*Artigo publicado originalmente na revista Ciência Hoje 316 - julho/2014
Sérgio Magalhães
Escrevo
às vésperas da Copa do Mundo, na expectativa de vitória brasileira e da
realização de um grande evento em todo o país. Também escrevo às voltas com
greves, ruas tomadas indistintamente por manifestações de portes variados,
cidades à beira de um ataque de nervos. Como estaremos quando esta revista
estiver nas bancas?
O
processo de urbanização vivido pelo país desde meados do século passado resultou
na quadruplicação da população urbana e na promoção de vinte metrópoles, com
duas megacidades. As melhoras nos índices sociais, de saúde, mortalidade
infantil, longevidade, alfabetização, educação, entre outros, tiveram na cidade
o seu suporte essencial e, em processo biunívoco, deram força ao crescimento
urbano.
O
processo político também foi vertiginoso. Superada a ditadura, o país implantou
uma democracia consistente, venceu a instabilidade financeira-inflacionária,
promoveu a melhora econômica de milhões de brasileiros e reduziu a miséria.
Estamos nos encaminhando para a sétima eleição geral desde a Constituição de
1988.
Contudo,
há uma sensação geral de desconforto que faz com que inclusive as grandes
conquistas estejam sob dúvida. Parece haver um consenso: a vida urbana tem se
deteriorado muito nos últimos tempos.
Dificuldades
na mobilidade, aumento da violência, ausência de serviços públicos ou
ineficiência na sua prestação, entre outros, são temas do quotidiano da imensa maioria
dos brasileiros, em especial nas grandes cidades. E este panorama não se
coaduna com a ideia de que o Brasil é um novo fenômeno mundial, a sétima
economia do mundo, um país rico.
Onde
está situado o descompasso?
A
Copa do Mundo, assim como os Jogos Olímpicos, certamente não são uma panaceia
para a superação dos nossos problemas. Porém atuam como potencializadores de
esforços e de recursos que estariam dispersos ou sequer seriam disponíveis.
Mas, justamente por se configurarem como um momento preciso, uma data
específica, é que conseguem a mobilização capaz de acelerar processos ou propor
novos desafios.
Artigo
assinado pelo presidente do Tribunal de Contas da União, publicado em O Globo
em 12 de junho, afirma que apenas 43% das obras de mobilidade urbana projetadas
como legado da Copa ficaram prontas. Diz o TCU que “o Brasil precisa planejar
melhor” e que a instituição “está engajada em um projeto de Estado para pensar
o país a longo prazo”.
Assim,
quando não se alcançam as metas elencadas e as promessas não se materializam, põem-se
à luz muitas das dificuldades estruturais ao desenvolvimento. E, entre estas,
encontra-se o descompasso entre as exigências do sistema urbano brasileiro e a
capacidade do Estado enfrentar os desafios urbanos contemporâneos.
O
Estado brasileiro cresceu muito nas últimas décadas. Mas ainda não atentou para
a necessidade de estruturar, nos três níveis de governo, um sistema de Planejamento
que seja compatível com os avanços políticos alcançados com a democratização.
Nós fomos capazes de construir um importante, complexo, diverso e rico sistema
de cidades. Mas nesse processo também se promoveu um enorme passivo
sócio-ambiental, crescente desigualdade intra-urbana e escassez na prestação
dos serviços públicos urbanos.
As
coisas ficaram mais complexas e a discricionariedade de bons e honestos
governantes não é mais suficiente. Os problemas urbanos não se resolverão por
mágica, por promessa ou apenas por “vontade política”. Nossas cidades precisam
de políticas públicas consistentes, implantadas com continuidade, de amplo
conhecimento, que garantam a todo cidadão o pleno exercício do Direito à
Cidade.
Vencido
o mês do futebol, espero que o Brasil tenha sido vitorioso. Se possível, também
nas quatro linhas. Mas, de qualquer modo, sairá desta Copa do Mundo um país
mais atento às dificuldades de suas cidades.