Sérgio Magalhães
*Artigo publicado originalmente no jornal O Globo de 08/09/2012
A formação clássica da família,
‘casal com filhos’, deixou de ser maioria no Brasil, segundo o IBGE. Hoje, outros
tipos de família formam a maioria. São famílias pequenas: casais sem filhos, um
genitor e filhos, ou unipessoais.
Qual a influência dessa nova constituição
familiar em nossas cidades?
Na década de 1930, Frank Lloyd
Wright, notável arquiteto americano (autor do projeto do Museu Guggenheim, em
Nova York), que considerava a vida gregária como escravizadora, concebeu um modelo
de cidade onde cada família teria um grande lote, quase meio hectare, para “a
formação de uma nação de homens livres e independentes”. Tal “urbanismo
naturalista” estimulou o subúrbio norte-americano, de baixa densidade,
homogêneo e monofuncional, moldado pelo automóvel –de fato, a anti-cidade. O
modelo teve larga repercussão, e também é matriz do hoje conhecido condomínio
fechado.
Mas, neste século 21, as cidades se
consolidam como lugar do desenvolvimento, do conhecimento e da inovação. A
mudança na constituição familiar reflete os avanços sociais, sanitários,
culturais, políticos e econômicos que têm a cidade como fonte. Para a nova
família, a conexão com os equipamentos e serviços urbanos precisa estar à
disposição com maior presteza e intensidade do que se fazia necessário quando a
família era extensa. A casa será menor, mas mais equipada, mais bem inserida no
contexto urbano. Moradia e cidade formam um só corpo.
Em simultâneo, embora os sistemas
eletrônicos absorvam grande parte da comunicação interpessoal, paradoxalmente, o
deslocamento físico sofreu grande impulso. A mobilidade tem aumentado no tempo
e em proporção ao tamanho das cidades. São mais oportunidades de convívio, mais
interesses dispersos, que produzem uma interação mais rica –e que exigem mais
deslocamentos. Não apenas casa-trabalho, mas em múltiplas direções; não em
linha, mas em rede –tal como nas comunicações eletrônicas. Isto é, um tecido
urbano mais complexo.
Com a família menor, a cidade com
diversidade urbanística e arquitetônica é ainda mais desejável. A família
pequena precisa do apoio das disponibilidades coletivas, para ela torna-se essencial
uma cidade bem mantida, bem conservada. Uma cidade mais densa, um espaço
público com vitalidade.
A cidade extensa, com território
infinito, não se sustenta nesse novo panorama. É ilusório achar que se constrói
o futuro quando simultaneamente se permite a perda de densidade demográfica nas
cidades. Não se conseguirá dotar esse futuro com os requisitos da sua contemporaneidade.
Novos bairros, grandes conjuntos, grandes condomínios, homogêneos socialmente e
monofuncionais como os subúrbios de Wright, mesmo que verticalizados, se
isolados da cidade, já nascem obsoletos.
Como afirma Renzo Piano, grande
arquiteto italiano (co-autor do projeto do Centro Pompidou, em Paris): “Uma
cidade não acontece construindo mais e mais na periferia. Se você tiver de
crescer, cresça dentro.”
A família contemporânea, pequena, deseja
ainda mais cidade.
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