*Artigo publicado originalmente no jornal O Globo de 13/09/2014
Sérgio Magalhães
O
Brasil se encontra ante um desafio inédito. A resposta terá implicações
essenciais para o desenvolvimento, a equidade, o meio-ambiente e para a própria
democracia.
O
sistema político foi surpreendido em 2013 pela força das ruas e pensou
absorve-las no âmbito das eleições de 2014. Pode surpreender-se outra vez. Os
contornos imprevistos avançam além do embate eleitoral e pedem novos
encaminhamentos. O cerne da questão é o modo como a população urbana tem sido
(mal) tratada.
O
Brasil viveu longo período de crescimento demográfico e de urbanização da
população. A expansão das cidades era vista como natural. E os problemas urbanos
como típicos do crescimento, justificando as imprevidências e a falta de
planejamento. Construímos importante sistema de cidades, mas metade sem
saneamento, péssimo transporte, moradias precárias. Contudo, a sensação de
futuro se preservava.
Agora,
quando a população pára de crescer, a base muda. As cidades terão outras
referências e os movimentos de 2013 sinalizam nesse sentido. Seria o tempo de
qualificar as cidades.
Vivemos,
porém, fenômeno social que dobrará as cidades atuais. Hoje, no país, vivem três
pessoas em cada domicilio urbano; em uma geração, serão duas pessoas. Sem
crescer a população, isso implica aumentar em 50% o número de moradias, a que
se adicionará a substituição das obsoletas, novos equipamentos, novas
infraestruturas e serviços exigidos pela dinâmica geral. É possível estimar
que, em vinte e cinco anos, um outro Brasil urbano se somará ao Brasil urbano
de hoje.
Mas
o sistema de cidades está dado, pouco mudará. Se persistirmos no modelo urbanístico
atual, rodoviarista e predador de territórios, as cidades continuarão se
expandindo. Expandir sem aumento de população significa o esvaziamento da
cidade nas áreas hoje consolidadas. Isto é, infraestruturas sub aproveitadas,
transportes mais caros e mais demorados. Sobretudo, a inviabilidade dos
serviços públicos pelos altos custos. Ou seja, o aumento da desigualdade.
Como
fazer com que a cidade universalize os serviços públicos, qualifique os espaços
comuns, garanta a mobilidade adequada? Como alcançar a boa cidade, condição para
o desenvolvimento econômico e social?
O
Brasil precisará construir uma agenda especial para trocar o modelo urbanístico.
Não é fácil, é necessário. Cada dia no modelo antigo, mais extensa, menos densa
e menos bem servida fica a cidade.
A
nova cidade precisará se somar à cidade existente ficando onde está. Ao invés
de dispersar, concentrar e preservar a população. O aproveitamento dos vazios
urbanos e equipamentos degradados, bairros inteiros a recuperar, a urbanização
dos assentamentos populares e redes de transporte de alta capacidade são
algumas medidas nesse sentido.
É
uma agenda que pede nova gestão pública, planejamento compartilhado e projetos
consequentes. São eles que desenharão a cidade democrática.
Faz
parte deste século 21 a compreensão sobre as vantagens da equidade, o respeito
às razões do planeta e as virtudes da democracia – componentes essenciais do
ideário contemporâneo. As cidades, maior artefato da cultura, se desenham sintonizadas
no tempo.
O
desafio é inédito porque o país pouco cuidou do seu espaço urbano. Está na
hora. Neste mais um Brasil urbano, a soma há de ser melhor do que as parcelas.