segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Manuel de Solà-Morales


André Luiz Pinto
Faleceu hoje, aos 73 anos, o arquiteto e urbanista Manuel de Solà-Morales.
Uma das figuras mais importantes na transformação de Barcelona, Solà-Morales combinou sempre a prática profissional à atividade docente e teórica consolidando um acervo de alto nível que pode ser visto no site http://www.manueldesola.com/
Uma grande perda para a arquitetura e o urbanismo.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Improviso, gambiarra e jeitinho

Sérgio Magalhães

*Artigo publicado originalmente no jornal O Globo de 11/02/2012

Nos últimos cinqüenta anos, nosso país viveu um tempo mágico. Triplicou a população, passou de subdesenvolvido a emergente, tornou-se potência em múltiplos aspectos. Incorporou dezenas de milhões à cidadania. Decuplicou a população das cidades –principal plataforma do crescimento nacional.

Até aqui viemos. Para a frente, as responsabilidades, a democracia, a presença internacional, exigirão do Brasil outros compromissos. A estabilidade demográfica e a economia mundial sugerem que sejamos mais atentos ao que queremos e ao modo de conquista-lo.

O poeta Antonio Cícero propõe a desautomatização do pensamento para apreender. É uma boa expressão, que sugere a re-visão de mitos e modelos. Entre eles, por certo se encontra o mito de que o país só se faz com o improviso, com o jeitinho.

Não há mais lugar para o desperdício e falta de transparência nas decisões. Os desejos demandam explicitação para que possam ser construídos coletivamente. É a explicitação que reduz a arbitrariedade e, não menos importante, a corrupção.

O projeto é o instrumento civilizatório que responde a essa questão, que diz qual é a intenção de futuro e permite que antecipadamente a compartilhemos, que a dimensionemos, que a provisionemos, para que a construamos segundo o desejado.

Mas o país desdenhou esse instrumento, quase desaprendeu planejar.

O que faremos para nossas cidades serem sustentáveis? Qual o projeto que temos para a ocupação urbana: mais expansão predatória? E para a mobilidade? Quais são as redes de transporte a implantar? A que custo? Quais são os projetos para nossas águas urbanas e para o saneamento?

Nas cidades, a falta de projeto (logo, de debate) encobre as assimetrias entre agentes urbanos e induz os governos a pressões unilaterais e desproporcionais de interlocutores mais bem posicionados.

A falta de projeto também pode levar a obras ou programas superados em conceito ou oportunidade.

Veja-se o programa Minha Casa, Minha Vida. Após décadas sem política de habitação e sem debate, quando o governo resolve contrapor-se à crise, para criar emprego e expansão industrial, adota o modelo do antigo BNH, superado desde os anos 1980. Foi um improviso, paradoxalmente déjà vu. O MC,MV merece um projeto contemporâneo, social e urbanísticamente relevante.

E os aeroportos? Sabe-se que são anacrônicos, arquitetônica e funcionalmente. Desconhecem-se autorias e custos das gambiarras sucessivas que desqualificam essas portas do país. Agora, alguns serão privatizados. Há determinação quanto a projetos e sua qualidade?

Elaborar projetos pressupõe definir conceitos, fazer escolhas, indicar procedimentos –e, em quase todos os casos, intervir no espaço da cidade, influir nos limites do público e do privado, criar novas relações sociais, econômicas e políticas.

Em artigo publicado em O Globo, a propósito da queda do edifício Liberdade, o professor J.M. Wisnik sugere que a causa da ruptura poderia ser o que chama por “gambiarra carioca”: “no Rio, a gambiarra parece ser o próprio fundamento para o funcionamento das coisas”.

Receio que tal avaliação seja restrita: seria ótimo para o país que a gambiarra fosse apenas no âmbito carioca –seria mais fácil enfrentá-la. Mas, há evidências para considerar que ela é mais ampla, e que é o país que clama por uma revisão de “cultura”, do improviso para a programação, para a prevenção, para o projeto.

A falta de projeto pode levar a danos irreversíveis, como ocorreu no Liberdade, de belo nome e triste destino, provavelmente vítima da gambiarra de que fala Wisnik. É o responsável pelo 9º andar quem afirma que as decisões de obra foram tomadas pela contadora da empresa. Voltada à tecnologia moderna, a empresa estava desatenta aos seus limites profissionais.

Infelizmente não é caso isolado. Como a imprensa publicou, passarela construída pelo Metrô do Rio, na Cidade Nova, teria sido, em parte, concebida pelo então presidente da companhia, um banqueiro. Muito próxima, foi construída uma ponte para os trens da mesma empresa, a qual leva o laurel de uma das obras mais feias da cidade. Quem a projetou? Como foi considerado o interesse público de preservar o ambiente paisagístico de um trecho importante da metrópole? É o projeto que permite antecipar o fato e levar à reflexão coletiva.

Mas tais questões não se resolvem com o Estado monitorando cada passo. É uma tarefa do Estado, das instituições e dos cidadãos. Cada ação nossa tem responsabilidade coletiva. As sociedades que se democratizam compartilham valores para além do obrigatório.

Talvez tenhamos nos acostumado com a ausência de projeto e do conseqüente debate. Mas será necessário retomá-los como prática em todas as escalas, do urbano ao edilício, seja no âmbito público, seja no privado. Lembremos: é da plataforma das cidades que se projeta o desenvolvimento do país.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Corbusier em chamas...

Conexão Europa
Segundo os bombeiros locais o incêndio no ícone da arquitetura de Le Corbusier, o conjunto habitacional "Cité Radieuse", em Marselha, foi controlado nesta manhã de sexta-feira.
Aproximadamene 1500 pessoas foram obrigadas a deixar suas casas durante a noite. Vários apartamentos e quartos foram destruídos. A extensão dos danos foram difíceis de avaliar
Classificada como monumento histórico, o edifício foi seriamente danificado no incêndio que deixou cinco pessoas feridas, incluindo uma mulher 91 anos de idade, que foi levada ao hospital em estado graveDois bombeiros também ficaram feridos enquanto lutavam o fogo, um no ombro e outro na perna.
La Cité Radieuse foi construído em 1947 e compreende cerca de 337 apartamentos, hotel, restaurante, áreas desportivas, instalações médicas e educacionais.
Conheça os vídeos de um documentário da TV5 sobre o conjunto:

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

O enigma da favela

Luiz Fernando Janot
Diz uma lenda grega que a Esfinge, uma criatura mitológica das civilizações do Egito e da Mesopotâmia, após invadir a cidade de Tebas e destruir todas as suas plantações, teria ameaçado os moradores que não conseguissem decifrar o seu enigma, dizendo: decifra-me ou te devoro. A lição extraída dessa passagem talvez não seja o suficiente para levar a sociedade a refletir sobre o verdadeiro significado das favelas na estrutura da cidade. Mas, de alguma forma, aponta um caminho para decifrar o seu enigma: o conhecimento da sua realidade, da sua complexa organização espacial, das suas particularidades, das suas vicissitudes, dos seus defeitos, das suas qualidades e, principalmente, da sua cultura.

Pode causar estranheza, mas quem hoje circula pelas ruas estreitas das velhas cidades medievais ou pelos caminhos íngremes e sinuosos das ilhas gregas, desfrutando da sua beleza singular, talvez não imagine que aquelas ruas e construções, em tempos remotos, já foram habitat das camadas pobres daquelas regiões. A transformação desses locais em ambientes acolhedores se deve, indiscutivelmente, à preocupação dos povos europeus em respeitar a espacialidade original das suas cidades e, concomitantemente, oferecer melhores condições de vida para os seus moradores. Portanto, não parece impossível antever um futuro semelhante para as favelas cariocas.

A resposta positiva que a sociedade vem dando às formas de integração social com as favelas pacificadas indica que essa possibilidade pode ser perfeitamente viabilizada. Já se percebe um grande contingente de pessoas frequentando regularmente as favelas, participando de eventos e interagindo com a população local sem as preocupações de outras épocas. Para que esses territórios sejam urbanizados e integrados definitivamente ao contexto urbano da cidade oficial basta que se tenha vontade política. Mas não parece que é isso que está acontecendo. A decisão do prefeito de que a urbanização das favelas cariocas seria o principal legado das Olimpíadas de 2016 o levou a determinar a contratação dos 40 escritórios técnicos selecionados no Concurso Morar Carioca, em dezembro 2010, para elaborar os projetos de urbanização e de melhorias habitacionais em diversos agrupamentos de favelas cariocas. Entretanto, até hoje, mais de um ano após a divulgação do resultado do concurso, o processo de contratação das equipes continua tramitando pelos gabinetes da burocracia oficial, sem solução à vista, enquanto as comunidades continuam se expandindo desordenadamente, estimuladas pela demanda de moradia e do crescimento familiar.

Apesar da impressão que se tem de que o progresso jamais passou por perto dessas comunidades, é surpreendente verificar a existência de soluções criativas na produção do espaço construído. O exame dessas preexistências revela uma variedade extraordinária de manifestações técnicas e culturais transmitidas, de geração em geração, através de um rito de passagem que valoriza o conhecimento e o utiliza como instrumento de sobrevivência diante da carência de recursos materiais. A política tendenciosa que preconiza a remoção integral das favelas para em seu lugar construir conjuntos habitacionais não passa de um equívoco prático e conceitual. Nos dias de hoje, não há mais lugar para a velha retórica em defesa de soluções urbanísticas e arquitetônicas que desprezam o patrimônio cultural da cidade e, nesse sentido, a favela é uma dessas expressões. Na verdade, esse pensamento só favorece às empreiteiras interessadas em realizar grandes obras rapidamente e aos políticos que vivem exclusivamente dessas realizações.

É preciso entender que os moradores dessas comunidades possuem histórias de vida e que, nesse percurso, fizeram investimentos materiais e imateriais que não podem ser desconsiderados. Nas favelas e nos loteamentos irregulares a cultura se manifesta através da moradia individual e da organização social nos espaços públicos. Portanto, a vivência dessas pessoas, incorporada aos projetos de urbanização e de melhorias habitacionais, é o melhor caminho para a adequação espacial dessas comunidades e, consequentemente, para a sua integração ao tecido urbano da cidade. Ignorar o fato de que a favela faz parte da cultura carioca há mais de um século é negar a sua preexistência e, também, o seu modo espontâneo de habitar. Portanto, não há como justificar o emprego de soluções universais para resolver problemas particulares e de caráter específico. Vivemos em uma época de profundas transformações, onde, certamente, as culturas locais terão um papel relevante a desempenhar. Em meio ao turbilhão de ideias, conceitos e interesses diversos, somente o tempo poderá dizer se, de fato, o enigma da favela foi decifrado. Quem viver verá.

LUIZ FERNANDO JANOT é arquiteto e urbanista. E-mail: lfjanot@superig.com.br