segunda-feira, 28 de março de 2011

Pritzker Prize 2011: Eduardo Souto de Moura

André Luiz Pinto
O vencedor do mais importante prêmio da arquitetura mundial é o arquiteto português Eduardo Souto de Moura (1952), um dos expoentes mais importantes da Escola do Porto. Segue os passos do arquiteto Siza Vieira com quem trabalhou no início da carreira e que também foi premiado em 1992.
O júri do Pritzker escreveu que:


"Durante as últimas três décadas, Eduardo Souto Moura produziu um corpo de trabalho que é do nosso tempo mas que também tem ecos da arquitectura tradicional. Os seus edifícios apresentam uma capacidade única de conciliar características opostas, como o poder e a modéstia, a coragem e a subtileza”. 


O Júri deu destaque ao belíssimo Estádio Municipal de Braga, construído por ocasião do campeonato europeu de futebol em 2004.


Destaco a belíssima obra de 2009 do arquiteto: a Museu Casa das Histórias Paula Rego em Cascais, Portugal.




A cerimônia de entrega do prêmio será no mês de Junho em Washington DC.

Puxão de orelha


André Luiz Pinto
O presidente da FIFA, Joseph Blatter, alertou o Brasil para o fato de estar pior preparado do que a África do Sul a três anos de organizar a Copa do Mundo.
'O Brasil está atrasado em comparação com a África do Sul no mesmo período. Em 2007, a três anos do Mundial 2010, os sul-africanos estavam mais avançados que os brasileiros estão hoje'.
Blatter lembrou que 'faltam só três anos' para a Copa do Mundo de 2014 e dois para a Taça das Confederações,'um treino para o grande evento'.
Por isso, o dirigente alertou para o 'risco de nem o Rio de Janeiro, nem São Paulo poderem organizar jogos' caso os preparativos não sejam acelerados, para terem os estádios em condições no prazo estabelecido.
O Brasil apresentou 12 cidades para o mundial, e Blatter desaconselha a redução desse número, considerando que as cidades sede não entenderiam por que agora lhes era retirado esse direito.
'O que há a fazer é acelerar os preparativos. A Copa do Mundo é amanhã e os brasileiros pensam que é depois de amanhã', ironizou.

domingo, 20 de março de 2011

O núcleo e a essência do Rio


Sérgio Magalhães
*Artigo publico originalmente no jornal O Globo de 12/03/2011
Na velha Praça Tahrir, espaço urbano central do Cairo, foi onde vimos o povo egípcio manifestar-se, nessa onda que percorre os países árabes.
E aqui, onde o carioca se manifesta politicamente? Na Cinelândia, na Candelária, na Rio Branco. Onde o incrível fenômeno dos blocos festeja o carnaval? Na rua, no espaço público.
Uma praça, todos sabemos, é uma área livre, pública, cercada de construções. Mas, fosse apenas edifícios + área livre, seria uma imensa maquete. É o uso que a qualifica. Isto é, o espaço urbano é o material e o espiritual somados na história, construindo a memória e a identidade coletivas.
Os cidadãos se reconhecem como parceiros ao compartilharem imagens e memórias. A identidade coletiva cimenta valores e permite que o embate quotidiano se estabeleça em bases mutuamente aceitas. É um verdadeiro acordo social promovido pelo usufruto dos bens culturais, dos espaços e dos signos coletivos.
Embora, hoje, essa construção social seja também formada por outros meios da cultura, desde o rádio e aTV até aos tuíteres e internets, o espaço urbano mantém a prerrogativa de locus da interação social mais livre, a que se dá entre os diferentes. Na efervescência do imprevisto nos espaços da vida real — esta é a cidade. É o que faz a diferença entre as verdadeiras e emocionantes cidades e as idealizadas e racionais aglomerações funcionalistas.
No caso do Rio, há um diferencial na conformação dos espaços urbanos.Por sua originalidade, escala e beleza, o Pão de Açúcar, o Corcovado, os Dois Irmãos, a Penha, o maciço da Tijuca, também compõem o espaço urbano carioca e se transformam em signos permanentes. Isso dá estabilidadesingular à paisagem construída,perpassando os séculos. A destacar que esses elementos permanentes também o são para Niterói, São Gonçalo e Baixada Fluminense. Isto é, são referências para a cidade metropolitana.
Mas o espaço urbano pressupõe vitalidade. Ele exige sintonia com as forças dinâmicas da sociedade. É o passado e é o presente.
A Cinelândia, no Rio, foi a principal centralidade política, social e cultural brasileira na maior parte do século XX. Como manter sua vitalidade? É uma questão que não se esgota na preservação das edificações. Por certo, a saída da Câmara de Vereadores da Cinelândia, anunciada algumas vezes, não é solidária com o fortalecimento do lugar. Mas a recuperação do Teatro Municipal, sim. Melhorar o fluxo viário, reduzir a poluição, manter a atratividade, são medidas importantes. Mas, entre os fatores preservadores da Cinelândia como espaço fundamental do Rio sobretudo se encontra o reforço das centralidades ainda localizadas no Centro, o núcleo da metrópole.
O Aterro do Flamengo, obra dos anos 1950, transforma-se em parque sob desenho de Burle Marx. É dos mais importantes espaços do Rio. Mas sua borda, a Praia do Flamengo,sofre desde então com a decadência ambiental da Baía de Guanabara. Com a despoluição da baía é possível a requalificação que permita ao parque e à praia potencializarem o papel estratégico do conjunto para o desenvolvimento urbano do Centro e da Zona Sul. Em simetria com a transformação da zona portuária pelo projeto Porto Maravilha, o Centro terá mais um instrumento para sua recuperação.
Esse conjunto, Aterro-Centro-Porto, pontuado pelos ícones geográficos, configura-se como o mais importante espaço urbano metropolitano brasileiro. A garantia de sua vitalidade parece ser essencial para a própria vitalidade do Rio.
Isso está em sintonia com a experiência recente de grandes cidades mundiais. Nelas, busca dinamizar-se a cidade onde ela está, aproveitando-se vazios e áreas degradadas, prestando-se bons serviços públicos, melhorando a mobilidade, valorizando os espaços significativos. E essa diretriz é inexoravelmente oposta à expansão fácil do tecido urbano.
O arquiteto britânico Richard Rogers, prêmio Pritzker de 2007 (o Nobel de arquitetura), ora em visita ao Rio, defende uma cidade compacta a partir das pre existências e dos espaços urbanos. Essa recomendação faz ao Rio, e também a fez a Paris como um dos dez prestigiados arquitetos mundiais chamados pelo governo francês a pensar o futuro de sua metrópole.“A compacidade deve ser a primeira regra, é um conceito que geraeficácia, interação e urbanidade.”
O Rio precisa de seus espaços urbanos não por saudosismo. Representação, memória, identidade coletiva, são qualidades de alto valor referenciadas ao espaço urbano construídas social e historicamente.
O espaço urbano é vida e estabilidade; somos nós e nossa vivência no lugar, que nos somamos às gerações precedentes na construção da identidade e da memória comuns. Nós mudamos permanecendo os mesmos; algo assim se pediria aos espaços.

terça-feira, 15 de março de 2011

Legados intangíveis

Felipe Góes*

Com os Jogos Olímpicos de 2016, mais do que a realização do maior evento esportivo do planeta, o Rio de Janeiro tem a oportunidade de desenvolver grandes projetos. Sob a justificativa de um calendário que inclui ainda os Jogos Mundiais Militares, em 2011; o Encontro Mundial da ONU para o Clima (“Rio + 20”), em 2012; e a Copa do Mundo da FIFA, em 2014; recursos humanos e financeiros estão sendo destinados a transformações profundas nas áreas de transporte, infraestrutura, segurança, meio-ambiente e social.

Porém, grandes eventos também deixam legados intangíveis, igualmente importantes para o futuro da cidade-sede. No caso de Barcelona, Pasqual Maragall, prefeito da cidade entre 1982 e 1997, não fala de estádios, aeroportos ou estradas quando define o maior legado dos Jogos de 1992. Para ele “os Jogos Olímpicos foram para Barcelona o aprendizado do êxito. Foram a convicção, provada por todos os cidadãos, de que somos capazes de enfrentar desafios ambiciosos e complexos.”

No Rio de Janeiro, a recuperação da auto-estima do carioca será talvez o mais importante destes legados intangíveis. Depois que deixou de ser a capital da República, o Rio viveu cinco décadas de perda da centralidade política e esvaziamento econômico. O carioca viu o seu sentimento de orgulho perder força, o que foi agravado com o aumento da violência. A visibilidade dos grandes eventos e a oportunidade de mostrar ao Brasil e ao mundo as suas belezas naturais e a alegria do seu povo vão recuperar uma auto-estima que parecia perdida. Esse movimento começou a ser observado nos últimos anos, com a retomada de territórios pelas Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), e ganhou força com a escolha do Rio como sede dos Jogos Olímpicos, em 2 de outubro de 2009.

A marca Rio de Janeiro também será impactada. Logo após a vitória em Copenhague, a cidade teve uma exposição recorde. Nos próximos seis anos, haverão inúmeras oportunidades de agregar novos atributos à marca Rio, como sustentabilidade, turismo familiar e pólo da indústria criativa.

Outro legado intangível é a construção de uma cultura de planejamento de longo prazo para a cidade, sobretudo dentro dos Governos do Estado e Municipal. A maioria dos projetos de legado tem extenso prazo de execução, perpassando mandatos e exigindo um olhar estratégico. A cobrança internacional – de órgãos como ONU, FIFA e COI – sobre as promessas feitas pelos governos requer uma capacidade de planejamento e acompanhamento estruturados desses projetos.

Este plano de transformação da cidade só é viável com o trabalho coordenado entre os três níveis de governo e o envolvimento da sociedade. O seu sucesso trará inevitavelmente uma maior consciência na população sobre a importância das boas relações institucionais entre os Governos Federal, Estadual e Municipal.

Com estes legados intangíveis, somados às transformações sociais e de infraestrutura, o Rio estará pronto para enfrentar novos desafios, pois terá recuperado a sua capacidade de planejar e ditar o seu destino de cidade global.

*Felipe Góes é Secretário Municipal de Desenvolvimento da cidade do Rio de Janeiro.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Obama e a essência do Rio

André Luiz Pinto

No sábado passado, 12 de Março, foi publicado no O Globo o artigo intitulado "O núcelo e a essência do Rio" de autoria do arquiteto Sérgio Magalhães. (veja aqui)

SM defende a valorização do espaço urbano como o lugar onde "os cidadãos se reconhecem como parceiros ao compartilharem imagens e memórias".


Fala especificamente da Cinelândia, "principal centralidade política, social e cultural brasileira na maior parte do século XX" e da importância de manter a vitalidade deste espaço e da centralidade do Centro Metropolitano.
Conclui dizendo que "o Rio precisa de seus espaços urbanos não por saudosismo. Representação, memória, identidade colectiva, são qualidades de alto valor referenciadas ao espaço urbano construídas social e historicamente."


Já no domingo, 13 de Março, o jornal O Globo deu a notícia (veja aqui) de que o Presidente dos EUA, Barack Obama escolheu exatamente a Cinelândia como palco para seu "discurso ao povo brasileiro" no próximo dia 20 de Março.
A escolha do Presidente Obama reforça a importância histórica deste espaço na política e vai ao encontro do texto escrito por SM.


Oxalá nossos políticos tenham a mesma sensibilidade de perceber a importância destes espaços da memória na construção de nossa cidade e identidade.


Em tempo: Alguém sabe quando foi a última vez que um Presidente discursou na Cinelândia?

quinta-feira, 10 de março de 2011

Richard Rogers

Sérgio Magalhães

Um dos mais prestigiados arquitetos contemporâneos, sir Richard Rogers é co-autor com Renzo Piano do Centro Pompidou, o Beaubourg, em Paris; e autor dos projetos do Domo do Millenium, em Londres; do Terminal 4 do Aeroporto Barajas, em Madrid; da Torre 3, de reconstrução do World Trade Center, de Nova York; da Assembléia Nacional do País de Gales; e participa das dez equipes selecionadas pelo governo francês para pensar o futuro da Grande Paris.

Por sua atuação cultural, Rogers recebeu o título de Cavaleiro do Império Britânico, o de barão de Riverside e integra a Câmara dos Lords da Grã Bretanha. Recebeu inúmeros prêmios, como o Pritzker de 2007 (o Nobel da arquitetura), a Medalha de Ouro e o Prêmio Stirling, ambos do Real Instituto Britânico de Arquitetura (RIBA). Foi conselheiro do prefeito de Londres para a arquitetura e urbanismo por quase dez anos e do prefeito de Barcelona.

RR é autor do livro “Cidades para um Pequeno Planeta”, no qual defende um modelo de cidade compacta como condição de sustentabilidade e que preserve o espaço urbano como lugar da interação. Em especial tratando das metrópoles, Rogers é de opinião que há necessidade de um redirecionamento no desenvolvimento urbano, de modo a impedir os danos ambientais causados pela expansão desmedida e pelo uso abusivo do transporte individual.

Richard Rogers estará no Rio de Janeiro para proferir conferência intitulada “A Linguagem da Arquitetura”, na exposição “A Cidade Somos Nós – Desenhando a mobilidade do futuro”, promovida pelo ITDP (Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento, sediado em Nova York, Estados Unidos) com o apoio do Instituto de Arquitetos do Brasil, RJ: dia 11, sexta-feira, às 15h, no Centro Cultural dos Correios.

Links relacionados:

http://ascidadessomosnos.org/

http://www.richardrogers.co.uk/rshp_home

http://www.correios.com.br/sobreCorreios/educacaoCultura/centrosEspacosCulturais/CCC_RJ/default.cfm

segunda-feira, 7 de março de 2011

The Pruitt-Igoe Myth

André Luiz Pinto
Está disponível no iTunes o trailler do filme The Pruitt-Igoe Myth: an urban history, do diretor Chad Freidrichs, promete apresentar um novo olhar sobre o conjunto habitacional de 1954/55 do arquiteto Minoru Yamasaki em St. Louis, Missouri. 
A demolição do Pruitt-Igoe em 16 de Março de 1972, foi mitificada por Charles Janks como 'o dia da morte da Arquitetura Moderna'.
Ficamos na expectativa de que o filme chegue aos cinemas brasileiros.


Site do filme: http://www.pruitt-igoe.com/
Veja o Trailler:



domingo, 6 de março de 2011

O mau hábito carioca documentado...

Lucas Franco
Com a animação da festa do Momo, reforçada pelo belíssimo resgaste do seu carnaval de rua, vem à tona no Rio a discussão sobre o modo como muitos dos cariocas encontram para satisfazer as suas necessidades fisiológicas por entre blocos, bailes e desfiles espalhados pela cidade. Contudo, o excelente artigo de Milton de Mendonça Teixeira nos conta que essa história vem de outros carnavais.

Milton de Mendonça Teixeira*
A História que ninguém conta....

Esta rara e pouco conhecida aquarela foi feita pelo artista francês Jean Baptiste Debret entre 1817/29 e consta do belo livro de Pedro Correia do Lago "Debret e o Brasil", lançado recentemente pela Editora Capivara, onde são reproduzidas mais de 1.300 obras de Debret, muitas delas inéditas.


É este o primeiro registro iconográfico de um mau hábito carioca, o de urinar na rua, onde bem lhe aprouver.


A aquarela pertence a Jean Boguici.


Nenhum artista tratou desse tema, infelizmente tão atual.
Anexo um texto sobre nossos porcos e velhos hábitos.

COPROLOGIA HISTÓRICA 


Recentemente, a subprefeitura do Centro lançou uma campanha de mudança dos costumes muito boa. A municipalidade gasta verdadeiras fortunas com a limpeza e remoção de excrementos e urina dos logradouros do Rio. A falta de educação de alguns, aliada também à falta de bons banheiros públicos, generalizou o costume incivilizado de parte da população carioca se desobrigar atrás de todas as árvores, postes, esquinas e monumentos públicos da cidade. A campanha contará com cartazes moralistas relatando que “...esta não era a educação que seus pais lhe deram”. Apesar de a medida ser altamente meritória e necessária, os dizerem não encontram respaldo na história.


Com efeito, não são poucos os viajantes que se referem à sujeira das ruas do Centro do Rio no início do século XIX. As casas não tinham banheiros. No máximo, uma “casinha” no quintal, cuja fossa era limpa à noite por um escravo, o qual recolhia o conteúdo em tonéis de barro e depois conduzia esse “cabungo” na cabeça até a praia ou terreno baldio mais próximo, onde era feito o despejo. Como, freqüentemente, esse tonel vazava e tingia o infeliz de malcheirosas manchas, o povo apelidava esses pobres escravos de “tigres”.


A urina, por sua vez, era despejada das janelas das casas em urinóis, em plena rua. Uma lei de 1776 obrigava apenas ao arremessante a bradar antes a advertência: “água vai!”.

Quanto ao povo, este se desobrigava em qualquer lugar. Não existiam pudores ou restrições. Afinal de contas, eram poucas as mulheres que saíam às ruas e, quando saíam, era aos domingos, e sempre acompanhadas de seus maridos ou pais. Nas ruas do Rio, no dia-a-dia de 1800, somente homens e escravos perambulavam. Para piorar a situação, o mau exemplo vinha de cima. Vinha do próprio Rei!


D. João VI comia muito, muito e mal. Diabético e doente, nem por isso se continha à mesa, devorando, por vezes, de quatro a seis frangos por refeição. Quando o Rei partia do Palácio de São Cristóvão em direção ao Centro, em sua carruagem não poderiam faltar um urinol, penico e os respectivos criados responsáveis pela sua higiene. No trajeto, a carruagem parava ao menos duas vezes. Quando era a vez do Rei “obrar”, a carruagem estancava, um criado montava o “trono” portátil e a guarda cercava Sua Majestade, impedindo os curiosos de ali passar. D. João sofria de flatulência, soltando gazes em todas as ocasiões, solenes ou não. Coitado do criado que esboçasse um riso ou gracejo. Seria cortado do serviço no Paço!


Vieira Fazenda, historiador carioca, relata o caso duma procissão de Corpus Christi em que o Rei arriscou um flato e este veio “acompanhado”; o que obrigou D. João a correr para uma casa na Rua Direita (atual Primeiro de Março), atrás de um “trono”. D. Pedro I herdou esse problema. A diarréia histórica mais famosa que conhecemos é a que acometeu o Príncipe, às margens do Riacho Ipiranga, em São Paulo , a 7 de setembro de 1822. Os historiadores citam que a viagem se retardara muito porque D. Pedro tinha de “...se apear do cavalo de meia em meia hora para obrar”. Estava nessa situação quando o correio Paulo Bregaro lhe entregou as cartas do Conselho de Estado, que pediam nossa Independência. D. Pedro se conteve como pôde, reuniu a guarda, informou-os da situação e deu o famoso brado que nos libertou de Portugal.


Em 1824, D. Pedro I assistia a uma parada dos soldados mercenários alemães na Fortaleza da Praia Vermelha, quando pediu desculpa aos oficiais, se agachou perto dum muro e “obrou” na frente dos embasbacados militares. Um desses militares alemães escreveu um diário onde relata que, quando ainda jovem, o Príncipe D. Pedro costumava urinar do alto da varanda do Palácio de São Cristóvão nos soldados que passavam embaixo. Nas cartas que enviou à sua amante, Marquesa de Santos, D. Pedro cita por várias vezes seus problemas gástricos. Numa missiva do Imperador datada de 13 de dezembro de 1827, existente no acervo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, ele conta que “...Cheguei à casa, tomei a tisana (remédio) e obrei até agora cinco vezes e muito.” Noutra carta, esta sem data, mas igualmente da coleção do IHGB, ele conta que “...Eu não passei muito bem... ...depois obrei e agora estou perfeitamente bom...” Nem todas as cartas de D. Pedro eram assim. Numa delas, datável de julho de 1826, ele até escreveu no envelope um poema à sua amada:


 “Este lindo passarinho canta,”
“brinca, pica e fura,”
“mas quando torna a repicar,”
“é mais doce a pica dura.”


A Marquesa era até informada dos problemas coprológicos das filhas do Imperador. Na carta datada de 23 de setembro de 1827, da coleção Caio de Mello Franco, D. Pedro relatava que a filha de ambos, Duquesa de Goiás, “...tomou um purgante de óleo de mamona, com que obrou três vezes e deitou uma lombriga.”


Afinal, no meio dessa literatura “tão romântica”, D. Pedro pediu perdão à sua Marquesa pelos assuntos tão particulares assim relatados, justificando-se, na carta de 13 de dezembro de 1827, de que nele “A fruta é fina, posto que a casca seja grossa”.


Portanto, se a subprefeitura for contar com a educação de nossos antepassados, - estamos roubados!


*Milton de Mendonça Teixeira é historiador.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Central Park com praia



Sérgio Magalhães
O economista Mauro Osório lançou a imagem: havendo a despoluição da baía de Guanabara, o Aterro do Flamengo para além de ser um parque urbano adquirirá uma outra característica, terá praia. Diz: "será um Central Park com praia"...
É claro que o Aterro já tem praia, a do Flamengo. Mas, como é poluída, não conta na imagem de Osório. De fato, a despoluição da baía reintroduzirá um vetor de desenvolvimento que a cidade perdera, a orla marítima da Guanabara.
“Central Park com praia” é curiosa imagem.
O parque novaiorquino é referência mundial no gênero. Há alguns anos, o jornal Folha de São Paulo divulgou um comentário de um viajante paulista a propósito do Central Park: “É um Ibirapuera um pouco maior”... Estava certo o viajante, nossas referências começam na escala local.
No caso, a figura adotada por Mauro Osório tem outro viés: ressaltar o caráter de colonização cultural que ainda é tão forte entre nós. Quem sabe a relação com o Central Park ajuda a colocar na pauta a despoluição da baía?
O Parque do Flamengo, obra prima de Burle Marx, tem cerca de 6 km de orla (se incluir a praia do Botafogo), é uma referência mundial do paisagismo moderno, e acolhe dois ícones da arquitetura: o Museu de Arte Moderna (arq. Afonso Eduardo Reidy) e o Munumento aos Mortos da II Guerra (arquitetos Marcos Konder e Helio Marinho). Mas, convenhamos, com praia despoluída, o Parque do Flamengo seria imbatível. Nem a neve do Central Park seria concorrente...

terça-feira, 1 de março de 2011

Modelo não inclui morador como protagonista

Artigo publicado originalmente na Folha de São Paulo em 17/02/2011
Sérgio Magalhães
Em um país onde, dizemos, tudo é tão volátil, surpreende constatar que as políticas de moradia popular mantém um mesmo modelo desde a década de quarenta. Mas o modelo é bom?
Na República Velha (1889-1930), a habitação não fazia parte das preocupações do governo. O problema da moradia popular existia, é claro, mas pensava-se que seria equacionado pela iniciativa privada. É no Estado Novo (1937-45) que o governo chamou a si a responsabilidade de prover as moradias necessárias ao proletariado urbano.
Os programas se sucederam: Casa Popular, Institutos de Aposentadoria, BNH, Caixa, Minha Casa, Minha Vida. Em todos eles, os governos assumiram o protagonismo na produção da moradia: decidiam onde, como, o que, em que condições construir. Os empresários atuam como empreiteiros, isto é, constroem mas não empreendem.
Tampouco as famílias participam do processo, senão ao cabo, para morar. Onde? Como? Em que condições? Do modo como os governos decidiram com seus construtores.
Esse modelo tem sido ineficiente. Reteve o monopólio do escasso financiamento da moradia popular e se constituiu em rotundo fracasso: construiu menos de 20% das moradias produzidas no país. Isto é, dos 60 milhões de domicílios produzidos no período, se tanto 10 milhões tiveram algum financiamento, somando-se todos aqueles oferecidos pelos governos, nos três níveis, pelo BNH, pela Caixa e por todos os bancos.
Foi o povo brasileiro que construiu as cidades, do jeito que pôde. Mas, precisando de casa, é tratado como inepto.
Por que as políticas de moradia não contemplam a família como núcleo das decisões? Por que não oferecem o crédito para que possa optar sobre como e onde morar? Por que os empresários não são chamados a empreender moradias, que interessarão portadores do crédito universalizado (com subsídio, se necessário)? Por que o poder público não prioriza a universalização do direito à cidade e à moradia?
Se houver outros modelos, nossas cidades serão melhores. Evitaremos conjuntos residenciais gigantescos, mal localizados, mal construídos, impostos às famílias como única alternativa à favelização.
Precisamos da diversidade espacial, tipológica, construtiva. Nossas cidades não podem continuar expandindo sem infraestrutura e sem serviço. Mas podem, com melhor resultado, aproveitar os vazios urbanos, as áreas da desindustrialização, recuperar áreas degradadas, conectar-se às linhas de transporte –adensar-se, enfim.
Oxalá o novo Minha Casa, Minha Vida, quando vier, seja em bases menos impositivas. O modelo já deu, sem dar o que tinha prometido.

O debate sobre a cidade

Arquivo publicado originalmente no jornal O Globo de 12/02/2011
Sérgio Magalhães
A escassez de debates sobre as cidades não há de ser por desinteresse dos cidadãos. Afinal, é nas cidades em que vivemos. Mais provavelmente será pela complexidade inerente ao fenômeno urbano e dificuldade de apreensão espacial da cidade.
Não obstante, precisamos debatê-la. O que se conhece é possível defender.
Na década de setenta, o Rio viveu um embate fundamental contra a construção de espigões que descaracterizariam a cidade, sobretudo a região mais assediada, a Zona Sul.
Foi momento de exaltação do Rio, em sintonia com o debate doutrinário que se iniciava internacionalmente, de crítica ao urbanismo modernista. Cidades importantes se ajustavam ao modelo de urbanismo contemporâneo de reconhecimento das preexistências e de inserção respeitosa dos novos equipamentos urbanos.
Mas a cidade é diversa. O edifício alto, recusado na Zona Sul, se impôs no vazio da Barra da Tijuca, em acordo com o plano modernista. Sua imagem, então associada ao progresso, ajudou a consolidar o novo bairro, recebendo majoritariamente prósperos moradores da Zona Norte suburbana, já decadente, que se mudam por conta da degradação ambiental.
Ao longo dos oitenta, incentivado pelo movimento de moradores, efervesceu o debate com a criação das áreas de proteção ambiental e cultural, em defesa da imagem urbana referenciada amorosamente.
A participação de moradores ainda foi efetiva na formulação do Plano Diretor de 1992, embora com associações debilitadas pela partidarização. Esse PD caracterizou-se pela definição de instrumentos úteis à gestão, mas inovou negativamente ao tratar a cidade genericamente, deixando de observar suas espacialidades identitárias.
Lembremos que em 1930 o urbanista francês Alfred Agache elaborou o primeiro Plano Diretor para o Rio. Com visão ampla da cidade, propôs baseado no desenho do espaço urbano (a avenida Presidente Vargas é fruto do Plano).
Na década de noventa, o projeto Rio-Cidade, intervindo para qualificar os principais eixos urbanos, levou ânimo participativo aos bairros; o Favela-Bairro contou com associações de favelas ainda fortes, participando e acompanhando; o Plano Estratégico reuniu lideranças sociais, empresariais e políticas em ativa reflexão sobre a cidade.
Se, a seguir, o debate público impediu a construção do Museu Guggenheim na praça Mauá, a falta dele justamente permitiu a Cidade da Música, na Barra.
É inegável que o quadro político institucional não favorece o compartilhamento decisório na construção da cidade. O sistema eleitoral não vincula o legislador e o lugar. Antes, aceita um compromisso difuso com a cidade, como se vê no Plano Diretor generalista que acaba de ser aprovado. Tendo mais de trezentos artigos, apenas três deles (33, 117, 163) citam ambientes do Rio. Os demais artigos poderiam se aplicar a muitas cidades. Temas relevantes ficaram fora da lei. Por exemplo, como recuperar a vitalidade e a qualidade ambiental dos subúrbios –e dar-lhes condições de reter suas famílias prósperas, evitando o esvaziamento. Que imagens podem compor tal reflexão coletiva?
Nosso novo PD é inespacial e inespecífico, infelizmente.
Contudo, todos sabemos que na cidade complexa, para além da representação política formal, é necessária uma base coletiva que envolva a sociedade na promoção do espaço, agentes públicos, privados e academia. Na cidade contemporânea, onde é indispensável certo ativismo estatal, é essa base que reduz a discricionariedade nas principais decisões –e compõe metas de futuro.
No processo político de construção da cidade, sob diretrizes acordadas democraticamente, um modo efetivo de compartilhamento é por meio do debate de idéias específicas, referenciadas aos lugares, capazes de gerar imagens. Idéias de desenvolvimento, de expansão ou de contração, de mobilidade, de preservação –mas imagens. Lembremos que imagens do urbano são produtos da cultura, tem matriz coletiva, mesmo quando compostas autoralmente.
Veja-se a mobilização para reforçar o Centro do Rio, uma aspiração carioca. O projeto Porto Maravilha é importante nessa estratégia. Ele cria imagens que levam à reflexão. Agora mesmo, o Porto Olímpico, objeto de concurso público nacional de arquitetura para a Vila da Mídia e equipamentos necessários aos Jogos de 2016, promovido pela Prefeitura da cidade e organizado pelo IAB-RJ, é elemento decisivo nesse direcionamento. O seu resultado arquitetônico ajudará a enriquecer a percepção urbana, para além de exercer influência qualificadora para a cidade.
Por complexas que sejam, as cidades precisam do debate democrático. É com ele que poderemos construí-las compartilhadamente –tal como as vivemos.