*Artigo publicado originalmente no O Globo de 24/07/2010
Sérgio Magalhães
Ao sobrevoarmos São Paulo nos impressiona a massa infinita de altos edifícios. Em Belo Horizonte ou Curitiba temos modelo semelhante, embora menos radical. Nessas cidades, o edifício alto é hegemônico na definição da imagem urbana.
Em “A arquitetura da cidade”, o professor italiano Aldo Rossi avalia que as cidades são constituídas por um tecido urbano genérico que é pontuado por edificações excepcionais, as quais ajudam a compor a identidade coletiva
É o modelo de Paris: o tecido é constituído por edificações com seis andares.
Em pontos especiais, reforçados pelos bulevares, se localizam edifícios que se caracterizam pela qualidade,uso ou significado, não necessariamente por tamanho e altura.
Nova York é outro caso de interesse. Seus arranhacéus se organizam entre ruas e avenidas, as quais constituem também a imagem ambiental da cidade. O traçado do espaço público não submerge aos altos edifícios.
Esses exemplos evidenciam a diversidade na conformação das cidades e o desempenho das edificações no reconhecimento coletivo.
No Rio, a simbiose entre geografia e arquitetura define a multiplicidade morfológica que caracteriza a cidade.
Os indivíduos arquitetônicos não são mandatários do ambiente construído.
Não há uma imagem arquitetônica prevalecente. O conjunto, cada conjunto urbano, é o principal agente.Talvez por isso é que os cariocas dos anos setenta tenham atendido ao chamado de Millôr Fernandes e do“Pasquim” no combate ao “espigão”, invasor da escala.
No Rio, os edifícios que embasam a identidade cidadã sabem se inserir na ambiência, têm capacidade de se compor com as preexistências. São obras primas de interesse coletivo, como o Outeiro da Glória, Teatro Municipal, igreja da Penha, Central do Brasil, Maracanã, Museu de Arte Moderna, e, com liberdade de interpretação, o Pão de Açúcar, o Corcovado, a Lagoa.
Não obstante, ao intervir na cidade, quiçá definitivamente, a obra de arquitetura não é banal. Pequena que seja, sempre é de interesse coletivo. Ela compõe a complexidade do ambiente urbano. Na Cidade Maravilhosa, cada obra há de aspirar corresponder ao ambiente excepcional que a acolhe.
Os arquitetos defendem a escolha dos projetos de obras públicas por concurso. Não será uma opção corporativa, pois implica em uma participação muito maior e mais custosa do conjunto dos profissionais que se habilitam.
Certamente, é o reconhecimento da responsabilidade social que a arquitetura retém.
Foram escolhidas por concurso obras-primas como o Monumento aos Pracinhas (arquitetos Marcos Kondere Hélio Ribas) e o Aeroporto Santos Dumont (arquitetos MM Roberto).
Mas, também, são obras-primas outras em que a escolha não o foi por concurso, como o Museu de Arte Moderna (Afonso Reidy) e o Aterro do Flamengo (Burle Marx).
Agora, o Rio terá o Museu do Amanhã, projeto do espanhol Santiago Calatrava. O arquiteto é reconhecidamente competente, seu estudo preliminar tem características excelentes.
Precisa ser bem construído, a exemplo da Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre, de autoria do português Siza Vieira, obra de altíssima qualidade. Não diria o mesmo da Cidade da Música, de Portzamparc.
Sugere que o arquiteto francês ficou sem interlocução, levando-o ao exagero programático e projetual.
Por que Calatrava, Siza, Portzamparc, fazem obras tão qualificadoras? Porque são talentosos e em seus países se exercita a cultura arquitetônica — onde, em geral, os projetos são escolhidos por concurso.
Obras de alta qualidade são fruto dos projetistas, mas igualmente dos seus clientes, atentos à cultura. Nesse particular o concurso é modalidade imbatível, ao reduzir a discricionariedade dos agentes detentores das decisões, nem sempre dedicados à melhor escolha.
No Rio, sendo o espaço coletivo o cerne da ambiência, a qualidade das obras de interesse coletivo é fundamental.
Não dá para perder oportunidades, como, infelizmente, constato em ponte ferroviária e outra peatonal construídas recentemente na avenida Presidente Vargas.
Com a Copa de 2014 e com a Olimpíada de 2106 se multiplicarão as possibilidades: novas infraestruturas— avenidas, passarelas, estações —, vilas residenciais, equipamentos esportivos, edifícios de escritórios,hotéis, a reforma do aeroporto (como será o novo Galeão? Será capaz de mitigar sua atual mediocridade?).
Construir é importante, mas não basta. O carioca merece a garantia de que cada nova obra esteja em sintonia com a beleza e a qualidade do espaço de sua cidade. Não será inédito: é a sua própria experiência de rica arquitetura, a do bom edifício e do bom ambiente urbano, justamente como foi feita a Cidade Maravilhosa.
Olá, Professor Sérgio Magalhães!
ResponderExcluirComo vai?
Fiquei entusiasmadíssimo com o seu novo artigo no jornal O Globo e , justamente por isso, assim como já havia feito em outro e-mail, resolvi agradecê-lo pelo empenho e dedicação em levar mais uma vez o debate sobre a cultura arquitetônica em nossa cidade para a grande mídia. Muito obrigado.
Se no outro e-mail o parabenizava pela eleição da sua chapa para o IAB-RJ, desejando sorte e cobrando o compromisso, neste o parabenizarei pelo trabalho que eu já vejo ser feito com seu total empenho e dedicação. Como você me prometeu na sua mensagem anterior, o IAB vem realizando uma série de debates e trouxe novamente a questão dos grandes concursos públicos. Neste sentido, o parabenizo, e também a toda equipe do IAB-RJ, pela conquista de levar para a região do porto do Rio a vila dos árbitros e a vila de mídia, equipamentos olímpicos que impulsionarão, sem dúvida, a requalificação daquela região na direção que queremos.
Termino esta mensagem o comunicando a respeito do debate que vem sendo travado na comunidade do orkut chamada Arquitetura Contemporânea. Seu artigo está totalmente ligado ao tópico "nossa nova produção (inter)nacional", com 76 comentários, que começou sobre o debate a respeito do Calatrava no Rio e terminou com a necessidade de se comunicar e estimular a cultura arquitetônica em nosso país. Acho que é uma resposta bacana ao seu artigo, ver que em um site de relacionamentos esta mesma discussão está acontecendo de forma paralela por pessoas tão múltiplas e de diversos cantos do país.
Bom, mais uma vez obrigado pelo trabalho que vem sendo feito pelo IAB-RJ e por seus artigos. Me desculpe a intromissão em mandar mais uma vez um e-mail para você.
Um grande abraço
Conrado Vivacqua
www.transbordarquitetura.blogspot.com
Simplesmente sensacional o seu artigo. Nesta linha, aproveitei um comentário que tinha feito alhures e o transformei num post para o meu blog chutandoalata.blogspot.com. O reproduzo aqui para seu conhecimento e , se do seu interesse, faça uso como quiser.
ResponderExcluirAt
Marco Bittencourt
sábado, 24 de julho de 2010
Como os economistas fazem seus trabalhos: Um exemplo sobre Urbanização
Uma das características importantes na metodologia dos economistas pesquisadores é usar um modelo testável (se é que isso é possível em economia já que os próprios dados são invenções humanas e não da natureza) onde se possa endereçar uma questão por vez. O paradigma usual é o marginalista ou neoclássico, sem esquecer o que o Douglass North fala. Algumas observações são importantes. Quem domina a matemática tem vantagem comparativa e isso é válido para qualquer área. Em segundo lugar, em economia, sem um modelo você não anda. Se você não consegue enquadrá-lo matematicamente você anda com muita dificuldade, como bem sabia Friedman (que sabia matemática, mas achava que nem tanto), como bem sabia Hayek e tantos outros geniais. Mas existe um ditado que é muito válido: DEUS NÃO DÁ ASAS A COBRA. Ou seja, há espaço para todos, como demonstraram os geniais citados.
(...)http://chutandoalata.blogspot.com/
> Sergio,
ResponderExcluir> Parabéns pelo artigo de hoje no Globo. Acho que expressa o pensamento da maioria de nossos arquitetos Sempre achei que concursos são estimulantes a criação e sempre obtemos projetos melhores e mais criativos.
> Se tiver o artigo no computador e puder me mandar eu te agradeceria pois gostaria de salvar em vez de guardar recorte.
> Abraços
> Elane
> Sergio
ResponderExcluir> Sou também arquiteta , embora não exerça esta profissão mas talvez devido a ter tido esta formação me dói demais quando veja obras como estas que você citou na Presidente Vargas. Não consigo entender e pior, estou com medo que se alastre pela cidade, estas passarelas e viadutos exagerados, brutos... O que é isso?
> Nada a ver com o formato delicado da nossa cidade. Passo, infelizmente, todos os dias por eles e então fico ainda mais incomodada. Temos tantos excelentes arquitetos... Quem está fazendo estas coisas bizarras? Ficam falando em demolir a Perimetral (é feia sim mas sou contra pois é tempo de construir ou o trânsito do Rio vai parar!). Por que não fazem coisas lindas , leves como aquele viaduto de São Paulo, enorme porém suave ( embora em SP essas coisas nem sejam tão importantes ).
Se tiver uma resposta me diga, por favor.
Abçs,
Vera Leusin.
Prezada Vera,
ResponderExcluirmuito obrigado pela mensagem e pelo estímulo.
De fato, há coisas inimagináveis sendo propostas -e construídas! Mas a cidade é,mesmo, uma fonte inesgotável de todas as manifestações. Somente o debate dos temas, como este que você expõe, poderá enriquecer as opiniões e trazer as intervenções coletivas para um novo patamar de qualidade e interesse.
Cordialmente,
Sérgio