sexta-feira, 30 de julho de 2010

Morar carioca.

Sérgio Magalhães
A Prefeitura do Rio divulgou o compromisso de urbanizar todas as favelas cariocas até o ano 2020. Trata-se do programa Morar Carioca, que se compõe ao legado social da Olimpíada de 2016.
A divulgação se deu durante solenidade de assinatura de convênio entre a Prefeitura/Secretaria Municipal de Habitação e o Instituto de Arquitetos do Brasil-IAB/RJ cujo objetivo primeiro é o concurso público para a seleção das equipes que elaborarão os projetos urbanísticos, estimados em 260, para a urbanização das mais de 500 favelas integrantes do programa.
A história do Rio, há mais de cem anos, é indissociável das suas favelas. No começo, foram consideradas efêmeras, que o desenvolvimento do país equacionaria. Lei de 1937 proibiu que o mapa da cidade incluísse suas favelas. Quando ultrapassavam as centenas, passou-se à política de remoção compulsória. A reação social a inviabilizou. Não sem antes produzir grandes guetos localizados nas fraldas da cidade e que, após quarenta anos, ainda são lugares isolados e de muita pobreza.A revisão política dos anos 1980 reconheceu as favelas como realidade social e urbanística. Implantaram-se as primeiras redes sanitárias.
A revisão doutrinária do urbanismo e as condições econômicas do país permitiram que em 1994 a Prefeitura iniciasse o programa Favela-Bairro, de urbanização das favelas consolidadas.
O Morar Carioca aproveita a rica experiência dessas últimas décadas e visa ampliá-la, no objetivo da superação plena desse enorme desafio de integração social e urbanística. No âmbito do programa, urbanizar é tornar cidade.
O Convênio SMH-IAB também prevê promover a reflexão sobre essa experiência. Desde que o Favela-Bairro começou, as condições e exigências por certo se modificaram. Na perspectiva de 2020, como proceder para que as favelas cheguem lá plenamente inseridas à cidade? Refletir sobre a experiência, medir vitórias e derrotas, compreender as circunstâncias, poderá resultar em revisão dos parâmetros a serem atendidos por projetos e obras. Quais as novas exigências quanto ao sistema viário? Quanto às redes públicas? O que especificar para conservação e manutenção econômicas? Quais equipamentos sociais necessários? Onde localizá-los?
A reflexão, que o IAB-RJ organizará em conjunto coma SMH, por certo incluirá o tema das moradias precárias e do adensamento exagerado, onde há danos sanitários e ambientais. Melhorar a casa, com assistência e crédito, há de ser uma demanda importante nos próximos anos. O desadensamento implicará na construção de novas moradias. Aproveitar vazios urbanos e edificações ociosas, como há na zona Norte suburbana, é caminho possível.
É claro que um programa como esse só pode ir à frente com o franco apoio e a participação das comunidades envolvidas e de suas lideranças experientes. O IAB espera contar com a participação de instituições profissionais e acadêmicas, onde o Rio e suas favelas são objeto de estudo de muitos grupos.
Contudo, para além dos aspectos técnicos da urbanização, de inescapável complexidade, dois conceitos centrais são essenciais: respeito à diversidade e sustentabilidade.
No Rio, a multiplicidade morfológica é uma riqueza ambiental e cultural que caracteriza a cidade. As grandes Zonas são distintas entre si; e mesmo bairros vizinhos o são. Nas favelas ocorre o mesmo, entre si e em relação ao entorno. Em alguns casos há contraste (Santa Marta e Botafogo), em outras há semelhança formal (parte da zona Oeste).
No Rio, urbanizar favela é dotá-la de condições de contemporaneidade a partir de desenho urbanístico que reconheça as preexistências e as incorpore à cidade. É um trabalho sofisticado que arquitetos tem exercido com competência. Certamente, é trabalho em sintonia com a teoria mais avançada do urbanismo contemporâneo.
Integrar as favelas à cidade é também ampliar a cidade às favelas. Ampliar através dos serviços públicos necessários à vida urbana de hoje.Isto significa novos custos financeiros para a administração pública. Novos custos a serem cotejados aos prejuízos sociais, ambientais, econômicos e políticos hoje existente.
Assim, a sustentabilidade dos investimentos estará suportada justamente na presença permanente dos serviços públicos na cidade ampliada. Todos eles, inclusive o de controle urbanístico e o de segurança pública. Logo, na garantia de não expansão da ocupação das comunidades urbanizadas e da plena recuperação para a constitucionalidade dos territórios hoje ocupados militarmente por bandidos.
Essa dupla garantia talvez seja o maior dos desafios que a cidade precisará vencer, de modo a que, a partir de 2020, possa percorrer o século 21 no caminho da democratização social.
Mas, é certo, ele será alcançado!

Notícias relacionadas:
Observatório de Favelas: "Morar Carioca"

terça-feira, 27 de julho de 2010

Em tempo real


Sérgio Magalhães
O arquiteto franco-brasileiro Márcio Tomassini chamou a atenção para a versão digital do jornal francês Le Monde, que tem uma coluna sobre o tempo e outra coluna, ao lado, sobre o trânsito na cidade metropolitana de Paris.
Você quer sair e confere o clima, escolhe a roupa; confere o trânsito, escolha a rota. Se mudar o tempo e a roupa escolhida não se adaptar às novas circunstâncias, tem chance de passar frio, ou calor, ou ficar encharcado. Mas se o trânsito engarrafar, pode sempre escolher outro caminho. Basta ter o site do Le Monde à mão.
Márcio já encontrou também outro site que informa on line sobre a rede de metrô e trens metropolitanos da região parisiense.
Todos sabemos que o metrô de Paris é o máximo. Tem 350 estações, apenas no núcleo. Agora, a região metropolitana de Paris, que tem um sistema radial, terá um anel metroviário interligando todas as comunas da região. Lembremos que a Grande Paris tem uma população equivalente ao Grande Rio.
Os trens chegaram ao Rio apenas 20 anos depois de chegarem a Paris. Mas no metrô, Paris está investindo há 110 anos. Nós, há apenas quarenta anos. Nosso tempo real tem diferença de 70 anos!Chegaremos lá? Chegaremos lá!

Site do Le Monde: www.lemonde.fr

domingo, 25 de julho de 2010

Beleza e qualidade

*Artigo publicado originalmente no O Globo de 24/07/2010
Sérgio Magalhães
Ao sobrevoarmos São Paulo nos impressiona a massa infinita de altos edifícios. Em Belo Horizonte ou Curitiba temos modelo semelhante, embora menos radical. Nessas cidades, o edifício alto é hegemônico na definição da imagem urbana.
Em “A arquitetura da cidade”, o professor italiano Aldo Rossi avalia que as cidades são constituídas por um tecido urbano genérico que é pontuado por edificações excepcionais, as quais ajudam a compor a identidade coletiva
É o modelo de Paris: o tecido é constituído por edificações com seis andares.
Em pontos especiais, reforçados pelos bulevares, se localizam edifícios que se caracterizam pela qualidade,uso ou significado, não necessariamente por tamanho e altura.
Nova York é outro caso de interesse. Seus arranhacéus se organizam entre ruas e avenidas, as quais constituem também a imagem ambiental da cidade. O traçado do espaço público não submerge aos altos edifícios.
Esses exemplos evidenciam a diversidade na conformação das cidades e o desempenho das edificações no reconhecimento coletivo.
No Rio, a simbiose entre geografia e arquitetura define a multiplicidade morfológica que caracteriza a cidade.
Os indivíduos arquitetônicos não são mandatários do ambiente construído.
Não há uma imagem arquitetônica prevalecente. O conjunto, cada conjunto urbano, é o principal agente.Talvez por isso é que os cariocas dos anos setenta tenham atendido ao chamado de Millôr Fernandes e do“Pasquim” no combate ao “espigão”, invasor da escala.
No Rio, os edifícios que embasam a identidade cidadã sabem se inserir na ambiência, têm capacidade de se compor com as preexistências. São obras primas de interesse coletivo, como o Outeiro da Glória, Teatro Municipal, igreja da Penha, Central do Brasil, Maracanã, Museu de Arte Moderna, e, com liberdade de interpretação, o Pão de Açúcar, o Corcovado, a Lagoa.
Não obstante, ao intervir na cidade, quiçá definitivamente, a obra de arquitetura não é banal. Pequena que seja, sempre é de interesse coletivo. Ela compõe a complexidade do ambiente urbano. Na Cidade Maravilhosa, cada obra há de aspirar corresponder ao ambiente excepcional que a acolhe.
Os arquitetos defendem a escolha dos projetos de obras públicas por concurso. Não será uma opção corporativa, pois implica em uma participação muito maior e mais custosa do conjunto dos profissionais que se habilitam.
Certamente, é o reconhecimento da responsabilidade social que a arquitetura retém.
Foram escolhidas por concurso obras-primas como o Monumento aos Pracinhas (arquitetos Marcos Kondere Hélio Ribas) e o Aeroporto Santos Dumont (arquitetos MM Roberto).
Mas, também, são obras-primas outras em que a escolha não o foi por concurso, como o Museu de Arte Moderna (Afonso Reidy) e o Aterro do Flamengo (Burle Marx).
Agora, o Rio terá o Museu do Amanhã, projeto do espanhol Santiago Calatrava. O arquiteto é reconhecidamente competente, seu estudo preliminar tem características excelentes.
Precisa ser bem construído, a exemplo da Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre, de autoria do português Siza Vieira, obra de altíssima qualidade. Não diria o mesmo da Cidade da Música, de Portzamparc.
Sugere que o arquiteto francês ficou sem interlocução, levando-o ao exagero programático e projetual.
Por que Calatrava, Siza, Portzamparc, fazem obras tão qualificadoras? Porque são talentosos e em seus países se exercita a cultura arquitetônica — onde, em geral, os projetos são escolhidos por concurso.
Obras de alta qualidade são fruto dos projetistas, mas igualmente dos seus clientes, atentos à cultura. Nesse particular o concurso é modalidade imbatível, ao reduzir a discricionariedade dos agentes detentores das decisões, nem sempre dedicados à melhor escolha.
No Rio, sendo o espaço coletivo o cerne da ambiência, a qualidade das obras de interesse coletivo é fundamental.
Não dá para perder oportunidades, como, infelizmente, constato em ponte ferroviária e outra peatonal construídas recentemente na avenida Presidente Vargas.
Com a Copa de 2014 e com a Olimpíada de 2106 se multiplicarão as possibilidades: novas infraestruturas— avenidas, passarelas, estações —, vilas residenciais, equipamentos esportivos, edifícios de escritórios,hotéis, a reforma do aeroporto (como será o novo Galeão? Será capaz de mitigar sua atual mediocridade?).
Construir é importante, mas não basta. O carioca merece a garantia de que cada nova obra esteja em sintonia com a beleza e a qualidade do espaço de sua cidade. Não será inédito: é a sua própria experiência de rica arquitetura, a do bom edifício e do bom ambiente urbano, justamente como foi feita a Cidade Maravilhosa.

sábado, 24 de julho de 2010

Mistérios da percepção e da memória.

Sérgio Magalhães
A foto que o Lucas pescou na internet me remeteu a uma perda que já havia percebido mas que não atinara em que condições.
Lembro como me encantava cada vez que chegava à Lagoa pelo Rebouças. Bastava sair do túnel e nos deslumbrava uma paisagem larga e clara, belíssima.
De uns tempos para cá, deixei de sentir a mesma sensação. Pensei que me acostumara ao paraíso e já não percebia mais toda a beleza.
Mas esta foto me coloca uma questão: talvez a saída do túnel já tenha outros contornos para a moldura da Lagoa.Se repararmos bem, o quarteirão à direita, o primeiro da rua Jardim Botânico, era todo de construções baixas e agora não é mais. E, ainda, o que não me parece pouco relevante, um pouco à frente, os canteiros passaram a ter árvores, onde antes era apenas gramado.
Assim, agora nós nos deparamos com a Lagoa já um pouco depois da saída do túnel, quando o impacto da luz já não é mais o mesmo, e o ângulo de visão já modificou.
Não é a Lagoa, mas como e de onde a vemos.
Mistérios da percepção e da memória.

domingo, 18 de julho de 2010

Políticos, atenção: cidade dá votos.

Sérgio Magalhães
Conversava há dias com um amigo muito entendido em política eleitoral. Perguntava o motivo pelo qual os políticos brasileiros não tratam de temas urbanos, embora mais de 80% dos brasileiros morem em cidades. Digo que não tratam, porque entra eleição e sai eleição e problemas nitidamente urbanos passam ao largo das campanhas. Agora mesmo, os programas eleitorais conhecidos não destacam a cidade como lugar a ser privilegiado no governo.
Meu amigo ponderou que talvez sejam temas que não empolguem o eleitorado. Minha opinião é outra: se colocado na pauta do debate, por certo terão resposta positiva.
Assim, foi com dupla satisfação e curiosidade que li a notícia que o candidato Serra, em sua primeira visita ao Rio de Janeiro depois da convenção, fez uma visita aos subúrbios da Zona Norte em trem da Supervia. E que prometeu transformar o sistema ferroviário em metrô de superfície. Fiz um comentário que está pouco aí abaixo, intitulado “Olha a ZN aí, gente.”
Pois não é que O Globo de hoje anuncia que este projeto foi o que mais aplausos recebeu entre todas as promessas dos candidatos? Pelo “promessômetro” do Globo, transformar os trens em metrô dá votos!

Oxalá a politização do tema possa modificar a realidade, para melhor, é claro.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Um título mundial

Lucas Franco
O Brasil tem muito que aprender com a África do Sul.
Em uma reportagem do JN, o arquiteto e consultor técnico da Fifa, Carlos de La Corte, nos deu a dica:
“O estádio não pode simplesmente ser colocado num lugar da cidade, ele tem que ser pensado urbanisticamente, ele pode regenerar uma região que está deteriorada, pode catalisar um movimento social. O estádio é um grande representante urbanístico da arquitetura que pode mudar uma cidade”


Para fazer um evento como a Copa da FIFA, também nos sobra competência e animação. Mas fazer direito, sem esses estouros astronômicos no orçamento, aproveitando para melhorar a infra-estrutura de transportes e promover a recuperação de áreas degradadas, seria como marcar um gol de placa.
Diria ainda melhor: isso nos valeria um título mundial.

domingo, 11 de julho de 2010

Olha a ZN aí, gente!

Sérgio Magalhães

Com a visita a Bangu pelo trem da Central do Brasil, ante-ontem, o candidato a presidente José Serra se comprometeu a transformar os trens em metrô. Ontem, foi o candidato a governador, Fernando Gabeira, que anunciou igual compromisso.

Para os que temos defendido esse projeto como uma das mais importantes prioridades metropolitanas, as notícias são alvissareiras. Será com a politização do tema que ele terá chance de ir para a agenda pública e se tornar realidade.


Vale a pena lembrar o que significa transformar os trens em metrô:

primeiro, a oferta de um sistema de transporte público de qualidade compatível com os nossos tempos para todos os subúrbios cariocas e para parte importante da Baixada Fluminense, alcançando cerca de 70% da população;

segundo, implica em estimular a requalificação ambiental e urbanística dos bairros atendidos, sobretudo pelo reforço das centralidades que se encontram relacionadas às estações, origens desses bairros;

terceiro, e talvez o mais importante, dará condições de reversão no quadro de decadência desses bairros e, no médio prazo, sinalizará a possibilidade de que os moradores que vierem a progredir possam permanecer aí, em um novo ciclo virtuoso de desenvolvimento.


A metropolização dos trens, obviamente não é apenas fazer com os trens sejam seguros, adequados, confiáveis, e que circulem em intervalos reduzidos (talvez a cada 3 ou 4 minutos). É também tornar viáveis as estações: com acessos adequados, escadas rolantes, coberturas em todas as plataformas. Isto é: passarem a ser lugares de hoje.

Vejam a foto da única estação em que as três linhas se encontram, a estação de São Cristóvão, centro do Rio: escadas fixas, descobertas, que obrigam os usuários a subirem e descerem altura equivalente a 3 andares; plataformas igualmente descobertas, seja para o sol seja para chuva; entre outras “facilidades” constrangedoras. Chega a ser um deboche para com a população carioca.

Agora, vamos torcer para que a candidatas Dilma Roussef e Marina Silva, bem como o governador Sérgio Cabral, candidato à reeleição, também assumam o compromisso de transformar plenamente os trens em metrô.


Com a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016, essa transformação em todo o sistema será, talvez, o mais importante legado possível que estes grandes eventos poderão deixar à cidade.


Veja também:

O Globo - No Rio, Serra promete metrô de superfície

Cidade Inteira - Encruzilhada

terça-feira, 6 de julho de 2010

Acendam as luzes!

Lucas Franco
A história sobre a votação do novo Plano Diretor para o Rio de Janeiro começou meio estranha, obscura, atravessada. Com emendas polêmicas de autores desconhecidos.
Mas aos poucos as luzes começam a se acender e parece que as coisas vão se esclarecendo. E isto é fundamental quanto tratamos de questões que ultrapassam gestões, partidos e interesses, por mais bem intencionados que esses possam ser.



Assista aqui ao vídeo do RJ no G1: "Votação do Plano Diretor é adiada"

Enfim, que venham as propostas, o debate, o plano. E só assim, um desenvolvimento sustentável e o melhor para a nossa cidade.



Notas relacionadas:
Cade o autor?

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Civilidade

Sérgio Magalhães
Foi tristíssimo perder a partida.
Mas é preciso registrar uma belíssima atitude da equipe holandesa: a justaposição das bandeirinhas da Holanda e do Brasil no peito da camisa de sua seleção.
É mais uma demonstração do espírito aberto que caracteriza o seu povo.
A Holanda é toda urbana. É só cidade.
Talvez esteja nessa experiência de convívio, historicamente consagrada nos Países Baixos de saber conviver com o diferente, o que embase essa pequena-grande demonstração de civilidade.

"A contemporary City, Plan Voisin, Le Corbusier, 1922, 1925"

André Luiz Pinto

No Curso "Arquitectura e Cinema", promovido pela Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, o Professor Dietrich Neumann da Brown University nos brindou com estas belas imagens de um vídeo bastante raro onde vemos Le Corbusier, lançando mão do cinema para apresentar suas ideias, apresentando o famoso Plano Voisin que fazia tabula rasa de uma significativa parte do centro de Paris.