte, o Rio replicou com o complexo do Riocentro, na Barra. Embora o Rio tenha sido historicamente o principal destino turístico no Brasil, São Paulo tornou-se o foco do turismo de negócios, feiras e exposições do país. A escolha errada de localização do Riocentro ajudou nossa cidade a ficar aquém de suas potencialidade no setor.
Comparemos: o Anhembi está a três quilômetros do coração de São Paulo e a cinco quilômetros da Avenida Paulista, ligado ao metrô. O Riocentro dista 35 quilômetros do Centro e 30 quilômetros de Copacabana, lugar preferido dos turistas. Vem-se ao Rio ou ao Riocentro? Qual alternativa a considerar?
Agora, com os grandes eventos, a cidade tem a oportunidade de se fortalecer, inclusive no turismo. A Embratur tem planos importantes para o Rio e o seu presidente diz que a cidade pode se transformar em uma das cinco mais importantes do planeta para o setor, se souber aproveitar essas oportunidades. A Copa do Mundo de 2014 acaba de definir seu Centro de Mídia e optou pelo Rio como sede: uma vitória maiúscula. Como iremos valorizar essa escolha?
Estamos a poucos dias de o prefeito Eduardo Paes autorizar o anúncio dos projetos vitoriosos no concurso público nacional de arquitetura para o Porto Olímpico, a ser implantado na Avenida Francisco Bicalho, na área portuária. Além da Vila da Mídia e dos Árbitros, para os Jogos de 2016, o complexo inclui um Centro de Convenções, Feiras e Hotel, que preencherá uma lacuna por equipamentos do gênero. Tem ótima localização, central, entre os dois aeroportos e junto ao metrô. É possível que esse complexo esteja concluído até 2014, a tempo da Copa do Mundo. Ele dista menos de dois quilômetros do Maracanã, nossa sede do futebol. Tal proximidade será fator importante para que se torne uma alternativa vantajosa ao Riocentro para sediar a Mídia da Copa. Assim, reforçará o papel revitalizador do Porto Maravilha para a cidade.
Sendo um projeto pontual, integra-se porém a uma estratégia curtida no tempo: afinal, desde os anos oitenta que o Rio deseja fortalecer sua região central e sua área portuária. É preciso aproveitar cada oportunidade, diz a Embratur.
Ao escolher o Rio como sede da Mídia da Copa, a Fifa acertou. Agora, incumbe buscar a melhor solução, valorizar a escolha.