Sérgio Magalhães
*Artigo publicado originalmente no jornal O Globo de 05/01/2013
“Peço colonos de moralidade
mais comprovada, pois os que aqui vieram estão mais interessados em andar atrás
das índias nuas.”
Vegetação
exuberante, clima ameno, água farta, porto seguro, peixes e frutas abundantes,
população amistosa –a Baía de Guanabara era o Paraíso nos primórdios de sua
ocupação europeia, como sugere essa carta de Villegagnon, fundador da França
Antártica (1555), ao seu mentor, o chefe calvinista Coligny.
Expulsos
os franceses, foi a Guanabara que ofereceu as
condições geopolíticas e topográficas para o desenvolvimento e o prestígio da
cidade do Rio de Janeiro e de sua simétria, Niterói.Por mais de quatrocentos
anos a baía aguentou maus-tratos. Mas nas últimas décadas, foi demais. O
desmatamento assoreou seus rios, transformados em canais de esgotos. O lixo não
recolhido foi carreado para ela.
Só a generosidade do mar, todos os dias invadindo
as águas da Guanabara, é que permite a vida ante tanta agressão.
Os
planos de despoluição têm mais de vinte anos. Um ambicioso programa do governo
do Estado, na década de 1990, arrastou-se sem resultados visíveis. Problemas de
governança, problemas corporativos, projetuais e administrativos se somam para
inviabilizar uma solução.
Carlos
Heitor Cony diz que o “primado da burrice” imperou em determinado período de
nossa história –referindo-se aos impasses que o país construiu para si mesmo.
Essa atitude parece que também sustentou a ideia de que deveríamos ter ou a
solução ótima ou nenhuma solução para a Guanabara.
Felizmente,
a Olimpíada veio para sacudir nosso conforto. O compromisso da baía sediar
competições náuticas obriga a uma resposta
adequada e recomenda uma revisão de conceitos. Revisão que, como anuncia o
governo do Estado ,poderá ser capaz de conduzir à recuperação da baía no médio
prazo. (Há modelos semelhantes já testados sejam técnicos, , como tratar dos
esgotos em tempo seco e os rios na foz, sejam de governança ou projetuais). Se
se efetivar, será ação refundadora, igualmente por razões ambientais, sociais,
econômicas e urbanísticas.
O
renascimento da Baía de Guanabara tem poder para reestruturar a cidade como
metropolitana do Rio de Janeiro. Niterói, São Gonçalo, Magé, Caxias e a Baixada
Fluminense, a zona Norte do Rio, o Centro Histórico e parte da zona Sul, as
ilhas, o Porto – toda essa imensa região se beneficiará. Suas orlas e praias
poderão recuperar parte do antigo fulgor. E novos vetores de desenvolvimento para
a metrópole se moldarão, tendo como origem o polo Centro do Rio-Centro
de Niterói.
Este
momento de renovação dos administrações municipais é oportuno para que prefeitos
e governo do Estado possam alcançar um acordo propulsor da nova Guanabara. Tarefa de interesse geral, ultrapassa
mandatos. Também por isso precisará contar com a participação da cidadania, das
organizações sociais e da Academia no apoio, no monitoramento.(Gato escaldado
... não dá para só esperar os resultados.)
A
cidade reencontrando seu genius loci,
o “espírito do lugar”, como diziam os antigos: é o Paraiso de volta!.
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