Luiz Fernando Janot*
*Artigo publicado originalmente no jornal O Globo de 03/09/2011.
A retomada do desenvolvimento econômico do Rio vem se refletindo na construção de novos edifícios empresariais e sedes de empresas, especialmente no Centro e na Cidade Nova. Em geral, são edifícios com avançados recursos tecnológicos e dotados de elementos de sustentabilidade aplicados à arquitetura. Todavia, no aspecto formal, ainda prevalecem os indefectíveis blocos prismáticos revestidos integralmente com vidros espelhados coloridos. Em suma, trata-se de uma beleza sitiada e atrelada a um modelo estético cuja imagem representa, simbolicamente, o poder econômico das empresas instaladas nesses edifícios. Paradoxalmente, recupera-se, hoje, um modelo que simbolizou — pasmem — na década de 50 o progresso econômico dos Estados Unidos. É lamentável observar essa subserviência criativa num momento em que o Rio recupera o seu papel de capital da cultura nacional.Esse tema vem sendo debatido e estimulando o exercício crítico da arquitetura como forma de expressão cultural. A mais contundente das críticas feitas a esse modelo de concepção formal recaiu sobre a mesmice estética desses volumes prismáticos, encapsulados com vidro e destituídos de qualquer expressão formal significativa. Outra crítica recorrente diz respeito ao fato de os edifícios se apresentarem como unidades autônomas, fechadas e sem relação com o espaço urbano no seu entorno. Numa cidade como o Rio, a concepção formal de um edifício não pode desprezar a relação de contiguidade urbana, entendida como um componente indissociável da sua arquitetura. Refutando essas críticas, um dos arquitetos envolvidos com projetos dessa natureza alega que a preocupação deve ser, primordialmente, com a qualidade das edificações e que não é possível conceber uma cidade onde todas as construções sejam necessariamente marcos arquitetônicos. O próprio prefeito reconhece que a discussão estética sobre arquitetura estimula os arquitetos a refletirem e que ele mesmo vem fazendo essa reflexão ao apreciar o resultado dos últimos concursos de projetos.
Ao contrário dos países europeus onde a arquitetura e o urbanismo se impõem como requisitos indispensáveis para a valorização das cidades, no Brasil esse entendimento vem perdendo importância. Coincidência ou não, o resultado desse desinteresse se reflete na má qualidade estética das edificações. Raros são os exemplos que conseguiram superar, criativamente, as limitações impostas. Infelizmente, o deslumbramento diante de certos modismos arquitetônicos importados vem influenciando a concepção dos edifícios empresariais, tornando-os completamente desprovidos de valor cultural.
Parodiando Caetano Veloso, eu diria que a força da grana que já ergueu coisas belas, hoje, se limita a construir edifícios tecnologicamente avançados que mais parecem com aquários monumentais. Os argumentos de que esses edifícios são "sustentáveis e inteligentes" — expressão mercadológica muito utilizada — não basta para justificar a aparência anódina e despersonalizada que possuem. Numa cidade como o Rio, a conceituação de um edifício deve considerar a sua expressão formal incorporando as relações de contiguidade urbana como um componente indissociável do projeto. A arquitetura conceitual, que tanto incomoda tecnicistas e tecnocráticos, não pode se curvar diante de modelos restritivos que impedem a liberdade de criação. A estética urbana e arquitetônica não é uma abstração. É o resultado de uma articulação harmoniosa com a ambiência que a envolve.
E o que dizer da qualidade arquitetônica das demais construções que se espalham pelos bairros do Rio? A verdade é que os interesses mercadológicos que condicionam a produção arquitetônica atual não são e não poderiam ser os mesmos que produziram as antigas residências, os sobrados e os modestos prédios que emolduraram as ruas cariocas no passado. O que passou, passou, mas não se pode deixar de lamentar a obsolescência de certos bairros tradicionais cariocas em decorrência do processo desvairado de expansão urbana da cidade. Os deslocamentos populacionais dessas localidades para as novas áreas urbanizadas e a ocupação informal dos vazios urbanos existentes nesses bairros contribuíram para romper a relação respeitosa dessas localidades com a ambiência local.
Convém frisar que o pensamento crítico da arquitetura e do urbanismo não é um fim em si mesmo e muito menos a solução para os problemas e questionamentos existentes. A crítica é apenas uma forma intelectual de manter viva a discussão e a reflexão sobre temas relevantes da arquitetura e da cidade.
*Luiz Fernando Janot e arquiteto urbanista e professor da UFRJ.
Brilhante artigo. É impressionante o desinteresse da sociedade carioca em relação a qualquer discussão sobre arquitetura e urbanismo. Tenho a impressão de que aqui a feiúra é vista como inevitável, como se a beleza possível fosse apenas a da natureza. É como se, quase inconscientemente, chegássemos à conclusão de que, já que construir um edifício por si só é um crime contra a exuberância natural carioca, melhor não perder tempo e se ater somente a critérios econômicos para erguê-ló. Desse modo, mantemos uma bizarra utopia de "cidade maravilhosa" quando, na verdade, toleramos a construção de uma cidade deplorável em um cenário natural paradisíaco. Tristes trópicos.
ResponderExcluirMas qual é mesmo o ponto do post? Diria eu: os arquitetos é que promovem essa bagunça arquitetônica. (seriam os engenheiros os mentores desses prédios disfuncionais ?). O fato é que os prédios que aparecem em qualquer cidade como o Rio ou Sao Paulo são completamente desprovidos de funcionalidade urbana. Não dizem nada para o bairro; não acrescentam nada para os elementos fundamentais da cidade, como a rua, a esquina e até mesmo o bairro. Cada um cuida de si e assim ninguém cuida da cidade. Precisamos xingar nossos irmãos. Os prédios não aparecem espontaneamente. São criações dos arquitetos.
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