terça-feira, 25 de outubro de 2011

O Redesenho das cidades

Sérgio Magalhães
*Artigo publicado originalmente no jornal O Globo de 22/10/2011
Dados do IBGE, recentemente divulgados pelo GLOBO, dizem que 40% dos municípios brasileiros não têm rede coletora de esgotos, que 70% dos esgotos da Baixada Fluminense deságuam sem tratamento na Baía de Guanabara,entre outras informações de teor semelhante. Reclama-se da falta de investimentos.Mesmo abundantes, não serão suficientes — sem um novo desenho da cidade.
Cada época relevante impregna a formadas cidades. Com um olhar atento, é possível identificá-las, em trechos urbano sou em construções significativas.
O Rio de Janeiro é uma cidade com multiplicidade formal. É o binômio paisagem + urbano que caracteriza a cidade. Não obstante, em trechos específicos,os diversos tempos podem ser percebidos:a cidade republicana,definida por Pereira Passos; a cidade da bem aventurança,resultante da descoberta do mar como lugar de prazer, na Zona Sul; a cidade industrial, dos subúrbios da Zona Norte; a cidade da expansão pelo automóvel,na Barra. São algumas expressões do Rio.
Em todos os casos, porém, as cidades se fazem correspondendo a desejos.Obedecem a razões que assumem relevo em cada época.
E, por embaralhados que possam estar na compreensão coletiva, esses desejos se transformam em desígnios, sintetizados por desenhos, por projetos.
Os desenhos constituem-se em síntese de uma complexidade ampla, fundada nos sentimentos difusos do coletivo e nas objetividades ditadas pela prática— econômica, tecnológica, política, social, cultural. Os desenhos, portanto,tem “prazo de validade”. São produzidos segundo paradigmas, e continuam produzindo efeitos ao longo do tempo em que desejos e fundamentações permaneçam valiosos.
Estamos vivendo um tempo de inflexão no processo de urbanização brasileiro. Chegamos a 200 milhões de brasileiros, quase todos urbanos,quando ao início do século XX eram apenas 4 milhões de citadinos. Isto é, em cem anos, multiplicou-se mais de 40 vezes a população de nossas cidades.Porém, daqui para a frente será diferente. A população tende à estabilidade.As taxas de crescimento demográfico são muito baixas em várias metrópoles,inclusive no Rio de Janeiro. Isto produz um quadro radicalmente novo — que pode ser promissor.
Em oposição, nossas cidades seguem investindo prioritariamente em estruturas urbanísticas baseadas no modo rodoviário, matriz da expansão em baixa densidade, predadora de território. Nesse modelo, investir em saneamento é trabalho sem fim.
O automóvel é obviamente um elemento de conforto, e como tal é muito desejável. Porém está demonstrado que não deve ser protagonista nas decisões urbanísticas, sobretudo quando a mobilidade com qualidade é um direito em afirmação.
Contudo, nossos planos urbanísticos— todos eles — foram concebidos na perspectiva do crescimento demográfico, da expansão territorial e no modo rodoviário. Seus prazos de validade estão vencidos.
Ademais, há novos desejos.
As preexistências e o patrimônio são valorizados. Edificações ou regiões que perderam funcionalidade esperam ser readequadas, em vez de abandonadas.E isso está em sintonia com o melhor aproveitamento do território urbano.
A consciência ambiental se fortalece.A exigência democrática impõe que a cidade seja acessível a todo cidadão, que as infraestruturas, inclusive a de saneamento,os bens e os serviços públicos alcancem todo o tecido urbano.
Porém, a universalização dos serviços públicos, inclusive o de segurança,somente se materializa com um Estado presente, que não discrimine partes da cidade. Nossas cidades precisam incorporar essa dimensão de cidadania, com a Constituição vigorando em todo o território. Isto não se faz apenas com a intenção, mas comas condições efetivas, inclusive financeiras,para as quais o desenho da cidade não é indiferente. É necessário termos clareza dessa interrelação entre possibilidades e forma urbana.
Não é razoável que clamemos por cidades bem servidas, saneadas, limpas,seguras e simultaneamente continuemos a expandi-las predatoriamente. Na expansão em baixa densidade está a perenização da escassez de Estado — mesmo que a impostos crescentes.
A cidade extensa, ávida por território,deve dar lugar à cidade densa, ávida por qualidade ambiental e por bons serviços públicos. É necessário que nossas cidades se redesenhem à luz da nova realidade demográfica e dos desejos do século.
No Brasil, temos 18 metrópoles, duas megacidades, onde o urbano não se esgota nas fronteiras municipais,pois são cidades contínuas. É outra realidade, a demandar novas respostas. Também elas precisam do desenho que sintetize a complexidade e os valores do tempo.

2 comentários:

  1. Ando um pouco decepcionado com este blog. Fico na expectativa de que me apareçam urbanistas querendo fazer propostas efetivas ou mesmo pontuais de mudanças urbanas e pouco vejo nessa direção. A situação é crítica. Salta aos olhos de qualquer um com interesse no crescimento harmonioso da cidade que o caos, a bagunça em qualquer cidade brasileira é a regra. Na minha caça as bruxas, o primeiro que miro são os empreiteiros e o segundo os arquitetos descompromissados com a cidade. Sinceramente, espero que o blog saia dessa cavaqueira urbanistica sem força e nos dê rumo. Questões que me pareceram triviais aos urbanistas como a dimensão ótima dos prédios quer para as cidades em geral, quer para bairros específicos nunca vi por aqui.

    ResponderExcluir