segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Mercado reage a um cidadão mais integrado à metrópole


por Valter Caldana
especial Folha de São Paulo
Há uma percepção geral e intuitiva da necessidade de uma cidade compacta
A maior parte -63%- dos próximos lançamentos de imóveis residenciais em São Paulo vai estar a até 1 km de estações de metrô operantes, em construção ou anunciadas. Este é um dado importante para pensar o futuro da cidade.
Nele se observa que o mercado imobiliário passa a colocar em prática um velho conhecimento: em grandes cidades a localização define a qualidade de vida do morador tanto quanto as características físicas do imóvel, como tamanho ou acabamentos.
Hoje já se pode dizer que uma característica do século 21 é que o cidadão habitará cada vez mais a cidade como um todo, ou seja, seus serviços, suas potencialidades de emprego, educação etc. A cidade passa de palco a protagonista da vida urbana, daí a importância da mobilidade e da localização da moradia.
Se o mercado imobiliário reage às intenções de consumo de seus clientes, conclui-se, também, que houve uma significativa evolução na capacidade crítica do cidadão, que passa a exigir um imóvel mais completo, mais urbano.
Estes dados mostram um cidadão que, mesmo que intuitivamente, percebe a necessidade de uma cidade mais compacta, acessível e econômica, sem os pesados custos indiretos dos grandes deslocamentos. Uma cidade descentralizada, não espalhada, densa e que não confunda densidade com verticalização.
Não por outro motivo, no Plano SP2040, feito pela prefeitura com universidades e entidades civis, a "cidade de 30 minutos", que propõe como meta este intervalo máximo de deslocamento do cidadão para qualquer de seus destinos cotidianos, é um item dos mais importantes.
Estes dados confirmam, por fim, a necessidade de mudança do modelo de urbanização de São Paulo -que, de cidade do carro, deve voltar a ser a cidade do cidadão.

Cidade e Cultura


Sérgio Magalhães
*Artigo publicado originalmente na revista Ciência Hoje nº 298.
É comum ouvirmos dizer que a cidade é o maior e mais importante produto da cultura. Tal como a literatura, a pintura, a música, entre outras manifestações do espírito humano, também a arquitetura e o urbanismo expressam o tempo e o contexto em que se apresentam. Sendo trabalhos de autor, também são produtos embrenhados no coletivo e nas influências a que se associam.

Há poucos exemplos no mundo de cidades produzidas tão claramente como expressão de um tempo e de determinadas circunstâncias como Brasília. Não apenas nas decisões políticas que permitiram sua concretização, mas, em especial, no próprio desenho arquitetônico-urbanístico que orientou sua materialização no cerrado brasileiro.

Foi a maestria de Lucio Costa que permitiu a estruturação simples e monumental da nova cidade; foi a invenção de Oscar Niemeyer que ofereceu aos edifícios a síntese formal capaz de imediatamente comunicar um novo tempo. Foi da união entre os projetos urbanístico e arquitetônico que o país e o mundo conheceram as imagens tão belas e tão impregnantes que deram a certeza de que, ali, se construía um novo país. Essa convicção permitiu que, tendo se realizado o concurso público para escolha do plano piloto em 1957, a nova capital pudesse ser inaugurada já em 1960.

É claro que os arquitetos de Brasília, dos mais bem informados de seu tempo, sabiam o que acontecia em outros lugares, conheciam as arquiteturas mais prestigiadas, e delas recebiam influências importantes – e também nelas conformavam novos valores.

Todo este preâmbulo é para lamentar o que está sendo proposto para a capital do país. O governo do Distrito Federal acaba de contratar uma empresa de Cingapura para elaborar um plano estratégico econômico-urbanístico que oriente o desenvolvimento da cidade nas próximas cinco décadas: “Brasília 2060”.

É louvável que o governo do DF busque planejar o futuro de Brasília. Como as demais grandes cidades brasileiras, a capital federal se ressente da ausência de políticas públicas consistentes, carência que o país precisa superar para garantir seu pleno e democrático desenvolvimento.

É necessário que cada cidade tenha seu planejamento, seus planos e projetos; concebidos e debatidos amplamente, para terem legitimidade. Planos que permitam alcançar a ordenação do território no médio e no longo prazo, como um instrumento de Estado. Pela importância que têm para os cidadãos e para o desenvolvimento nacional, as cidades não podem ser planejadas apenas para o dia seguinte, como uma decisão de governo.

Assim, também a nossa ‘capital da esperança’, Patrimônio Cultural da Humanidade, precisa desenhar seu futuro urbanístico para além do núcleo original, do qual é absolutamente indissociável. Nessa simbiose está a maestria requerida. É um trabalho requintado, sofisticado, que – à altura daquele talento fundador da cidade – exige a compreensão das dimensões políticas, sociais e culturais em jogo. Brasília não é de um governo. Brasília é a cultura brasileira plasmada no espaço do planalto central.

Planejar-se o futuro de Brasília a partir de pranchetas localizadas em Cingapura é um crime de lesa cultura. A capital federal não pode dar a si mesma um atestado de deslumbramento ingênuo ante expressões urbanísticas e arquitetônicas de outro contexto e de outra cultura – as quais, aliás, e com todo o respeito, se apresentam como transplantadas dos países mais desenvolvidos.

O Brasil tem 20 metrópoles, duas megacidades, uma população urbana de 175 milhões de pessoas, que tem demonstrado uma capacidade invulgar de construir um futuro com determinação, democracia e esperança.

A capital federal é o símbolo material desse espírito.

Brasília by Cingapura

Sérgio Magalhães
*Artigo publicado originalmente no jornal O Globo de 10/11/2012

Tal como a literatura, a pintura, a música, entre outras manifestações do espírito humano, também a arquitetura e o urbanismo expressam o tempo e o contexto em que se apresentam. Sendo trabalhos de autor, também são produtos embrenhados no coletivo.

Há raros exemplos no mundo de cidades produzidas tão claramente como expressão de um tempo e de determinadas circunstâncias como Brasília.


A maestria de Lúcio Costa é que permitiu a estruturação simples e monumental da nova cidade; a invenção de Oscar Niemeyer é que ofereceu a síntese formal capaz de comunicar um novo tempo. A união entre os projetos urbanístico e arquitetônico fez surgir imagens tão belas e tão impregnantes que deram a certeza de que começava um novo país. Essa convicção levou a que, tendo se realizado o concurso público para escolha do Plano Piloto em 1957, a nova capital pudesse ser inaugurada já em 1960.


É claro que os arquitetos de Brasília, dos mais bem informados de seu tempo, sabiam o que acontecia em outros lugares, conheciam as arquiteturas mais prestigiadas, e delas recebiam influências importantes — e também nelas conformavam novos valores.


Este preâmbulo é para lamentar o que está sendo proposto para a capital do país. O governo do Distrito Federal acaba de contratar uma empresa de Cingapura para elaborar plano econômico-urbanístico que oriente o desenvolvimento da cidade nas próximas cinco décadas: “Brasília 2060”. (Aliás, contratada sem concurso público, sem licitação.)


É louvável que o governo do DF busque planejar o futuro de Brasília.


É necessário que cada cidade tenha seu sistema de planejamento, seus planos e projetos — concebidos e debatidos amplamente, para terem legitimidade. Planos para a composição do território no médio e no longo prazos. As cidades não podem ser projetadas apenas para um mandato, como uma decisão de governo.


Brasília cresceu e se multiplicou, tão sem cuidados adequados como as demais grandes cidades brasileiras. Assim, a “capital da esperança”, Patrimônio Cultural da Humanidade, precisa desenhar-se para além do Plano Piloto, do qual é indissociável.


Certamente, é um trabalho urbanístico sofisticado, que — à altura daquele talento fundador da cidade — exige a compreensão das dimensões políticas, sociais, econômicas e culturais em jogo. Brasília não é de um governo. Brasília é a cultura brasileira plasmada no espaço do Planalto Central.


Planejar-se o futuro de Brasília a partir de pranchetas localizadas em Cingapura é um ato de lesa-cultura. O país não pode dar a si mesmo um atestado de deslumbramento ingênuo ante expressões urbanísticas e arquitetônicas de outro contexto e de outra cultura — as quais, aliás, e com todo o respeito, se apresentam como transplantadas dos países mais desenvolvidos.


O Brasil tem 20 metrópoles, duas megacidades, uma população urbana de 175 milhões de pessoas, que tem demonstrado determinação invulgar ao construir o seu sistema de cidades.


A capital federal é o símbolo material desse espírito.