quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Cidades como o todo da parte

Eduardo Cotrim
Há no mundo, por enquanto e quem sabe durante quanto tempo, uma quantidade bem menor de metrópoles que aldeias, cidadelas, medinas, vilarejos, desses do tipo que uma vez conhecidos, passam a ser admirados pela estrutura de seus espaços possuidores de unidade e de extrema harmonia. Lugares que por alguns atributos, servem sempre como auxílio à reflexão de cidades como as nossas ou de outras que se elejam.

Apesar das diferenças, às vezes extremas, percebidas em suas concepções, inúmeros povoamentos chamados espontâneos, ancestrais, intuitivos, são estudados frequentemente como exemplos de implantação, solução construtiva, orientação, plasticidade. Podem não terem sido criados a partir de sistematizações anteriores, regras ou princípios muito nítidos que expliquem as performances de seus conjuntos.
Então é razoável perguntar se houve, em cada uma dessas cidades, num dado momento de seus nascedouros, uma espécie de acordo entre os primeiros ocupantes, sobre um tema para o todo. Essa hipótese exigiria uma combinação, um pacto, ainda que silencioso, para que cada átomo da aldeia fosse formado por um volume de dadas proporções flexíveis. Por cores numa certa escala de tons e por materiais entre alguns disponíveis. A partir desse pacto, as partes da cidade se reproduziriam ao longo do tempo, de modo a formar o todo que conhecemos ou numa outra hipótese, tudo seria criado quase que de modo simultâneo. É também muito provável que sempre tenha ocorrido os dois casos.
Mas ainda não parece haver alguma razão suficientemente clara que explique o destino ao sucesso de tantos lugares distintos do homem, que resultaram de um somatório de partes capazes de despertar o reconhecimento de intuições estéticas ou fenômenos dessa ampla natureza, difíceis de serem descritos.
As cidades que adquirem reconhecimento universal de sua qualidade, e são de fato incontáveis, parecem manifestar em suas partes, de forma incondicional, o mesmo cuidado e satisfação da realização percebida no todo. Essa espécie de lógica talvez diga muito sobre as condições iniciais em que se dá o domínio do lugar, sobre o preço da instalação do todo ou de sua consolidação, a partir do cumprimento da necessidade, sempre vital, da ocupação.
O cuidado e a satisfação de espírito percebidos na produção de cada parte da cidade primordial podem sublimar pressões adversas da natureza, mas dificilmente, aqueles mesmos cuidados estarão presentes no lugar marcado pela insegurança da permanência ou pela desproteção: se um dia houve insegurança nas cidades primordiais (sabe-se que sempre houve), essa insegurança foi a do seu todo. Nesse caso, ou o todo se protegia ou não havia o todo.
A idéia de um todo que se reconhece como um todo e que permanece como um todo devido a sua capacidade de autoproteção, pode não explicar tudo, mas é o dado comum entre as cidades que costumamos eleger como ideais, apesar de existentes no mapa, visitáveis, passeáveis, moráveis e pesquisáveis.

2 comentários:

  1. Como arquiteto Urbanista, parabenizo voces peloa ótimo ensaio sobre a formação e desnvolvimento das cidades. Texto limpo, informativo e provocativo no pensamento, grande reflexão.
    Paulo Bettanin.

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  2. Bettanin, ensaio nem tanto, mas talvez o muito, o pouco, o certo ou o incerto que arquitetos urbanistas ponderamos sobre cidades, deveria ser matéria do ensino fundamental. Não digo para formarmos futuros especialistas, mas para que daqui a alguns anos nas cidades haja mais que habitantes, pagadores de impostos, transportados - já que a observação do que é real faz quase um outro universo. Não sei se você concorda... Um abraço e obrigado pelo comentário positivo. EC

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