Artigo publicado originalmente, no O Globo de 20/11/2010
Sérgio Magalhães
Há uma verdadeira explosão habitacional em andamento no país, que molda definitivamente nossas cidades e a vida democrática brasileira.Dados do censo de 2010, divulgados pelo IBGE, dizem que a população do país é de 185 milhões, tendo sido visitados 67 milhões de domicílios.
A população aumentou 9% na década.Já os domicílios aumentaram 49%. Somos mais 15 milhões de brasileiros; construímos mais 22 milhões de domicílios.
Surpreendeu o baixo crescimento demográfico. Mas o dos domicílios, embora seguindo tendência anterior, foi muito maior do que o esperado.
Como a quase totalidade da população é urbana, depreende-se que houve um enorme crescimento da habitação nas cidades.
Que fenômeno é esse?
Para além de números, denota a vitalidade do povo brasileiro. Denota adesão ao modelo ocidental de desenvolvimento, que é urbano, onde as famílias tendem a ser cada vez menores. A média de pessoas por domicílio reduziu-se em 27% na década. Em contraponto, exige mais moradias: mesmo a população crescendo pouco, cresce muito o parque habitacional.
Como se dá esse crescimento?
Sendo a maioria da população pobre, o aumento se dá com as dificuldades que conhecemos. Pelo menos 20 milhões dos 22 milhões dos novos domicílios devem ter sido construídos exclusivamente com recursos familiares. Lembremos que, após trinta anos sem estímulo oficial para produção de moradias, o principal programa de financiamento habitacional da década, o Minha Casa, Minha Vida, teve como meta construir 1 milhão de moradias! Há uma clara dissintonia entre a demanda propulsora do povo e as respostas governamentais e coletivas.
Sabemos que a moradia é o mais dispendioso dos bens da família. E que habitação é casa mais as infraestruturas, equipamentos sociais e serviços públicos. Assim, a habitação é cada vez mais complexa e cara — e a família pode construir apenas o abrigo, a casa. Tudo o mais tem que ser provido coletivamente. As famílias constroem os novos milhões onde lhes é possível.
Sem políticas públicas e instrumentos de financiamento, nossas cidades se expandem para as áreas mais distantes das infraestruturas e dos serviços. Todavia, do modo como é imposta, a provisão da moradia é fator de ampliação da desigualdade social, justamente pela condenação das famílias pobres a uma vida urbana sem condições satisfatórias para o seu pleno desenvolvimento. Longe, com carência de infraestrutura e de serviços, inclusive os de transporte e de segurança pública,posterga-se sua plena inserção pelo menos por mais uma geração, na hipótese de que acreditemos que o tempo superará tais dificuldades. Os números do IBGE iluminam a distância que existe entre a idealização e a ação efetiva. Impõe-se considerar o tema da habitação em quadro compatível com suas dimensões sociais, econômicas e urbanísticas.
É claro que não há respostas mágicas.Nem respostas únicas. Mas,sem dúvida, precisamos partir da compreensão desse monumental esforço feito pelos brasileiros.
Reconhecendo a precariedade das soluções, é nossa responsabilidade coletiva apoiar medidas capazes de suprir de salubridade os domicílios já construídos. Melhorias que possibilitem instalações sanitárias adequadas a cada moradia,conquistando boas condições de insolação e aeração, passam a ser um patamar necessário à conquistado direito à habitação.
Por mesmo princípio, a urbanização dos assentamentos populares,dotando-os das infraestruturas indispensáveis e dos serviços públicos, inclusive o de segurança, é condição para um caminho de democratização de nossas cidades.
Todavia, precisamos de políticas públicas inovadoras e abrangentes, que deem atenção preventivamente a essa pujança coletiva.
Há uma capacidade econômica demonstrada nesse aumento de 49% no número de domicílios em apenas dez anos. Por certo, o crédito para a moradia, com o protagonismo da família, pode ser universalizado. Ele ajudará a que as moradias da próxima década sejam construídas sem expandir a cidade e apoiadas em uma rede de transporte público eficiente.
Nesse caso, a futura e previsível explosão habitacional moldará cidades melhores, ambientalmente saudáveis, socialmente mais justas, politicamente governáveis, mais democráticas.
Olá.
ResponderExcluirComo vai? Tenho vindo ao Rio com mais frequência, numa próxima nos encontraremos para um bom papo.
Vi seu artigo no O Globo deste sábado e, gostei. Se me permite entrar com algum comentário.
Concordo em que "... precisamos de políticas públicas inovadoras e abrangentes..." e, também de um processo aproveitando toda tecnologia disponível para a produção da "casa 1.0", dentro da mesma idéia de possibilitar a todos um automóvel, também proporcionar a todos a possibilidade de morar.
Mas morar é mais complicado. Há um problema sério que você aborda na questão do acesso ao crédito. Por outro lado, para que as moradias "...sejam construídas sem expandir a cidade..." precisamos de um projeto corajoso de garantir que os estoques de áreas vazias, públicas e privadas, devam ser usadas para novos programas de moradias. Trata-se de inserir o projeto de moradia no "mercado" de ocupação do território da cidade numa política corajosa. A tal ponto que o mercado irá enxergar que seus empreendimentos terão mais sucesso se a cidade estiver mais "...previsível, ambientalmente saudáveis, mais justas, politicamente governáveis, democráticas...", na medida em que os recursos públicos melhor distribuídos, garantirão o acesso de todos à infraestrutura, portanto, finalmente uma cidade de todos. Estou preocupado que, com a ascenção das classes menos favorecidas, ocorrido nos últimos anos, a demanda por habitação cresceu e vai crescer ainda mais, daí temos de lançar mão de coragem e de tecnologia de construção apoiadas em politicas de uso da terra adequadas.
Vamos rever: arquitetura é construção de moradias, projeto urbano é organização do espaço para garantir a permanência da cidade.
Amanhã passarei no IAB, quero informações melhores sobre os concursos que estão acontecendo.
grande abraço,
Dirceu Trindade
Arquiteto Urbanista