domingo, 30 de maio de 2010

O paraíso impõe exigências

*Artigo publicado originalmente no O GLOBO de 29/05/2009
Sérgio Magalhães
Ao descobrir a América, Colombo registrou que chegara ao Paraíso. No imaginário europeu, essa foi a marca fundadora do Novo Mundo, que perdurou pelos séculos seguintes.
As cidades, nem tão recentemente, constroem marcas próprias.
No século XIX, a reforma de Paris, que a evidenciou como Cidade Luz, foi precedida de longo debate público, onde prevaleceu a ideia de reforçar o seu centro.
Victor Considérant, vereador dos bairros pobres, recomendava nele promover “um foco superior de vida, de prazer e de negócios, e dominante em beleza, em riqueza, em vitalidade e em grandeza sobre todos os outros pontos da capital”.
Esse é entendimento adotado em cidades como Nova York, Londres, Berlim, Barcelona, quando precisam de novas energias transformadoras.
O Rio de Janeiro dos primeiros séculos correspondeu à marca de Colombo e foi visto como representação do Paraíso. Quando foi necessário consolidar-se como sede republicana, adotou o proceder consagrado.
Interveio no centro, construiu a Avenida Central, o Porto e outras obras de remodelação e embelezamento, o Teatro Municipal, a Biblioteca Nacional e o Museu de Belas Artes. As intervenções foram tão qualificadoras que o Rio passou a ser a Cidade Maravilhosa.
A potência dessa marca se associou ao mar, só então descoberto como lugar de lazer. Sobretudo, se associou à ideia de bem-aventurança, de povo alegre, que a condição de capital lhe proporcionava com melhores empregos e oportunidades. O paraíso natural torna-se paraíso cultural.
A força dessa simbiose mudou radicalmente os vetores do crescimento urbano. Até então, a cidade era privilegiada do centro para os subúrbios. Agora, invertese: é do centro para as praias. O Rio torna-se mais complexo.
A expansão centrosul, qualificada, cativando as elites, tem alta densidade — a vida urbana se enaltece nos Anos Dourados. Em contraponto, as áreas interiores suburbanas se expandem e se esvaziam, em baixa densidade e poucos recursos. Há uma quebra, uma partição abrupta, orla e interior. Há uma assimetria de qualidade de vida entre zonas da cidade.
Tal tendência se afirma com a perda da condição de capital federal e com grande crescimento demográfico. É nos subúrbios e na Baixada que se constrói a maior parte das novas moradias populares — justamente quando se promove, por decisão nacional, a desconstrução do transporte sobre trilhos, trens e bondes, em benefício de ônibus e carros.
Adicionalmente, aumenta a pressão pela transformação de bairros da orla em lugar de trabalho. A Zona Sul passa a ser centro da metrópole para alguns serviços qualificados — que também buscam a Barra da Tijuca. Mas novos centros custam energia e investimentos — agora escassos.
Assim, é preciso reconhecer a inédita experiência do Rio. Nenhuma outra grande cidade viveu dois embates tão decisivos: a adequação urbanística a uma mudança de paradigma cultural (a descoberta do mar) e a perda da centralidade nacional, que reduziu recursos para a cidade e debilitou a ideia de bem-aventurança. E, isto, em poucas décadas.
Somos uma cidade com 12 milhões de habitantes, uma cidade global, uma economia importante. Temos história, patrimônio, cultura rica e diversificada, um povo que resume a fusão social e cultural, milagre da experiência brasileira. É nessa complexidade que o Rio se reconhece — e demanda qualificar-se para enfrentar a sua assimetria. É uma exigência de sua própria potência.
O modelo de Considérant não será mais o único caminho.
Sim, precisaremos dotar as regiões interiores de novos elementos de interesse, novas razões de beleza e de riqueza, capazes de fortalecer investimentos locais e permitir que se recuperem. Mas, mesmo vigorosos, é condição necessária garantirse a vigência da Constituição em todo o território, o Estado brasileiro permanentemente presente com todos os serviços, inclusive o de segurança pública. E, é indissociável, implantarse um sistema público de mobilidade de excelência. A cidade metropolitana pede reforço em sua estrutura urbanística e a sua institucionalização. Conter a expansão urbana é essencial para a sustentabilidade. Não podemos ser perdulários com o território, seja para ocupações pobres ou ricas. Ademais, temos áreas livres e ociosas em abundância.
A Cidade Maravilhosa pede ser ressignificada pela qualificação do seu espaço. A nossa cidade meritoriamente precisa que cada nova intervenção busque a máxima qualidade — na função, na abrangência social, na sustentabilidade, na beleza. A ideia de Paraíso tem suas vantagens. Mas também impõe suas exigências.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Cachoeiras e cascatas, de colorido sutil

Lucas Franco
Há pelo menos umas duas semanas, tem rolado pela Internet um inusitado projeto para as olimpíadas de 2016: a “Solar City Tower”, uma cachoeira artificial gigante em cima de uma pequena ilha no Leme.
Sob o pretexto da geração de recursos energéticos limpos, e o mote dos JJOO de 2016, um grupo de arquitetos suíços aproveita para deixar o seu marco na paisagem carioca, com talento e delicadeza capazes de encher os olhos do mais nobre sheik árabe.
Pelos mesmos motivos, e graças a Deus, é evidente que se trata de uma provocação, um projeto “conceitual”, e que não existe a menor chance de acontecer.
Entretanto, é muito provável que nos próximos anos, outras novas propostas conceituais apareçam, porém, com maiores ambições construtivas.

Veja aqui e aqui a proposta da “Solar City Tower”.

Eu por exemplo, também tenho algumas propostas para a nossa cidade, mas talvez por conhecer melhor a cidade do que os meus colegas suíços, e também por possuir maiores ambições quanto as suas realizações, prefiro propor a manutenção emergencial de obras já construídas.

Primeiro, se o barato é a queda d’agua, por que não recuperarmos os belos chafarizes da cidade, hoje secos, sujos e abandonados, como denunciou recentemente o jornal O Globo?

Veja a matéria do Globo: Por que secou?

Mas se a idéia for a de criar um marco na paisagem, eu tenho uma imbatível: a estátua do Cristo Redentor. Sim, aquela que está lá há uns oitenta anos, mas noutro dia amanheceu toda pichada por delinquentes noturnos. E o acesso? Desde as chuvas de abril que o trenzinho está interditado, e ainda não temos previsão de retorno.

E por último, se é para gastar dinheiro e ser ecologicamente correto, sugiro que antes de empenharmos qualquer centavo com uma pretensiosa cachoeira artificial de tecnologia suíça, deveríamos investir e trabalhar pela despoluição da Baía de Guanabara, ou ainda, tentar ao menos oferecer segurança para a população frequentar as inúmeras cachoeiras naturais que a nossa cidade possui.

Enfim, com a luz amarela acesa, fiquei pensando na seguinte questão: para 2016, será que vamos conseguir arrumar a nossa cidade ou apenas assistiremos a uma série de novas “cascatas”?

sábado, 22 de maio de 2010

Passo a passo

André Luiz Pinto
Ontem o Rio de Janeiro teve mais uma grande vitória, comparável à vitória como cidade candidata em 2009.
Dando continuidade aos preparativos para 2016, o Rio recebeu o COI que sinalizou positivamente a proposta da Prefeitura para transferência da Vila da Mídia, da Vila de Árbitros e de outros equipamentos não esportivos para a Zona Portuária.
A ação, no intuito de criar sinergia entre os investimentos do Projeto Olímpico e do Projeto Porto Maravilha, é um sinal de inteligência e amadurecimento do planejamento da cidade para 2016.
O reforço da centralidade da Zona Portuária de certo provocará uma onda positiva para toda a Zona Norte tendo como eixo catalisador a ligação entre os equipamentos olímpicos (Sambódromo, Maracanã, Engenhão, Deodoro) ao longo da linha férrea CENTRAL-DEODORO qualificada como metrô.
Agora talvez seja hora de também criarmos sinergia com o Projeto da Copa de 2014, localizando no Porto equipamentos importantes para este evento, reforçando este eixo que pode significar uma ajuda muito grande para o renascimento da Zona Norte Carioca.

Mais um passo na direção de um Rio melhor, mas muitos outros ainda podem e devem ser dados.


Links sobre o tema:
O GLOBO - Editorial - Um projeto Olímpico para a cidade
O GLOBO - COI joga âncora no Porto
O DIA - Vilas para Olimpíadas de 2016 na Zona Portuária
O DIA - Comitê Olímpico Internacional encerra visita ao Rio
O DIA - Comitê Olímpico rejeita competições no Porto

terça-feira, 11 de maio de 2010

Problemas, soluções e oportunidades

Lucas Franco
As catástrofes ocorridas por causa das fortes chuvas que assolaram as cidades brasileiras neste início de ano trouxeram à tona um conhecido problema das grandes cidades: o lixo.
Considerando que a água da chuva carrega o lixo jogado nas ruas diretamente para os ralos e bueiros, temos aí um evidente complicador na drenagem urbana.
Em São Paulo, a prefeitura criou uma bela campanha publicitária a fim de conscientizar as pessoas para que levem os sacos de lixo às calçadas apenas no horário determinado.
Veja aqui a campanha “O lixo não tem pé”.
Mas isso não é o bastante, mesmo porque, diria que o grande vilão dessa história é a crescente e demasiada impermeabilização do solo urbano.
Agora falemos de sustentabilidade. Na cidade de São Paulo, das quase 17 mil toneladas de lixo recolhidas por dia, cerca de 35% são materiais recicláveis e menos de 1% é reciclado. E os aterros sanitários estão lotados.
Na semana passada, o Jornal Nacional apresentou uma série de reportagens sobre as soluções encontradas por muitas cidades para o reaproveitamento do lixo. A mais impressionante apareceu na sexta-feira, com o caso de Barcelona:
“Em vez de latas, que dependem de coleta periódica, bocas de lixo. Através das escotilhas, os cidadãos jogam os sacos. A partir daí, começa um show de tecnologia.
Todas as bocas de lixo são conectadas a um gigantesco sistema de tubulação enterrado a, pelo menos, cinco metros da superfície. Trata-se de um grande sugador, que aspira o lixo de hora em hora, dia e noite, o ano inteiro.
A idéia nasceu na Vila Olímpica de Barcelona, construída especialmente para os Jogos de 1992. Parecia impossível unir lixo com limpeza e higiene. Mas deu tão certo que virou exemplo para a cidade inteira. O sistema acaba com a sujeira nas ruas, com as latas de lixo e, principalmente, com a coleta - um método que geralmente custa caro e polui o meio ambiente. Pelo menos 160 caminhões de lixo deixaram de circular diariamente pelas ruas da cidade.”
Imperdível: veja aqui a reportagem sobre o sistema subterrâneo de BCN.
Perfeito! Fica aí o meu desejo, e o meu incentivo, para que o Rio aprenda com esta "conexão limpeza", e aproveite a oportunidade dos JJOO de 2016 para implementar soluções novas e inteligentes para os nossos velhos e conhecidos problemas urbanos.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Meses decisivos para a cidade

*Artigo publicado originalmente no O GLOBO de sábado, 01/05/2010.
Sérgio Magalhães
As cidades brasileiras vivem período de ambiguidade, em que percebem que seus ambientes urbanos se encontram em níveis inferiores ao que a nossa contemporaneidade exige — não vendo como superálos. Elas precisam construir um entendimento sobre o futuro.
O caso do Rio de Janeiro é especial. Os próximos anos reservam à cidade oportunidades ímpares para o desenvolvimento. Mas nós também precisamos acordar o que queremos.
Está nos próximos meses o cerne de onde emergirá a possibilidade de consolidação dessas oportunidades. Nós nos acostumamos a cobrar dos políticos as soluções. Mas pouco nos dedicamos a construir o debate público, em busca de pontos em comum, de metas a alcançar.
Em geral, as eleições não têm colocado os temas urbanos. Precisamos que estas sejam diferentes. A Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016, pela carga simbólica que retêm, bem como pela inexorabilidade de seus tempos e compromissos, podem ajudar a organizar um campo de entendimento que leve a acordos compartilhados pela sociedade e pelo poder público, em todas as instâncias.
Precisamos convidar ao debate urbano os candidatos ao governo e à presidência, e os que concorrem à Assembleia, à Câmara e ao Senado constituindo interlocutores qualificados atentos ao tema.
No Rio, um tema crucial é a excepcional condição de ser uma cidade metropolitana com 12 milhões de habitantes, de interesse mundial. Contudo, ela não é institucionalizada.
Não temos propostas sobre a ocupação do território, a mobilidade, o saneamento, o meio ambiente. Sua gestão, a representação metropolitana, os meios de potencializar os esforços locais, precisam estar no debate eleitoral. Por certo interessam à academia, aos movimentos sociais, aos órgãos representativos, à economia, enfim, à sociedade.
A mobilidade é outro tema que exige acordo. O padecimento de milhões de cidadãos no deslocamento diário é inquestionável. Uma política de mobilidade precisa ser construída. As deseconomias monumentais não podem ser vistas com desdém ou desalento. É preciso que encontremos um mínimo de racionalidade nas decisões que alcançam milhões de pessoas.
E a Baía de Guanabara? Vital para a ocupação da cidade, é essencial para a maior parte da metrópole. Sua recuperação dinamizará a Baixada, o Leste Metropolitano e reforçará a centralidade do centro histórico. A importância da baía para a Olimpíada poderá ser estímulo a acerto interinstitucional.
A Habitação clama por um acordo. A confusão entre favela e violência exacerba opiniões pela “erradicação”. Todavia, temos experiência que precisa ser considerada, onde se constata a inutilidade da remoção com propósito de redução da violência. Conjuntos residenciais, como Cidade de Deus, são evidência de que não está na forma urbana a matriz da questão.
Já temos um acordo: não queremos territórios dominados pela bandidagem, sejam eles bairros, loteamentos, conjuntos residenciais ou favelas. Queremos o Rio sob a Constituição, sem exceção de área alguma.
Assim, o êxito das Unidades de Polícia Pacificadora, conduzidas pelo governo do estado, é promissor. Onde estabelecidas as UPPs, há demonstração de uma nova vida social, sejam favelas (Santa Marta, Cantagalo), conjuntos (Cidade de Deus) ou loteamento (Batan).
Mas, com o governo presente, não será mais favela? A experiência nos diz que é possível urbanizar loteamentos e favelas com alto grau de eficácia quanto a infraestrutura, equipamentos e serviços públicos. E que apresenta melhores resultados econômicos e sociais do que seria a alternativa de reassentamento das famílias. O entendimento em um planejamento de médio prazo que possa urbanizar todas as favelas consolidadas, garantindo implantação dos serviços públicos, inclusive o de controle, por certo mudará a história — e, se os Jogos de 2016 forem um marco para tanto, seu legado será socialmente o mais transformador possível.
Finalmente, as oportunidades objetivas dos grandes eventos. A Copa e a Olimpíada servirem como reforço da centralidade metropolitana localizada no Centro Histórico é cada vez mais presente. O aproveitamento da área portuária como sede de importantes equipamentos será passo decisivo. Com ele, se potencializarão os olhares por sobre a Zona Norte suburbana e os investimentos em transporte, habitação, saneamento e, sobretudo, recuperação ambiental e econômica. Novas oportunidades se apresentarão, capazes de frear a expansão inglória que a cidade experimenta, em crescente e ingovernável dispersão.
Está na hora de o Brasil desejar um ambiente urbano qualificado. Mas, isto não se resolve por mágica. Precisa estar na agenda. Precisamos convidar ao debate urbano os candidatos ao governo.
Veja aqui o artigo no formato original.

domingo, 2 de maio de 2010

Porto Olímpico

Sérgio Magalhães
Cada passo precisa ser comemorado.
O de hoje é a notícia de que as quatro instâncias brasileiras protagonistas da organização da Olimpíada de 2016, Prefeitura/Estado/União/COB, já chegaram a um acordo sobre a proposta de levar para a área portuária uma parte importante dos Jogos.
No caso, a Vila da Mídia (com cerca de 8500 apartamentos) + Centro de Mídia + algumas modalidades esportivas.
Esse acordo será debatido com o COI em meados do mês, visando a concretização da proposta. Sendo aprovada, um novo horizonte se abre para o fortalecimento do Centro e da Zona Norte. O legado olímpico terá uma abrangência metropolitana e um interesse muito mais efetivo para o futuro da cidade.
Veja a reportagem do Globo: A nova âncora do Porto

Os 100 de 2010

Sérgio Magalhães
A revista Time publica sua relação de 100 personalidades mais influentes do mundo.
Dois brasileiros estão presentes: Lula e Jaime Lerner.
O presidente não chega a surpreender na categoria de Líderes, na companhia de Obama e outros influentes políticos mundiais. Ele já era “o cara”.
Mas, o arquiteto, na categoria de Pensadores, por seu trabalho como urbanista, é excelente novidade. Vale a pena conferir a justificativa pela escolha:
The 2010 Time 100: Jaime Lerner