Sérgio Magalhães
*Artigo publicado originalmente na revista Ciência Hoje 310 - dezembro/2013
Importantes
autores, como os sociólogos, como o espanhol Manuel Castells e a holandesa Saskia Sassen, conferem especial relevo ao papel das cidades
globais para a economia e a geopolítica mundiais. Lugar privilegiado para os
negócios, a cultura, a vida social, tais cidades seriam os nós vitais das
trocas, da inovação e do conhecimento contemporâneos.
Embora
tal compreensão não seja inédita, porquanto as cidades têm sido historicamente
os centros da política, da religião, da economia e da cultura – nos tempos
modernos os estados nacionais estiveram à frente no protagonismo internacional.
Não
obstante, no caso brasileiro, há quase duzentos anos atribui-se à condição de
capital a responsabilidade de motor propulsor do desenvolvimento. A sua
interiorização foi tratada como necessária para o melhor aproveitamento das
riquezas nacionais, associando-se essa estratégia a José Bonifácio. Lucio Costa
registrou, em sua Memória Justificativa do Plano Piloto da capital, que
Brasília seria “o sonho do Patriarca”.
De
fato, a historiografia brasileira confere a Bonifácio a ideia de transferência
da capital do Rio de Janeiro para o interior do país, consignada na primeira
constituição do Império, de 1824. Alguns citam Hipólito da Costa como o
pioneiro, através de seu Correio Braziliense,
editado em Londres a partir de 1808. Mas há omissão quanto ao papel
desempenhado pela estratégia inglesa no âmbito da guerra contra Napoleão,
claramente descrita por William Pitt (1759-1806), em discurso proferido no
Parlamento britânico, no segundo período em que foi Primeiro Ministro
(1804-1806).
Mr.
Pitt, o Novo, defendia um acordo entre Portugal e a Inglaterra para o domínio
do comércio internacional e a guerra contra a França, no qual era crucial
garantir a posse da “península” sul americana, do istmo do Panamá ao estreito
de Magalhães. Para tanto, como diz, “convém à Grã-Bretanha fazer assentar [no
Brasil] o Trono do Imperador Português”. (A tradução desse discurso foi publicada
em 1809 pela Imprensa Régia de Portugal.)
Em
essa fala, com 14 páginas, mais de oito são dedicadas à detratação da França
napoleônica, considerada por ele como a causadora da destruição dos reinos
europeus, da religião e da paz internacional.
Para
se contrapor a Napoleão, porém, não lhe bastava a aliança com Portugal. Para
garantir a hegemonia do comércio do hemisfério sul, exigia a mudança da Corte
lusitana para o Brasil, sob ameaça velada de invasão das terras brasileiras
pela Inglaterra.
O
que nos traz o interesse para o seu discurso é que associa o sucesso dessa
estratégia à fundação de uma nova capital do Império dos Braganças no coração
do Brasil.
“No
País das Amazonas (...) ou nas vizinhanças do Lago do Xarife, que é a origem do
Rio da Prata, ou seja, no Centro do
país, se edificará e fundará uma cidade denominada Nova Lisboa, para Corte
e assento do Imperador.”
Essa
descrição corresponde ao Planalto Central, onde, justamente cento e cinquenta
anos depois desse discurso de Mr. Pitt, não mais um Bragança, mas a República, fará
erguer a capital do Brasil. E com que característica geopolítica?
“De Nova Lisboa se abrirão
estradas reais, que, a maneira de raios que correm do centro para a periferia,
conduzirão de Nova Lisboa para Caiena, Santiago, Pará, Rio de Janeiro, Olinda,
Lima, etc (...).”
Nessa
concepção, de irradiação continental, estará descrita uma verdadeira proto
cidade global de Castells e Sassen?
De
certo é que, com a construção da capital, no século XX, tratou-se também de
implantar um sistema rodoviário radial que cruzou o país em todas as direções.
Não chegou a alcançar as cidades da América espanhola, como desejava o
primeiro-ministro inglês. Nisso D. João não lhe obedeceu. Afinal, Mr. Pitt já
havia partido desse mundo quando o Príncipe partiu de Portugal para a
Península.