segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Além da obra-prima

Sérgio Magalhães
*Artigo publicado originalmente no jornal O Globo de 17/12/11
Acabada a Segunda Guerra, a Europa começando sua reconstrução, surge no cenário da cultura arquitetônica mundial uma nova expressão moderna, com obras produzidas por jovens arquitetos de um país distante, o Brasil. Entre elas, o edifício do Ministério de Educação e Saúde, hoje Palácio Capanema, no Centro do Rio, projetado em 1936. A equipe de Lucio Costa e dos recém-formados Jorge Moreira, Afonso Reidy, Ernani Vasconcelos, Carlos Leão e Oscar Niemeyer teve orientação inicial do mestre de todos, o franco-suíço Le Corbusier. O edifício, pelas inovações e qualidade geral, tornou-se um ícone da arquitetura mundial. É uma obra-prima.

Niemeyer se destacaria, também, na década de 1940, com os projetos para o bairro da Pampulha, em Belo Horizonte, encomendados por Juscelino Kubitschek, jovem prefeito, iniciando-se a parceria que a ambos consagraria. São pequenas obras-primas as que compõem o acervo da Pampulha.
A seguir, no Rio, projetos como o conjunto do Pedregulho, de autoria de Reidy, e os edifícios do Parque Guinle, de Lucio Costa, preparariam o caminho para a internacionalização da arquitetura brasileira em Brasília, em especial nos palácios desenhados por Niemeyer.
Aldo Rossi, o grande pensador e arquiteto italiano, para simplificar, distinguia as obras excepcionais e as obras comuns. As primeiras, com responsabilidade de permanência; as outras, compondo um quadro difuso,porém importante para a memória individual, embora sem igual transcendência e significado.
Mas o advento das novas tecnologias, concreto, aço, elevador, mudou a escala das edificações e a relação destas com o espaço público. E o que era difuso passa a conformar a cidade.
No caso brasileiro, a avalanche do processo de urbanização transformou o cenário. Da reflexão passou a exigir a emergência, da qualidade também a quantidade. A complexidade da vida de hoje, a variedade de exigências programáticas e funcionais,tanto dos edifícios quanto do urbano, tornou o ofício do projeto e da construção amplo e múltiplo.
Certamente, há encantamento na atuação de arquitetos em busca da obra-prima. Ela tem responsabilidade estética essencial à vida urbana. Não obstante, a profissão de arquiteto disseminou-se pelo tecido social em outras buscas, e, das poucas dezenas na primeira metade do século XX, chega-se, hoje, a mais de cem mil arquitetos em todo o país.
Arquitetos atuam em obras excepcionais e também em obras comuns; em interiores de residências e de empresas; monumentos, cidades e trechos de cidades; na paisagem e no território;no projeto, na construção, no planejamento, no serviço público, em escritórios,em empresas, autonomamente; enfim, a profissão do arquiteto é um universo com o objetivo da produção do espaço com qualidade.
É esse o entendimento da sociedade quando ouve os arquitetos a propósito do que se faz na cidade, sobre os espaços e edifícios, na promoção da beleza e da cultura. A sociedade confere ao arquiteto esse papel e espera que o cumpra em benefício do conjunto social.
Mas, apesar desse escopo complexo e rico, no Brasil, desde 1933, a arquitetura se encontra regulada junto com outras atividades correlacionadas, mas distintas, localizadas no campo da engenharia — e teve seus parâmetros profissionais até certo ponto subestimados. Não é o que ocorre em países como a França, a Espanha, os Estados Unidos, onde o arquiteto é responsável tanto pelo projeto como pela direção da construção,dos edifícios e do urbano.
Agora, a 15 de dezembro, conforme lei sancionada há um ano pelo presidente Lula, começou a implantação do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), autarquia encarregada de regulara profissão em defesa da sociedade.Deseja-se que o faça em limites mínimos da burocracia e sem corporativismo.Para os arquitetos, será a alforria profissional. Para a sociedade, esperamos que seja um quadro de melhores perspectivas na construção e preservação de nossas cidades e dos ambientes onde vivemos.
É significativo que a data tenha coincidido com o 104o- aniversário denosso mais profícuo arquiteto, Oscar Niemeyer — mestre em pleno exercício profissional a sinalizar para a força rejuvenescedora da criatividade e da inserção política.
Aqueles jovens arquitetos dos anos 1930, tão poucos, que ajudaram a construir o país com obras-primas e o sonho de um Brasil com espaços de qualidade ao desfrute de toda a população, têm prosseguimento, agora, multiplicados à centena de milhares.
Não será pequena a tarefa dos arquitetos brasileiros nas próximas gerações. Mas nada que seja muito diferente do sonho de seus antecessores e do que deles espera a sociedade.

Santos x Barcelona -a majestade do futebol-

Sérgio Magalhães

Disseram os comentaristas que quase foi um massacre o que o Barça fez com o Santos, na final do campeonato mundial, no Japão. Parece que 4 a 0 até que foi pouco.
A organização tática foi criticada, a diferença técnica também. Comentaram que o Barcelona adotou uma “filosofia” e persistiu até alcançar bons resultados.
Provavelmente, tudo isso será fundamentado.
Tenho, para mim (e agora para os que vierem a este blog), que há uma condição primeira ainda pouco avaliada entre os times brasileiros: o protagonismo do jogador.

Aqui, quando é feito um passe, o jogador em geral espera que a bola chegue até ele. Ele não vai em direção à bola, para recepciona-la, para saudá-la. Fica onde está, senhor de si.
É o momento em que mais ocorrem os desarmes, como ficou evidente hoje. O adversário se adianta e surpreende o receptor acomodado. Basta conferir em qualquer jogo do campeonato brasileiro: parece que a corda é dada no jogador apenas depois que a bola chega nele.
Mas não é apenas isso.
É que, por detrás da inação, se encontra uma atitude arrogante autocentrada: “sou eu o espetáculo, não é essa redonda. Ela que venha a mim”.
Ora, a bola é a majestade do futebol. Pelé somente foi o Rei do Futebol porque casou com ela –e sempre a homenageou.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Desafios na Rocinha

Lucas Franco
A recente ocupação da favela da Rocinha pela polícia, para a instalação de mais uma UPP, jogou luz na oportunidade de investimento do Estado, em especial, a de enfrentar os desafios urbanísticos da área visando a melhoria de vida da população.

Nesse contexto, uma discussão me chamou a atenção: o governo anunciou diversas propostas, algumas de eficácia questionável, como a construção de um teleférico, contrariando especialistas, particularmente o arquiteto Luiz Carlos Toledo, autor do Plano Diretor da Rocinha, do seu Complexo Esportivo, e historicamente comprometido com a causa.


A seguir, selecionamos uma serie de artigos, entrevistas e depoimentos, publicados em jornais de circulação nacional. Vale a pena a reflexão.


15/11/2011 - Sérgio Magalhães para a Folha de São Paulo: "Pacificada, favela da Rocinha é desafio urbanístico"
19/11/2011 - Sérgio Magalhães para o Estadão.com.br: "Urbanismo, essa ourivesaria"
21/11/2011 - Editorial da Folha de São Paulo: "Urbanismo Pacificador"
               - Luiz Carlos Toledo para a FSP: "O teleférico e a tal vontade política"

23/11/2011 - Entrevista de Toledo para o jornal o Estado de São Paulo: "A comunidade não precisa de teleférico"



sábado, 26 de novembro de 2011

Nem mais, nem menos

Sérgio Magalhães
*Artigo publicado originalmente no jornal O Globo de 19/11/2011
O Rio de Janeiro comemora a retomada do território da Rocinha pelas forças do Estado brasileiro. É a 19ª parcela da cidade trazida para o domínio constitucional.
Quais serão os próximos desafios?
Ao longo de todo o processo de urbanização brasileira, o país legal convive mal com a habitação popular.
No início da República, a população carioca crescia exponencialmente e havia escassez de moradia; o ambiente sanitário era precário. Mas o governo optou por erradicar os cortiços.Não foi a falta de casas, ou de esgotos, que foi identificada como “o problema”. A principal obra do primeiro prefeito republicano do Distrito Federal foi a demolição do famoso cortiço Cabeça de Porco, onde viviam duas mil pessoas.Com materiais da demolição, alguns dos desalojados iniciaram uma primeira favela,junto à Providência.
Por toda República Velha (1889-1930) prevaleceu a ideia de que a habitação era uma questão privada — e a construção para aluguel seria um bom caminho.
No paralelo, com o sucesso da erradicação dos cortiços, as favelas tiveram ímpeto.
Quando o urbanista francês Alfred Agache fez o primeiro Plano Diretor para o Rio de Janeiro, em 1930, informou que as favelas abrigavam cerca de 20% da população. Seriam um fenômeno transitório, que o desenvolvimento econômico erradicaria.
Apenas durante o governo do prefeito Pedro Ernesto (1935-36) as favelas foram tratadas diferentemente,inaugurando-se a primeira escola pública em favela, na Mangueira. Preso o prefeito, acusado de subversivo, lei de1937 proíbe que as favelas constem do mapa da cidade: da transitoriedade, passam à clandestinidade.
O Estado Novo (1937-45) sai da omissão republicana e considera a habitação uma questão social, outorgando-se a responsabilidade pela moradia popular. Já não há cortiços; favelas“inexistem”; com as Leis do Inquilinato,o caminho do aluguel é esvaziado. Resta construir a habitação saudável, e o modelo do conjunto residencial é o escolhido. Não é o crédito para as famílias comprarem ou construírem;tampouco é o financiamento para a produção; agora, a política é ser o Estado o promotor da moradia.
Mas tal atribuição, ainda hegemônica,fracassou. Foram construídos80% dos domicílios brasileiros à margem dessa política, com recursos exclusivos das famílias, em loteamentos,favelas e bairros inteiros. Evidentemente precários,com carência de infraestrutura,de mobilidade e de serviços públicos. Foi o jeito de as famílias pobres terem moradia na cidade brasileira.
No Rio, as favelas abrigam quase 20% da população, tal como em Agache — mas agora são um milhão de cariocas. Foi com o Plano Diretor, de 1992, e o Programa Favela-Bairro que deixaram a clandestinidade e voltaram ao mapa da cidade.
Já então grande parte delas estava subjugada por um “estado paralelo”,imposto por bandidos armados, traficantes ou milicianos, detentores do território e do domínio de muitas atividades produtivas.
Em 2008, como ponto de inflexão política nesse longo processo, prioriza-se a retomada de territórios brasileiros subjugados. O governo do Estado formula o programa das UPPs e busca o apoio do governo federal.É uma iniciativa que considera a segurança na sua fundamenta-ção constitucional: as favelas fazem parte da nação brasileira.
A Rocinha tem um enorme significado,por sua inserção geopolítica, por seu tamanho e população. Como nas demais favelas, há um passivo funcional a superar com obras de urbanização,contenção de encostas, entre tantas. Há aspectos conceituais também importantes, no reconhecimento de valores espaciais, econômicos e culturais preexistentes, produtores de uma forma urbana diferenciada, a serem tratados de modo a preservar sua vitalidade.
Finalmente, há uma categoria essencial, diria “civilizatória”.
A plena vigência da Constituição nesses territórios não é tarefa singela— sabemos. Nesse processo político a democracia brasileira alcança um novo patamar, explicitando que todos conformamos um mesmo país, sob mesmas leis, sob mesmos ideais. Esperamos que se feche o ciclo, de mais de um século, em que a convivência entre a República e a moradia popular foi, em geral, conflitante.
Mas manter o Estado prestando todos os serviços públicos será o maior dos desafios — a maior emais importante obra.
A Rocinha e demais áreas libertadas precisam ser tratadas com maturidade política, institucional e urbanística;benesses, pirotecnias e exigências inalcançáveis não consolidarão o processo. Tivemos ao longo do tempo regras rígidas e ação complacente. Iludimo-nos, idealística e ideologicamente. Tal como a cidade do asfalto, precisam de ordenamento que esteja em acordo comas possibilidades, para ser cumprido. Como os bairros vizinhos, que os serviços públicos sejam efetivos— e permanentes. Nem mais, nem menos.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Vale conferir!

André Luiz Pinto
O crítico de arquitetura do The New Yorker, Paul Goldberger, acaba de lançar em português o livro "A relevância da arquitetura" que havia sido publicado em 2009 pela Yale University Press sob o título em inglês "Why architecture matters".

Em tempos em que falamos de pirotecnia arquitetônica, PG afirma que "somos capazes de construir prédios extraordinários, mas não sabemos organizar cidades e seus edifícios mais comuns", e que "em boa parte do século XX pensamos nos prédios que ficam em primeiro plano e esquecemos o pano de fundo. Temos arranha-céus e museus de arte, mas as ruas são mais importantes que os prédios".

Pois é... Vale conferir!

domingo, 20 de novembro de 2011

Urbanismo essa ourivesaria


O Estadão de hoje, de 20 de Novembro, publica entrevista de Christian Carvalho Cruz com o arquiteto e urbanista Sérgio Magalhães.
Os temas perpassam transversalmente o atual momento do Rio e as formas de atuação das disciplinas da arquitetura e do urbanismo frente aos desafios da cidade.
Entre outros, destacam-se temas como: a impantação das UPPs, a possibilidade de integração efetiva das comunidades com o "asfalto", as consequências da expansão constante da cidade, e a postura atual dos arquitetos face à cidade em que vivemos.

Vale conferir no link abaixo!

URBANISMO ESSA OURIVESARIA

sábado, 19 de novembro de 2011

Desenhando as cidades

Sérgio Magalhães
*Artigo publicado originalmente na revista Ciência Hoje - Vol.48 - nº287.

“A regra era irem buscar os lavradores novas terras em lugares de mato dentro, e assim raramente decorriam duas gerações sem que uma mesma fazenda mudasse de sítio, ou de dono.” Em Raízes do Brasil, Sérgio Buarque descreveu o processo de sucessivas conquistas e sucessivos abandonos de território de exploração agrícola vigente nos tempos coloniais. Vencida a mata, implantada a fazenda, o passo seguinte seria novo desmatamento para nova plantação. Não se tratava a terra, não se adubava o plantio. Dizia-se que, “no Brasil, a terra só tem sustância na superfície.
”Esse processo de conquista, exploração e abandono por certo não é exclusivo dos tempos coloniais. Ele se reproduz em inúmeras situações modernas, em especial no caso das cidades brasileiras.
Nosso avassalador aumento demográfico, nas últimas décadas, foi crescentemente urbano, resultando em uma população citadina que adentrou o século 21 superando em mais de 40 vezes a que iniciou o século anterior. Assim, a busca por mais terra urbana fazia todo o sentido: mais gente, mais moradia, mais equipamentos, mais território.
Em simultâneo, nossos melhores pensadores urbanistas estiveram solidários à doutrina do ‘movimento moderno’, para a qual a cidade existente precisaria ser superada por uma nova cidade. O abandono de bairros e centros urbanos, hoje comum nas cidades brasileiras, está situado nesse contexto – bem como não está dissociado daquele processo especulativo enraizado desde a colônia.
Tal coalizão de ideias e de necessidades funcionou em uníssono até bem recentemente – quando a revisão urbanística e os movimentos de preservação do patrimônio cultural tornaram-se significativos. O tombamento de edificações notáveis, primeiro, e a proteção de trechos urbanos, depois, passaram a representar uma contenção no afã destruidor da cidade.
A revisão do pensamento urbanístico não é apenas preservacionista: defende a vitalidade urbana em acordo com o reconhecimento das preexistências ambientais e culturais. A nova cidade é um ponto vital intermédio entre a cidade herdada e a cidade futura. Nessa nova compreensão, os espaços urbanos da identidade coletiva, construídos historicamente, alcançam o desafio de precisarem ser preservados e simultaneamente corresponderem às expectativas de cada novo tempo. Cada geração impregna nos espaços os seus valores para que possa neles se reconhecer.
Penso que foi um bom caminho percorrido nas últimas décadas.
Contudo, se nesse aspecto o urbanismo trabalha em novas bases, a outra vertente com raízes históricas, a que busca novos territórios de expansão, esta continua impávida. Nossas cidades continuam expandindo-se em franco processo especulativo, construindo para além do território ocupado, criando vazios, e cada vez em mais baixas densidades populacionais. Mas o que foi ‘quase natural’, hoje, para além de predador do ambiente, é social, econômica e politicamente indesejável.
As expansões em novas terras brutas, que se consolidavam urbanisticamente pouco a pouco, não têm mais embasamento quando o crescimento demográfico é pequeno, quase nulo – e, em muitas cidades, até negativo. Elas deixam de ser lugar de acolhida e passam a significar ampliação das desigualdades. O lugar da interação social se esvanece. Economicamente, é contraproducente. A cidade menos extensa demanda menos infraestrutura. Os serviços públicos que precisam ser prestados a todos os cidadãos, como condição democrática, viabilizam-se na cidade mais densa.
A nova cidade já não decorre de novas terras em mato dentro, mas da cidade onde chegamos – a qual exige ser permanentemente mantida e qualificada. Desenhá-la, para os próximos tempos, não será mais possível em folhas brancas de papel. Será muito mais difícil e mais complexo: agora é preciso tratar a terra e adubar o plantio. Esse é o desafio lançado para o conhecimento urbanístico.
O estimulante é que, agora, o urbanista já não desenha sozinho.

Viagem pirotécnica

Lucas Franco
Na última quinta-feira, o médico Alexandre Arraes demonstrou que também sabe muito de urbanismo.
Em artigo para o jornal o Globo, analisa as últimas intervenções do PAC nas favelas cariocas de forma direta e inteligente. Imperdível.


Leia aqui: Alexandre Arraes: "Viagem pirotécnica"

terça-feira, 25 de outubro de 2011

O Redesenho das cidades

Sérgio Magalhães
*Artigo publicado originalmente no jornal O Globo de 22/10/2011
Dados do IBGE, recentemente divulgados pelo GLOBO, dizem que 40% dos municípios brasileiros não têm rede coletora de esgotos, que 70% dos esgotos da Baixada Fluminense deságuam sem tratamento na Baía de Guanabara,entre outras informações de teor semelhante. Reclama-se da falta de investimentos.Mesmo abundantes, não serão suficientes — sem um novo desenho da cidade.
Cada época relevante impregna a formadas cidades. Com um olhar atento, é possível identificá-las, em trechos urbano sou em construções significativas.
O Rio de Janeiro é uma cidade com multiplicidade formal. É o binômio paisagem + urbano que caracteriza a cidade. Não obstante, em trechos específicos,os diversos tempos podem ser percebidos:a cidade republicana,definida por Pereira Passos; a cidade da bem aventurança,resultante da descoberta do mar como lugar de prazer, na Zona Sul; a cidade industrial, dos subúrbios da Zona Norte; a cidade da expansão pelo automóvel,na Barra. São algumas expressões do Rio.
Em todos os casos, porém, as cidades se fazem correspondendo a desejos.Obedecem a razões que assumem relevo em cada época.
E, por embaralhados que possam estar na compreensão coletiva, esses desejos se transformam em desígnios, sintetizados por desenhos, por projetos.
Os desenhos constituem-se em síntese de uma complexidade ampla, fundada nos sentimentos difusos do coletivo e nas objetividades ditadas pela prática— econômica, tecnológica, política, social, cultural. Os desenhos, portanto,tem “prazo de validade”. São produzidos segundo paradigmas, e continuam produzindo efeitos ao longo do tempo em que desejos e fundamentações permaneçam valiosos.
Estamos vivendo um tempo de inflexão no processo de urbanização brasileiro. Chegamos a 200 milhões de brasileiros, quase todos urbanos,quando ao início do século XX eram apenas 4 milhões de citadinos. Isto é, em cem anos, multiplicou-se mais de 40 vezes a população de nossas cidades.Porém, daqui para a frente será diferente. A população tende à estabilidade.As taxas de crescimento demográfico são muito baixas em várias metrópoles,inclusive no Rio de Janeiro. Isto produz um quadro radicalmente novo — que pode ser promissor.
Em oposição, nossas cidades seguem investindo prioritariamente em estruturas urbanísticas baseadas no modo rodoviário, matriz da expansão em baixa densidade, predadora de território. Nesse modelo, investir em saneamento é trabalho sem fim.
O automóvel é obviamente um elemento de conforto, e como tal é muito desejável. Porém está demonstrado que não deve ser protagonista nas decisões urbanísticas, sobretudo quando a mobilidade com qualidade é um direito em afirmação.
Contudo, nossos planos urbanísticos— todos eles — foram concebidos na perspectiva do crescimento demográfico, da expansão territorial e no modo rodoviário. Seus prazos de validade estão vencidos.
Ademais, há novos desejos.
As preexistências e o patrimônio são valorizados. Edificações ou regiões que perderam funcionalidade esperam ser readequadas, em vez de abandonadas.E isso está em sintonia com o melhor aproveitamento do território urbano.
A consciência ambiental se fortalece.A exigência democrática impõe que a cidade seja acessível a todo cidadão, que as infraestruturas, inclusive a de saneamento,os bens e os serviços públicos alcancem todo o tecido urbano.
Porém, a universalização dos serviços públicos, inclusive o de segurança,somente se materializa com um Estado presente, que não discrimine partes da cidade. Nossas cidades precisam incorporar essa dimensão de cidadania, com a Constituição vigorando em todo o território. Isto não se faz apenas com a intenção, mas comas condições efetivas, inclusive financeiras,para as quais o desenho da cidade não é indiferente. É necessário termos clareza dessa interrelação entre possibilidades e forma urbana.
Não é razoável que clamemos por cidades bem servidas, saneadas, limpas,seguras e simultaneamente continuemos a expandi-las predatoriamente. Na expansão em baixa densidade está a perenização da escassez de Estado — mesmo que a impostos crescentes.
A cidade extensa, ávida por território,deve dar lugar à cidade densa, ávida por qualidade ambiental e por bons serviços públicos. É necessário que nossas cidades se redesenhem à luz da nova realidade demográfica e dos desejos do século.
No Brasil, temos 18 metrópoles, duas megacidades, onde o urbano não se esgota nas fronteiras municipais,pois são cidades contínuas. É outra realidade, a demandar novas respostas. Também elas precisam do desenho que sintetize a complexidade e os valores do tempo.

domingo, 23 de outubro de 2011

Fenômeno do século

Sérgio Magalhães
*Artigo publicado originalmente na revista Ciência Hoje - Nº 286.
No embate do cotidiano costumamos ser impacientes com as condições da vida urbana. Muitas vezes, somos céticos quanto às possibilidades de solução para os problemas da cidade. Pudera: vivemos entre engarrafamentos, poluição, violência, áreas públicas degradadas... Enfim, um panorama incômodo e até ameaçador.
No entanto, estamos diante de um fenômeno recente. A cidade que nos perturba adquiriu seus atuais contornos já no século 20 – no caso brasileiro, a partir dos anos 1950. Por sua complexidade e abrangência, pode ser entendida como um fenômeno distinto.
As diferenças entre a cidade de hoje e a cidade herdada não chegam a ser percebidas em toda sua potência porque as matrizes espaciais são comuns. O tecido urbano, constituído por parcelamentos, edifícios e ruas, preserva-se como a estrutura essencial de ambas, apesar da grande influência dos pensadores modernos, que propunham modelos urbanísticos descolados da herança recebida.
É bom o exemplo de Nova York, cujo traçado de Manhattan, de 1811, ainda é basicamente o mesmo. E, no entanto, é lá que se expressa hegemonicamente um dos elementos mais significativos da cidade moderna, o arranha-céu.
Em poucas décadas, a cidade herdada precisou se adaptar às poderosas inovações tecnológicas do nosso tempo. Ao inicio da República, as cidades brasileiras não dispunham de redes sanitárias, águas pluviais disseminadas ou eletricidade – esta chegou já com o novo século. O sistema viário precisou se ajustar à mudança no transporte, que, antes movido a tração animal, incorporou bondes, trens, automóveis e metrô. As edificações alcançaram a altura permitida pelos elevadores – e que as tecnologias construtivas do concreto e do aço trataram de acompanhar.
Também é no século 20 que a moradia urbana experimenta enorme transformação conceitual: já não se admite o compartilhamento do domicílio entre famílias. Cada casal que se forma precisa de um lar: “Quem casa, quer casa.” Multiplicam-se as novas construções, do modo que for possível.
A cidade acolhe populações cada vez maiores. No caso brasileiro, que iniciou o século passado com escassos 4 milhões de citadinos, chega ao final dele com 160 milhões de brasileiros urbanos. É uma evidência da formidável capacidade de adaptação das cidades.
Por mais compreensivos que possamos ser, se vivemos entre engarrafamentos, poluição, áreas públicas degradadas, decorrentes da adaptação que as cidades precisaram fazer, não precisamos nos submeter a tal realidade. É justo que sejamos críticos, até cáusticos, frente aos problemas urbanos que enfrentamos. E que queiramos uma outra cidade.
Mas é desejável que o primeiro passo seja reconhecer o gigantesco esforço que a cidade fez. A partir daquelas poucas e relativamente pequenas cidades de cem anos atrás, o Brasil desenvolveu um sistema urbano complexo e diverso para 85% de sua população. Temos duas megalópoles mundiais, São Paulo e Rio, com populações maiores que países como Holanda ou Portugal. Mas como as fizemos? Sem políticas públicas consistentes: nem de habitação, nem de transporte, nem sanitária ou fundiária. Fez-se a cidade brasileira com enormes virtudes, é verdade, mas com gigantescas deseconomias e injustiças.
Como segundo passo, nos cabe ajudar a construir um bom debate sobre a cidade que queremos. Não convém que a cidade do século 21 seja conduzida do mesmo modo que sua antecessora. Nossa ação política terá que buscar incluir o tema urbano na agenda pública brasileira. A cidade será mais inclusiva? Oferecerá os serviços públicos a todos? Será mais bonita?
Mas, diferentemente do que queriam os modernos, para quem tudo devia ser novo, temos que partir de onde chegamos. É da cidade que temos que será desenhada nas próximas décadas a cidade que queremos. Oxalá ela possa ser tão receptiva quanto sua antecessora, mas mais amistosa e democrática. Já não basta ser o fenômeno do século.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O Maraca é nosso?

André Urani*
**Artigo publicado originalmente no jornal O Dia de 17/10/2011
O Maracanã é um dos símbolos mais queridos da nossa cidade. Quase todos temos lembranças importantes daquele que já foi o maior do mundo. No meu caso, foi lá que virei Flamengo, me deliciando com o do time de Zico, Júnior, Adílio e tantos outros. Que vibrei, com outros mais de 100.000 flamenguistas, com a conquista histórica do Brasileiro de 1981. Que assisti jogos da seleção da geral. Que me esbaldei no show do Rolling Stones.

Mas o Maraca foi ficando velho, e praticamente ninguém chiou quando se decidiu reformá-lo, no final dos anos 90 e, mais uma vez, em meados da década passada, para prepará-lo para o Pan. O resultado até que foi bom: sem grandes luxos, mas assentos para todos (ainda que muita gente insistisse em ficar de pé até em cima das cadeiras...), banheiros mais decentes e outros pequenos detalhes ajudaram a trazer de volta para o estádio não só o público em geral, mas as famílias. Se chiadeira houve – e não foi tanta assim – foi em relação ao custo destas reformas (mais de meio bilhão de Reais em valores atualizados, mais do que se gastou para construir o estádio mais caro da Copa na Alemanha) e à falta de transparência do processo como um todo.

E agora estamos passando por mais uma reforma, para a Copa de 2016. Quem passa por ali fica até com medo de olhar direito: praticamente não sobrou pedra sobre pedra e poucos têm idéia do que vai surgir ali. O valor da obra começou em 705 milhões de Reais, chegou a ser estipulado em 1,1 bilhão e hoje se fala em algo em torno de 800 milhões.

Foi por este conjunto de razões que o movimento Meu Rio, de que falei aqui na semana passada, resolveu começar suas atividades procurando mobilizar a opinião pública carioca em torno deste tema. Em seu site (www.meurio.org.br), o cidadão comum é convidado a se manifestar de diferentes formas: esta reforma é válida? Vamos gostar deste novo Maracanã? Será que queremos gastar este dinheirama na reforma de um estádio (não seria preferível, por exemplo, destinar mais recursos à pacificação?). O principal objetivo de curto prazo, porém, é que o Meu Rio está colhendo assinaturas para uma petição para exigir do Governo do Estado e da Prefeitura a publicação de uma série de documentos públicos que já deveriam, há tempos, estarem à disposição de todos. Não para encurralar quem quer que seja, mas para termos mais chances de podermos sentir, no futuro, que o Maraca é mesmo nosso.

*Economista, presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS).

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Desenho dialético

Eduardo Cotrim
A dualidade ambiência urbana e urbanidade apresentada por Janot em “A cara do Rio” é convincente e feliz. Continuei imaginariamente seu artigo, refletindo que em função do modelo da urbanidade instalada, a ambiência urbana estará em algum lugar entre os ideais da heterogeneidade e os contrastes perturbadores.
Penso que em se tratando de cidades, o heterogêneo, a coisa pluralizada, não parece ter como melhor antônimo o homogêneo, a coisa padronizada. O ideal da pluralidade urbanística, a que surge da multiplicidade de conexões, concepções e raízes, se rivaliza bem mais com o desequilíbrio.
O Rio, refiro-me àquele que pertence menos aos prefeitos e mais a todos nós, foi uma cidade erguida menos por pluralidade e mais por contrastes, que se exprimem ora na ambiência urbana, ora na urbanidade. Se há contrastes, é porque além das coisas ruins que sabemos, há as coisas ótimas, embora a predominância de uma delas pareça também variar um pouco segundo a situação geográfica do observador e seu estado de espírito. Mas isso são conjecturas.
Somos infinitamente superados em miséria, desamparo infantil, analfabetismo, fome e atraso, histórica e religiosamente, por todas as cidades do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, onde pouquíssimo se ganha e nada se transforma, desde sempre. Aqui, há ainda a vantagem de não termos os coronéis de lá.
Mas esse tipo de comparação não surte mais efeito como antes. Os parâmetros - não os modelos - de urbanidade e ambiência urbana a serem observados, migraram para as cidades em outros continentes, que em pouco tempo se transformaram. Quanto mais o Rio se expande no globo, mais essa visada parece natural.
A ambiência urbana do Rio, no viés de sua capacidade humana, da arquitetura, da sua anatomia construída, topográfica, entre as outras cidades do seu grupo, é a de melhor potencial para a promoção de uma urbanidade descontraída, inteligente, contributiva. Com certa ginga, claro, mas sem os contrastes perturbadores.
A urbanidade que aos poucos se amplia - os exemplos embora pontuais são muitos - revitaliza a ambiência urbana, como essa tem promovido e acentuado a urbanidade. Maiores as tarefas dos urbanistas, as dos educadores, as dos políticos, e acrescentaria, Janot, as do Zé Carioca, para que retorne à ambiência urbana do Rio nos próximos futuros tempos..se possível com um pouco dos seus velhos ares.

A cara do Rio

Luiz Fernando Janot
*Artigo publicado originalmente no jornal O Globo de 01/10/2011
A história das civilizações mostra que a maioria das intervenções nas cidades visava a atender aos interesses políticos e ideológicos dos seus governantes. Se no passado as condições para a implantação de grandes projetos urbanísticos eram factíveis, o mesmo não se pode dizer dos tempos atuais, em que as cidades adquiriram grandes dimensões e um alto grau de complexidade. Numa cidade como o Rio de Janeiro, os projetos urbanos incorporam parâmetros de diversas naturezas. Dentre eles, tem se sobressaído a parceria público-privada como forma de viabilizar projetos através de operações financeiras. Na verdade, esse procedimento reduz as questões urbanas apenas aos seus aspectos de materialidade, desprezando a subjetividade que transformou a cidade em símbolo da existência humana. Trata-se de uma conduta pragmática baseada na falsa crença de que os valores econômicos, por si sós, podem responder a todas as questões e anseios da sociedade. Esses mecanismos financeiros têm como agravante o fato de que o poder público se vê obrigado a avalizar os financiamentos concedidos, subsidiar os investimentos realizados e cobrir os eventuais prejuízos com recursos da própria sociedade.
Outro fator relevante na configuração dos espaços urbanos diz respeito à maneira como os indivíduos interagem com a cidade e se apropriam dos espaços públicos. Nas últimas décadas, o Rio assistiu à urbanidade se esfacelar diante da violência urbana que se espalhou pelos espaços públicos. Em decorrência desse fato e de outros semelhantes, uma grande parte da população passou a utilizar o shopping center como espaço alternativo para o lazer e o convívio social. Em contrapartida, a expansão desses empreendimentos pela cidade está contribuindo para o esvaziamento dos espaços públicos, especialmente nos subúrbios cariocas. A compreensão desses e de outros fatores que interferem na estruturação dos ambientes urbanos exige o conhecimento e a interpretação dos valores culturais e das maneiras de ser e viver dos grupos sociais que habitam a cidade. Nas cidades onde os contrastes sociais, econômicos e culturais são mais acentuados a tendência é ver nos espaços urbanos os reflexos dessas diferenças. No Rio, o caráter diversificado do ambiente natural, da paisagem urbana e dos valores culturais da sua gente, forma um quebra-cabeça urbano onde riqueza e pobreza, formalidade e informalidade, ordem e desordem, se relacionam de maneira nada comparável. Nesse teorema se incluem as diversas formas de solidariedade e de transgressão praticadas indiscriminadamente por todos os setores da sociedade. Portanto, estabelecer criteriosamente os limites da repressão e da permissividade, desprendendo-se de posições preconceituosas ou ideológicas, é o primeiro passo para melhor compreender a atual dialética urbana praticada na cidade.
Na medida em que os espaços públicos são relegados ao abandono e ocupados de forma predatória por grupos que vivem à margem da sociedade, a cidade tende a assistir à desconstrução do seu modelo de urbanidade. Ambiência urbana e urbanidade são componentes indissociáveis da vida na cidade e, como tal, precisam ser resgatadas antes que percam a sua razão de ser. Em relação ao Rio, não há como aceitar passivamente a ocupação predatória dos espaços públicos por camelôs espalhando tabuleiros e mercadorias pelas calçadas, pichadores agindo impunemente, bicicletas circulando na contramão, carros estacionados em locais proibidos, cães ferozes soltos nas praias e praças, mesas de bares ocupando integralmente os passeios públicos, calçadas e ruas esburacadas, fezes de cachorro e lixo espalhados pelo chão, festas com som ensurdecedor até altas horas, carros com alto-falante infernizando a vida de moradores de bairros tranquilos, gente urinando em árvores, postes e muros, mendigos e drogados dormindo ao relento, bandos de pivetes circulando pelas ruas livremente. Esses são alguns exemplos comprometedores das relações de urbanidade desejada.
Esperamos que, através das Unidades de Ordem Pública (UOPs) que estão sendo implantadas na cidade, as autoridades públicas demonstrem a firme intenção de enfrentar essas questões com determinação e sabedoria. Entretanto, todo esse esforço será inútil se tais ações não forem acompanhadas de medidas sociais paralelas e compreendidas pela população como uma atitude necessária para reverter o quadro desolador em que se encontram certos espaços públicos da cidade.

domingo, 9 de outubro de 2011

Uma imagem e poucas palavras...

Sérgio Magalhães
Tal como disse o colega Ricardo Villar, a propósito da charge que Chico Caruso publicou no Globo, há poucos dias.
Lembrando que o tema tomou um novo rumo -ante uma pasmaceira anterior- depois que Cora Rónai, também no Globo, comentou sua estranheza em relação à nova iluminação do Cristo no Corcovado. Cora chamou a opinião do colega arquiteto José Canoza Miguez, especialista em iluminação, autor de inúmeras intervenções qualificadoras de monumentos no Rio e em outras cidades.
Para Miguez, trata-se, agora, de uma cenografia tratada como brinquedinho informático desde a Arquidiocese, entidade gestora do monumento.
Pois o que parecera uma afirmação retórica, poucos dias depois foi confirmada pelo próprio padre encarregado da manutenção, encantado com as possibilidades de trocar a cor, aumentar a intensidade, desde seu aparelhinho aipódito, entre outras liberdades que a nova iluminação lhe deu.
Chico Caruso não deixou passar.
Chico Caruso – O Globo 08.10.2011

sábado, 8 de outubro de 2011

Mobilidade na cidade metropolitana

Sérgio Magalhães

O professor MAURO OSORIO, um dos mais profícuos estudiosos do desenvolvimento da cidade, encaminhou à sua rede o comentário que transcrevemos abaixo. Vale a pena acompanhar.

“Prezados, na segunda-feira, 03 de outubro, participei de um encontro, na Firjan da Baixada Fluminense II, localizada em Duque de Caxias, com empresários e prefeitos dos municípios de Duque de Caxias, Belford Roxo, Guapimirim, Paty do Alferes e Magéem que foram discutidas estratégias para o fomento ao desenvolvimento econômico-social dos municípios citados, da RMRJ.

O encontro contou com a participação do Vice-Governador Pezão. Uma boa notícia trazida por ele é que será dada prioridade ao uso dos 200 quilômetros de trilhos já existentes para o deslocamento da população na metrópole carioca.

Acredito que, além da importante renovação dos trens e da modernização, apontada por Pezão, que a SuperVia sofrerá sob a direção da Odebrecht, atualmente detentora da concessão, é importante buscar transformar o trem suburbano em metrô de superfície.

A última pesquisa do Rio Como Vamos, publicada no jornal O Globo de 30 de setembro de 2011, mostrou que “No trajeto casa-trabalho, os cariocas estão gastando, em média, duas longas horas, segundo a Pesquisa de Percepção 2011 do Rio Como Vamos. São 39 minutos a mais do que o tempo constatado há dois anos, na edição anterior do trabalho”.

Em entrevista recente, na revista Carta Capital, a Presidente Dilma Rousseff ressaltou ter ficado surpresa quando esteve em Tóquio, por verificar que, se, por um lado, as ruas eram estreitas, por outro, não havia engarrafamentos. Foi explicado, então, a ela que isso derivava de uma correta rede de transportes sobre trilhos, existente naquela metrópole.

De acordo com os dados divulgados na última PNAD, o tempo que os moradores da RMRJ levavam diariamente no deslocamento casa/trabalho/casa era superior, inclusive, ao existente na metrópole de São Paulo.

Nesta semana, a revista Carta Capital trouxe uma matéria com a boa notícia de que a tendência, hoje, em diversos países seria de diminuição do uso de automóveis. De acordo com a matéria: “As viagens em carros particulares, em Londres e outros centros britânicos, caíram 50%, de 1993 as 2008”.

Ainda de acordo com a matéria: “O fenômeno é internacional e pode ser confirmado em países desenvolvidos, como a Alemanha, Austrália, França, Japão e até mesmo Estados Unidos, como mostra estudo do professor Phil Goodwin, especialista em políticas de transportes da University of the West of England”.

A matéria aponta ainda que, além da ampliação do uso de transportes públicos, tem ocorrido uma ampliação do uso de bicicletas. De acordo com o texto: “Um aumento da densidade em áreas centrais tem sido apontado pelos especialistas britânicos como uma das prováveis causas da troca dos carros por transporte público, bicicletas ou caminhada, já que a distância entre a casa, o trabalho e os centros de lazer se encurtam. ‘O adensamento é imprescindível’, afirma Pedro Rivera, arquiteto e diretor do Estúdio-X Rede Global criada pela Universidade de Colúmbia para pensar as questões urbanas. ‘O Rio de Janeiro, por exemplo, é uma cidade menos densa do que nos ano 50, indo na contramão do que os países desenvolvidos estão fazendo’”.

Esse ponto tem sido ressaltado também por especialistas como o arquiteto Sérgio Magalhães. De acordo com ele, a cidade do Rio e a metrópole carioca são mais esgarçadas do que a maioria das metrópoles no mundo. Ou seja, temos uma particular baixa densidade de habitantes, por quilômetro quadrado, o que aumenta o custo de investimentos em infraestrutura urbana.

Esse aspecto ressalta a importância de buscarmos adensamento de moradia na metrópole carioca, onde já existe infraestrutura e emprego, como, por exemplo, na Área de Planejamento 1 da cidade do Rio de Janeiro (AP-1), que congrega as Regiões Administrativas Central e Portuária. Nessas duas regiões estão localizados em torno de 35% do emprego formal existente na cidade e apenas em torno de 4% da moradia.

Além disso, tendo em vista a mudança da tendência demográfica no país, e principalmente em nossa metrópole, deve-se pensar em uma estratégia urbana integrada para uma região que tende a não ter maior crescimento populacional.

Os dados do Censo de 2010, recentemente divulgados, mostram que, entre 2000 e 2010, já ocorreu uma queda de em torno de 7% da população até 14 anos de idade residente na RMRJ.

Atualmente, em torno de 75% da população da metrópole carioca trabalham na cidade do Rio de Janeiro, tendo em vista a baixa densidade de emprego existente na periferia. Isso explica o maior tempo de deslocamento casa/trabalho/casa em nossa metrópole em relação à metrópole paulista.

Dessa forma, entendemos que o desafio na metrópole carioca é consolidar um sistema integrado de transporte sobre trilhos e, ao mesmo tempo, estabelecer uma política de melhoria de infraestrutura e adensamento da estrutura produtiva na periferia da RMRJ. Ou seja, melhorar o transporte público sobre trilhos, para a mobilidade na metrópole carioca, e procura diminuir a mobilidade, através da geração de empregos na periferia.

É importante, ainda, evitar uma maior migração de pessoas para regiões com problemas de infraestrutura e baixa densidade de emprego, como as Regiões Administrativas de Campo Grande, Santa Cruz, Bangu, Realengo e Guaratiba – onde estão localizadas em torno de 30% da população da cidade do Rio de Janeiro e apenas em torno de 10% do emprego formal da cidade – e os municípios da periferia da RMRJ.

Mauro Osório “

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Dudeque

Sérgio Magalhães

O arquiteto Irã Taborda Dudeque é escritor de fino trato. Integra o Conselho Superior do IAB, representando o Paraná, e participa do e.grupo de membros do COSU, onde enriquece permanentemente o debate que se estabelece neste sítio –a propósito de quase tudo.

Agora, informa que está escrevendo na Gazeta do Povo, de Curitiba. Vale a pena conferir.

Moradias: crescimento e necroses urbanas

http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?tl=1&id=1173232&tit=Moradias-crescimento-e-necroses-urbanas

Engarrafamentos, contradições e voluntarismos

http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?id=1152974

O verdadeiro Centro Cívico de Curitiba

http://www.gazetadopaovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?tl=1&id=1133873&tit=O-verdadeiro-centro-civico-de-Curitiba


segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Sem palavreados

Arquivo publicado originalmente no jornal O Globo de 24/09/2011
Sérgio Magalhães
Estabilidade econômica, grandes eventos e investimentos em alta compõem um quadro favorável à definição de linhas para desenhar o nosso futuro urbano.
As cidades brasileiras sofreram um processo de expansão demográfica gigantesco nas últimas décadas. O país deixou de ser "eminentemente agrário", como se dizia ainda nos anos 1960. A população quase triplicou e passou a ser urbana para 85% dos brasileiros. É preciso reconhecer: foi um fantástico desempenho.
Agora, a população urbana crescerá a taxas modestas — e a das metrópoles quase nada. Não obstante, há mobilidade demográfica importante no interior de cada conglomerado, esvaziando-se algumas regiões e ocupando-se outras não infraestruturadas — com significativos danos sociais e econômicos.
Esse processo em geral é associado à desestabilização de setores produtivos importantes, como o industrial. Ele é novo na tradição urbanística do país — mas tem muitos precedentes no mundo desenvolvido.
Bons ensaios ilustram como cidades que passaram por experiências de desindustrialização e estagnação enfrentaram seus problemas. Recente livro do economista Edward Glaeser, "O triunfo da cidade", chama a atenção para os caminhos bem-sucedidos que estimulam a diversidade de iniciativas empresariais em contraste com a concentração em poucos segmentos. Segundo o autor, "em geral, há forte correlação entre a presença de pequenas empresas e o crescimento posterior de uma região".
Ocorre que a disseminação do empreendedorismo também é fortemente correlacionada com a existência de um bom ambiente. O espaço urbano de boa acessibilidade e segurança é essencial para que as pequenas iniciativas possam se desenvolver. São elas que podem fazer os desdobramentos criativos, em caminhos de ida e volta, entre os grandes produtores e o conjunto social.
Nesse sentido, recente pesquisa sobre a evolução do emprego no Rio, dirigida pelo professor Mauro Osório, aponta recuperação parcial ocorrida na última década, após tantas outras de perda da participação na economia nacional, e credita à conjunção de bons fatores e ao desenvolvimento do setor do petróleo. Contudo, alerta que outros indicadores, como o crescimento do número de estabelecimentos comerciais,apresentam desempenho muito inferior ao ocorrido nas outras capitais do Sudeste. Mostra que o "pior desempenho no Rio ocorreu em micro estabelecimentos" (crescimento de 3,7% no Rio, contra 30% em SãoPaulo e 52% no Brasil). Para o autor, é necessário investigar causas localizadas na degradação da economia nacional, e credita à conjunção de bons fatores e ao desenvolvimento do setor do petróleo.Contudo, alerta que outros indicadores, como o crescimento do número de estabelecimentos comerciais, apresentam desempenho muito inferior ao ocorrido nas outras capitais do Sudeste. Mostra que o "pior desempenho no Rio ocorreu em microestabelecimentos" (crescimento de 3,7% no Rio, contra 30% em São Paulo e 52% no Brasil). Para o autor, é necessário investigar causas localizadas na degradação da infraestrutura urbana e na violência.
A pesquisa indica que 70% da população carioca e 70% do emprego formal se localizam no corredor Centro/Zona Norte/Campo Grande-Santa Cruz, e o professor sugere que as políticas públicas de transporte deveriam priorizar este eixo. Em contraste, a Barra tem 5% da população e 6,5% dos empregos.
Em um contexto de inflexão para a recuperação, precisamos ter clareza sobre nossos objetivos urbanísticos e de desenvolvimento.
Estamos sob a égide de propostas desenhadas na década de 1960, os planos Doxiadis e Lucio Costa, e o PUB-Rio, dos anos 1970. Se é desejável que as cidades se estruturem através de planos duradouros, é preciso considerar que foram elaborados em contexto distinto, não apenas demográfico mas econômico, político e social. Eram tempos em que o Rio era capital federal de fato, embora de direito já estivesse transferida.
Intervenções hoje em implantação foram geradas naquela perspectiva, período em que, iniciando-se o esvaziamento e a desindustrialização da Zona Norte, paradoxalmente se propunha reimplantar o setor industrial na Zona Oeste. Assim, o projetado foi para expandir a cidade. É bem diferente de projetar para a estabilidade. Ou para situações de depressão ou de desindustrialização.
O Rio e a cidade metropolitana precisam ser desenhados para o século 21 — mas em planos espacializados, não planos palavreados. E que trabalhem com a realidade das regiões, inclusive o esvaziamento populacional que ocorre na Zona Norte e na Zona Sul — incorporando as novas dimensões urbanísticas contemporâneas,garantindo qualidade em todas as escalas, do micro ao macro, tanto dos ambientes como da produção econômica.
Nós já não temos todas as certezas dos modernistas. Hoje, nossos instrumentos de desenho são a sustentabilidade, a mistura de usos, a diversidade espacial, a mobilidade democratizada, a universalizaçãodos serviços públicos e a integração dos assentamentos, entre outros valores que se orientam para a equidade da cidade.
A crise por que passa o Planejamento Urbano fez com que os planos ficassem desacreditados. Mas isto ocasionou também que ficássemos sem desenho — sem "desígnio", na expressão etimológica — a orientar o nosso desejo de cidade.

Construção compartilhada

*Arquivo publicado originalmente na revista Ciência Hoje, edição 285.
Sérgio Magalhães
Sabemos que a cidade é o maior artefato da cultura; portanto, uma expressão coletiva. Assim, a sua construção deve ser responsabilidade de todos, tanto dos governos como da sociedade. Não obstante, a cidade brasileira tem sido em grande medida uma produção exclusivamente das famílias.
Há uma clara defasagem entre a idealização que fazemos sobre a cidade e os instrumentos que tornamos disponíveis para a sua concretização.
Como se explica essa aparente contradição?
Entre os pilares do pensamento contemporâneo se encontra a crescente conscientização sobre a necessidade da preservação e da defesa do patrimônio, tanto o cultural como o natural. A sustentabilidade passa a ser uma exigência ética fundamental. Igualmente, fortaleceu-se a noção de interdependência entre os agentes sociais urbanos. É cada vez mais claro o desejo de produzirmos cidades menos desiguais, de oportunidades melhor distribuídas.
Para além do discurso, isso implicaria em adoção de medidas mitigadoras em relação aos danos já constatados, mas, sobretudo, significaria políticas públicas em consonância com os novos compromissos.
Nossas cidades brasileiras tem um passivo ambiental considerável.
Grande parte dos sistemas hídricos se encontra submetida a despejos sanitários e industriais que os tornam quase moribundos. Não obstante, as cidades continuam sem política de saneamento abrangente, implicando em que o caso de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, com 800 mil habitantes, e com menos de 1% de seus domicílios urbanos ligados à rede de esgotos tratados, não seja um exemplo isolado. Ao contrário, é um panorama que inclui milhares de cidades, inclusive capitais.
É alto o passivo ambiental decorrente da opção pelo transporte rodoviário nos deslocamentos casa-trabalho. E não apenas pela poluição atmosférica –o que uma mudança tecnológica nos veículos poderia minorar. O mais relevante é que o transporte rodoviário é reconhecidamente predador de território. Suas vantagens de fácil acesso estimula a ocupação urbana, é verdade, mas se torna um grave problema na formação de cidades cada vez menos densas –a demandar mais serviços, mais infraestruturas, mais equipamentos, mais territórios. Contudo, esse é o modo quase exclusivo de transporte urbano no Brasil.
No caso da moradia, a ausência de políticas públicas de crédito para a produção habitacional – situação geralmente tratada como dependente de fatores macro-econômicos, distanciados do fenômeno urbano – resultou na grande expansão do parque habitacional brasileiro sustentado basicamente pela poupança prévia das famílias, sem apoio coletivo. Assim, apenas uma em cada cinco moradias urbanas brasileiras foi construída com alguma participação dos governos ou recebeu algum tipo de financiamento, público ou privado. Essa média continua valendo mesmo com a implementação do programa Minha Casa, Minha Vida. E, se tal condição é evidência de vitalidade do povo brasileiro, é, também, matriz dos assentamentos irregulares e favelas.
Isto é, três vetores majoritariamente constituintes da cidade, infraestrutura, transporte e moradia, tem sido deixados à responsabilidade do cidadão, com minoritária participação coletiva.
É inegável que houve avanços políticos importantes nas últimas décadas, em direção à consolidação do direito à cidade, o qual compreende a possibilidade de o homem viver no território urbano em consonância com as exigências da vida contemporânea. Contudo, em que pese os ganhos políticos alcançados, esse ainda é um direito que, embora formalizado constitucionalmente, não se encontra plenamente conquistado na prática da vida urbana. Enfim, trata-se de um direito individual que precisa ser suportado coletivamente.
Preservação ambiental, sustentabilidade, equidade urbana: é nossa tarefa ajudar a transformá-las de conceitos idealizados em prática. Para tanto, nossas cidades carecem ser compreendidas como construção compartilhada.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Beleza Sitiada

Luiz Fernando Janot*
*Artigo publicado originalmente no jornal O Globo de 03/09/2011.
A retomada do desenvolvimento econômico do Rio vem se refletindo na construção de novos edifícios empresariais e sedes de empresas, especialmente no Centro e na Cidade Nova. Em geral, são edifícios com avançados recursos tecnológicos e dotados de elementos de sustentabilidade aplicados à arquitetura. Todavia, no aspecto formal, ainda prevalecem os indefectíveis blocos prismáticos revestidos integralmente com vidros espelhados coloridos. Em suma, trata-se de uma beleza sitiada e atrelada a um modelo estético cuja imagem representa, simbolicamente, o poder econômico das empresas instaladas nesses edifícios. Paradoxalmente, recupera-se, hoje, um modelo que simbolizou — pasmem — na década de 50 o progresso econômico dos Estados Unidos. É lamentável observar essa subserviência criativa num momento em que o Rio recupera o seu papel de capital da cultura nacional.

Esse tema vem sendo debatido e estimulando o exercício crítico da arquitetura como forma de expressão cultural. A mais contundente das críticas feitas a esse modelo de concepção formal recaiu sobre a mesmice estética desses volumes prismáticos, encapsulados com vidro e destituídos de qualquer expressão formal significativa. Outra crítica recorrente diz respeito ao fato de os edifícios se apresentarem como unidades autônomas, fechadas e sem relação com o espaço urbano no seu entorno. Numa cidade como o Rio, a concepção formal de um edifício não pode desprezar a relação de contiguidade urbana, entendida como um componente indissociável da sua arquitetura. Refutando essas críticas, um dos arquitetos envolvidos com projetos dessa natureza alega que a preocupação deve ser, primordialmente, com a qualidade das edificações e que não é possível conceber uma cidade onde todas as construções sejam necessariamente marcos arquitetônicos. O próprio prefeito reconhece que a discussão estética sobre arquitetura estimula os arquitetos a refletirem e que ele mesmo vem fazendo essa reflexão ao apreciar o resultado dos últimos concursos de projetos.
Ao contrário dos países europeus onde a arquitetura e o urbanismo se impõem como requisitos indispensáveis para a valorização das cidades, no Brasil esse entendimento vem perdendo importância. Coincidência ou não, o resultado desse desinteresse se reflete na má qualidade estética das edificações. Raros são os exemplos que conseguiram superar, criativamente, as limitações impostas. Infelizmente, o deslumbramento diante de certos modismos arquitetônicos importados vem influenciando a concepção dos edifícios empresariais, tornando-os completamente desprovidos de valor cultural.
Parodiando Caetano Veloso, eu diria que a força da grana que já ergueu coisas belas, hoje, se limita a construir edifícios tecnologicamente avançados que mais parecem com aquários monumentais. Os argumentos de que esses edifícios são "sustentáveis e inteligentes" — expressão mercadológica muito utilizada — não basta para justificar a aparência anódina e despersonalizada que possuem. Numa cidade como o Rio, a conceituação de um edifício deve considerar a sua expressão formal incorporando as relações de contiguidade urbana como um componente indissociável do projeto. A arquitetura conceitual, que tanto incomoda tecnicistas e tecnocráticos, não pode se curvar diante de modelos restritivos que impedem a liberdade de criação. A estética urbana e arquitetônica não é uma abstração. É o resultado de uma articulação harmoniosa com a ambiência que a envolve.
E o que dizer da qualidade arquitetônica das demais construções que se espalham pelos bairros do Rio? A verdade é que os interesses mercadológicos que condicionam a produção arquitetônica atual não são e não poderiam ser os mesmos que produziram as antigas residências, os sobrados e os modestos prédios que emolduraram as ruas cariocas no passado. O que passou, passou, mas não se pode deixar de lamentar a obsolescência de certos bairros tradicionais cariocas em decorrência do processo desvairado de expansão urbana da cidade. Os deslocamentos populacionais dessas localidades para as novas áreas urbanizadas e a ocupação informal dos vazios urbanos existentes nesses bairros contribuíram para romper a relação respeitosa dessas localidades com a ambiência local.
Convém frisar que o pensamento crítico da arquitetura e do urbanismo não é um fim em si mesmo e muito menos a solução para os problemas e questionamentos existentes. A crítica é apenas uma forma intelectual de manter viva a discussão e a reflexão sobre temas relevantes da arquitetura e da cidade.
*Luiz Fernando Janot e arquiteto urbanista e professor da UFRJ.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Mobilidade Urbana: a experiência da Rocinha

Luiz Carlos Toledo*
O seminário “A Fábrica de Movimentos & Mobilidade Urbana: o que move a ação pública?”, realizado no IAB/RJ, levou-me a refletir sobre experiência relativamente recente quando estive a frente da equipe que elaborou o “Plano Diretor Sócio Espacial da Rocinha” - muitas vezes confundido com o PAC da Rocinha – que teve por objetivo implantar algumas proposições do Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro.
Foi com satisfação que vi, no seminário, a mobilidade urbana ser tratada pelo viés correto e adequado. Isto é, sem concentração excessiva na questão dos transportes, tema importante, porém não exclusivo, quando se estuda os deslocamentos de pessoas pela estrutura urbana.
Minha entrada e de minha equipe na Rocinha deu-se a partir de um “Concurso Nacional de Ideias para Urbanização do Complexo da Rocinha”, promovido pelo Governo do Estado em convênio com o IAB/RJ, em 2005. A equipe, formada por arquitetos, engenheiros, sociólogos, assistentes sociais e moradores da comunidade, reuniu-se, durante um ano e meio, em um escritório por nós instalado na Estrada da Gávea, perto da famosa “Curva do S”, no interior da favela.
Essa imersão na área de estudo, a camaradagem com os moradores que integravam a equipe, o convívio com as lideranças locais e as dezenas reuniões realizadas nos sub-bairros da favela fizeram com que o Plano se destacasse pelo alto grau de participação popular. Se não fosse a participação dos moradores e a presença constante da equipe no dia a dia da comunidade, não teria sido possível entender o que se passava com a Rocinha e muito menos propor diretrizes para o seu desenvolvimento.
A mobilidade na Estrada da Gávea
As ligações da favela com o restante da cidade pouco diferiam, em termos de transporte público, dos deslocamentos praticados pela população de outros bairros. Na verdade os moradores da Rocinha se encontram bem servidos por linhas de ônibus e vans que passam pela Estrada Lagoa Barra, pela Rua Marquês de São Vicente e, até mesmo, cruzam a favela pela Estrada da Gávea. Entretanto, a movimentação dos moradores no interior da favela e os percursos e estratégias utilizados, não eram tão óbvios quanto pareciam ser. 
Assim procuramos ir além dos meios de transporte formais e incorporar, ao estudo, as estratégias utilizadas pelos moradores para locomover-se dentro e fora da comunidade. Essa pesquisa nos levou a algumas conclusões interessantes que nos estimularam a propor um conjunto de intervenções de grande simplicidade, evitando soluções caríssimas, envolvendo teleféricos e elevadores midiáticos, que tanto em termos físicos como simbólicos passam ao largo da delicada tessitura dos becos, vielas e ruas das favelas cariocas.
Qualquer pessoa que passe um dia na Rocinha irá se espantar com a intensa movimentação dos moradores disputando espaço com os caminhões, ônibus, vans, automóveis e motocicletas, que circulam pela Estrada da Gávea, da Via Ápia e da Rua do Valão, sem falar dos trechos carroçáveis da Rua Um e da Rua Dois, entre outras.  As raras calçadas, quando existem, são tomadas por lixo acumulado e por uma infinidade de barreiras físicas que impedem a circulação de pedestres e os obrigam a correr risco de atropelamentos.
Escadas da Rocinha
É importante frisar que a mobilidade na Rocinha se caracteriza pela sucessão de modais, sendo os deslocamentos a pé muito importantes. As dificuldades de circulação se acentuam devido as condições topográficas e obrigam as pessoas que usam ônibus, vans e moto-taxis a completarem seus trajetos a pé até as suas casas. São percursos repletos de escadarias mal projetadas e toda a sorte de barreiras, que tornam a caminhada extremamente difícil, ou impraticável para idosos ou portadores de necessidades especiais.

Durante meses analisamos esses percursos para compreender as diferentes estratégias utilizadas pelos moradores para fazer compras, visitar os amigos, ir a escola e, principalmente, para trabalhar, dentro ou fora da favela. Chegamos à conclusão que se respeitássemos essas estratégias, poderíamos adotar medidas muito simples para melhorar, em muito, a mobilidade na Rocinha. Decidimos, portanto, adotar as seguintes diretrizes:
  • Requalificar a Estrada da Gávea, principal eixo viário da favela, eliminando as barreiras físicas e abrindo espaço para a implantação de baias de ônibus, de carga e descarga e para os compactadores de lixo da CONLURB. Implantar um binário num trecho da estrada de forma a estabelecer a mão única na Curva do S e, com isso, acabar com um dos piores gargalos da via, além de facilitar o acesso à UPA.
  • Desimpedir as calçadas de barreiras físicas de forma a separar os veículos dos pedestres, aumentar a fluidez do tráfego e diminuir os engarrafamentos diários.
  • Regularizar o estacionamento de veículos, disciplinar as atividades de carga e descarga e substituir os ônibus por micro-ônibus, por serem mais adequados a geometria da via.
  • Alargar a Rua 4 que, em alguns trechos tinha menos de um metro de largura, não só para a desafogar a Estrada da Gávea, como para reurbanizar um dos trechos mais insalubres da comunidade.
  • Conectar a Rua 2 com a Rua do Valão por meio de um Plano Inclinado para facilitar a circulação nesse trajeto que hoje só é possível com muita dificuldade.
  • Requalificar as ruas principais, vielas e becos, regularizando na medida do possível o seu traçado para torná-las carroçáveis, sempre procurando evitar grandes obras e desapropriações.
  • Criação de um sistema composto por cinco Planos Inclinados que possibilitará aos moradores se deslocarem da Gávea até São Conrado à pé, superando os trechos mais difíceis por meio desses planos inclinados.
Essas propostas, entre outras contidas no “Plano Diretor Sócio Espacial da Rocinha”, privilegiam a simplicidade e o baixo custo, principalmente, se comparadas com soluções que vêm sendo adotadas em outras comunidades.


A Rua 04, antes e depois das obras de urbanização.
* Luiz Carlos Toledo é arquiteto urbanista, professor da UERJ e sócio-diretor da M&T-Arquitetura.