segunda-feira, 5 de maio de 2014

Licitação de obras públicas deve ser simplificada? Não. - Atalho para malfeitos -

Sérgio Magalhães

Nós estamos satisfeitos com as obras dos estádios para a Copa? Estão no prazo? Estão com custos conhecidos? Estamos contentes com as obras de infraestrutura prometidas? Estão bem feitas? E as obras do PAC?
Pois saibamos que foram contratadas por uma lei de exceção – o tal RDC. Agora, quer-se estender a todas as obras públicas, sejam municipais, estaduais ou federais, o mesmo regime. O argumento: precisa simplificar a licitação.
O limite da simplificação é o gestor público chamar o empreiteiro seu amigo e lhe dizer: “Faça essa obra. Eu não sei bem o que eu quero, mas você pode começar. Meu povo garante os dinheiros.”
Será fantasia?
Nas décadas de inflação era difícil superar a lógica da premência: qualquer coisa agora é melhor do que nada amanhã.  Os incipientes sistemas públicos de planejamento e de gerenciamento de obras foram esvaziados.
Com a estabilidade e o crescimento econômico afloraram as demandas reprimidas e outras tantas se apresentaram. Mas, o serviço público vê-se às voltas com a falta de quadros técnicos de planejamento e de gerenciamento de projetos e obras; e com a abundância de quadros político-partidários, em geral despreparados para as funções.
É verdade que presidentes, governadores e prefeitos são premidos pelo prazo de mandato; é compreensível que tenham pressa. Mas o caminho que parecem querer não é correto; levará ao aumento dos problemas, das obras inacabadas com custo exagerado e desnecessárias. Não é a velocidade com que se licita a obra a chave da questão.
O mundo todo sabe, sobretudo os empreiteiros, que é a indefinição ou falta de projeto o principal fator de atrasos e de aumento de custos de obras. A indefinição projetual, aliás, é uma aliada poderosa da corrupção e dos malfeitos.  
Para superar a indefinição e a falta de projetos completos, o governo imaginou um atalho: transfere ao empreiteiro a tarefa de “projetar, construir, fazer os testes e demais operações necessárias e suficientes para a entrega da obra”.
Alguém faria isso com seus próprios recursos? Mesmo um construtor, no interesse de fazer sua casa, e sem tempo, contrataria um colega nessas condições?
O interesse público está na adequação da obra às necessidades da coletividade, na boa qualidade dos serviços e no seu preço justo. Isto exige um trabalho continuado que começa em definir o que se quer (o “Programa de Necessidades”), passa pela elaboração de projetos completos, seus licenciamentos, orçamentos confiáveis e transparentes, por uma licitação de obra que permita a concorrência, o gerenciamento dos projetos e o acompanhamento gerencial da obra .
Se os governos querem pressa precisam melhorar seus processos de decisão, o que se faz com órgãos técnicos de planejamento estruturados como função de Estado. É o que o mundo desenvolvido aprendeu.
As entidades nacionais de arquitetura e urbanismo, em documento intitulado “As obras públicas e o Direito à Cidade”, entregue ao governo federal e às lideranças do Congresso, são contrárias à extensão do RDC a toda obra pública e pleiteiam que a revisão da Lei de Licitações, em andamento no Senado, seja concluída com a exigência de Projetos Completos.
O Brasil é um país maduro, importante – não pode continuar aos solavancos. Os problemas urbanos precisam ser enfrentados para promover a democratização de nossas cidades. Esses atalhos levam a cidades com maior desigualdade social, insustentáveis e precárias – e à desmoralização da Política.

O futuro não dará razão a tais atalhos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário