segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Passos de gigante, andar de tartaruga

 Sérgio Magalhães

Acho bom termos bilionários no pedaço. Dá um tom de respeito... Mas, no caso do Eike Batista, é necessário fazer alguma ponderação.

Ele tem manifestado interesse em promover empresas de entretenimento. Arenas, marinas, hotéis, cinemas, etc. Ótimo, a cidade agradece.

Mas por que não faz funcionar algumas delas antes de ampliar seu portfólio com concessões públicas? Afinal, lá está o Hotel Glória quase parando (ou parado?); o teatro foi posto de lado e estamos no vamos ver; a marina pretende que seja um shopping ou nada; vai o edifício do Flamengo pelo mesmo caminho do Glória; agora entrou na pauta o Maracanã.

Para Eike, o Maracanã não serve como estádio; isto é um detalhe. O que importa é ser um mega lugar de entretenimento, onde “as famílias possam passar o dia”. Muito bom. Mas as concessões não podem ser monopolizadas sem que se apresentem funcionando algumas delas. Para acumular concessões sem funcionar, sinceramente, não precisa ser um bilionário. Mas comprar um imóvel e construir novos equipamentos ele pode fazer à vontade –ninguém vai reclamar.


quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

De Volta ao Paraíso



Sérgio Magalhães
*Artigo publicado originalmente no jornal O Globo de 05/01/2013

“Peço colonos de moralidade mais comprovada, pois os que aqui vieram estão mais interessados em andar atrás das índias nuas.”
Vegetação exuberante, clima ameno, água farta, porto seguro, peixes e frutas abundantes, população amistosa –a Baía de Guanabara era o Paraíso nos primórdios de sua ocupação europeia, como sugere essa carta de Villegagnon, fundador da França Antártica (1555), ao seu mentor, o chefe calvinista Coligny.
Expulsos os franceses, foi a Guanabara que ofereceu as condições geopolíticas e topográficas para o desenvolvimento e o prestígio da cidade do Rio de Janeiro e de sua simétria, Niterói.Por mais de quatrocentos anos a baía aguentou maus-tratos. Mas nas últimas décadas, foi demais. O desmatamento assoreou seus rios, transformados em canais de esgotos. O lixo não recolhido foi carreado para ela.
 Só a generosidade do mar, todos os dias invadindo as águas da Guanabara, é que permite a vida ante tanta agressão.
Os planos de despoluição têm mais de vinte anos. Um ambicioso programa do governo do Estado, na década de 1990, arrastou-se sem resultados visíveis. Problemas de governança, problemas corporativos, projetuais e administrativos se somam para inviabilizar uma solução.
Carlos Heitor Cony diz que o “primado da burrice” imperou em determinado período de nossa história –referindo-se aos impasses que o país construiu para si mesmo. Essa atitude parece que também sustentou a ideia de que deveríamos ter ou a solução ótima ou nenhuma solução para a Guanabara.
Felizmente, a Olimpíada veio para sacudir nosso conforto. O compromisso da baía sediar competições náuticas obriga a  uma resposta adequada e recomenda uma revisão de conceitos. Revisão que, como anuncia o governo do Estado ,poderá ser capaz de conduzir à recuperação da baía no médio prazo. (Há modelos semelhantes já testados sejam técnicos, , como tratar dos esgotos em tempo seco e os rios na foz, sejam de governança ou projetuais). Se se efetivar, será ação refundadora, igualmente por razões ambientais, sociais, econômicas e urbanísticas.
O renascimento da Baía de Guanabara tem poder para reestruturar a cidade como metropolitana do Rio de Janeiro. Niterói, São Gonçalo, Magé, Caxias e a Baixada Fluminense, a zona Norte do Rio, o Centro Histórico e parte da zona Sul, as ilhas, o Porto – toda essa imensa região se beneficiará. Suas orlas e praias poderão recuperar parte do antigo fulgor. E novos vetores de desenvolvimento para a metrópole se  moldarão,  tendo como origem o polo Centro do Rio-Centro de Niterói.
Este momento de renovação dos administrações municipais é oportuno para que prefeitos e governo do Estado possam alcançar um acordo propulsor da nova Guanabara.  Tarefa de interesse geral, ultrapassa mandatos. Também por isso precisará contar com a participação da cidadania, das organizações sociais e da Academia no apoio, no monitoramento.(Gato escaldado ... não dá para só esperar os  resultados.)
A cidade reencontrando seu genius loci, o “espírito do lugar”, como diziam os antigos: é o Paraiso de volta!.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Espaços e imagens à venda


Sérgio Magalhães
*Artigo publicado originalmente na revista Ciência Hoje 299 - Dezembro/2012
Nos anos 1970, exacerbando-se a especulação imobiliária, houve grande reação de moradores de Ipanema, Rio de Janeiro, contra a construção de altos edifícios descaracterizadores do espaço urbano e da paisagem -apelidados por “espigões”. Esse movimento teve em Millôr Fernandes seu melhor porta-voz.
É complexa a conformação volumétrica e espacial de uma cidade. Depende de muitos fatores –especialmente, depende da ideia que se tem sobre a própria vida urbana. Nas cidades em que há multiplicidade de ambientes urbanos, a legislação urbanística precisa ser adequada a cada lugar, à paisagem, à história, às precedências. É um trabalho delicado, envolve escolhas e expectativas.
Assim, o volume a construir e a altura das edificações são questões a ponderar –mas não é tudo. É preciso considerar a relação dos edifícios entre si e deles com o entorno, os usos adequados e como a ocupação da área beneficia o todo. Trata-se da composição dos espaços públicos e da imagem ambiental da cidade.
O que há de comum entre tantas cidades que amamos? Não serão os edifícios, pois são muito diversos em volume, em altura, em tempo, em uso, em tecnologia construtiva. Nada mais diferente de um arranha-céu de Nova York do que um edifício parisiense ou ipanemense. Em todas elas, a qualidade está relacionada a seus espaços públicos.
Os edifícios conformam esses espaços, não se sobrepõem a eles. Caminhar com interesse e com prazer é uma das características desses ambientes. “Flanar”, como gostava o poeta francês Baudelaire.
A partir do século 19, desde que as tecnologias construtivas deixaram de ser vernaculares, tornando-se especializadas, e cresceram as exigências de infraestrutura urbana, o desenho dos espaços da cidade passou a ser responsabilidade da instância pública, função do Estado.
O que legitima esse monopólio é a busca da boa cidade. É tarefa governamental e não pode ser discricionária. Precisa ser estudada por corpo técnico-profissional permanente, produzindo efeitos após debate amplo com todos os agentes promotores da cidade –sobretudo os cidadãos. Portanto, não é uma tarefa emergencial; tampouco episódica.
A clara regulação das edificações é um atributo favorável tanto aos negócios quanto ao controle social do que se constrói. Para isso, as regras precisam ser fáceis de entender e duradouras.
Hoje, porém, tem prosperado o entendimento de que as prefeituras podem negociar os parâmetros a edificar, fora dos limites da lei, desde que haja benefícios para o erário. Assim, são permitidos maiores volumes a edificar, maior número de andares ou usos antes inadequados, desde que haja contrapartida de parte do empreendedor imobiliário. Justifica-se com o emprego dos recursos em ações de interesse coletivo.
Entre conceitos correlatos, está o das Operações Urbanas, através das quais o poder público confere à iniciativa privada a capacidade de produzir as edificações e os espaços segundo as melhores condições econômico-financeiras que o negócio imobiliário considerar –desde que a cidade seja atendida com intervenções que a beneficiem.
Seja em um caso, seja no outro, trata-se de uma flexibilização que não favorece à participação cidadã na escolha dos rumos de sua cidade. Ao contrário, leva ao alheamento, porquanto a concepção urbanística que vier a ser definida em debate comunitário poderá ser trocada, mais adiante, por dinheiro.
Mesmo estando ao abrigo de leis locais ou federais, nem por isso será legítimo esse modelo. Afinal, a cidade e seu espaço não são dos governos. Tampouco do Estado.  
A forma urbana é construída no tempo; não é imutável, mas não há de ser volúvel.
A briga de Millôr e de seus companheiros do movimento contra os espigões em Ipanema é a legítima participação do cidadão em busca de espaços urbanos que tratem de beleza e encantamento –em amor por sua cidade. Não é algo que possa ser posto à venda.