por miriam Leitão
*COLUNA publicada no jornal o GLOBO em 27/05/2012
De parar o trânsito
“O trem ‘garrou’ tudo”, me disse Geraldo, o motorista mineiro que estava me levando para a Bienal em Belo Horizonte. Tínhamos que atravessar a cidade e eu estava atrasada. Ele queria dizer que o trânsito tinha travado completamente. “Cê tem medo?” Eu dei carta branca, desde que ele respeitasse as leis de trânsito. Ele fugiu do excesso de fluxo de veículos atravessando uma linha de trem, uma favela e um cemitério. Chegamos.
O problema não era só daquele dia, nem só de Belo Horizonte. As cidades brasileiras estão com o trânsito cada vez mais inviável. A impressão intuitiva geral é que estamos marchando inexoravelmente para um dia “o trem agarrar” completamente. As pessoas culpam o contínuo crescimento da venda de carros dos últimos anos. De fato, a venda interna triplicou em sete anos. Era de 100 mil e está em 300 mil veículos por mês. No estado de Minas Gerais, 410 mil carros novos são vendidos a cada ano. Mas, evidentemente, não é o consumo que tem que se adaptar às possibilidades das cidades, é a mobilidade urbana que tem que ser repensada imediatamente.
Perde-se cada vez mais tempo no trânsito entre a casa e o trabalho. Isso é redução de produtividade da economia, aumento das emissões de gases de efeito estufa e, mais importante, perda de qualidade de vida. O trabalhador já chega cansado e estressado para trabalhar. As mercadorias não chegam em tempo, a produção fica mais lenta. O trânsito afeta a economia e a vida privada.
Quando se fala do problema logístico brasileiro, em geral as pessoas pensam na dificuldade de os grãos serem transportados da área de produção até o porto para serem embarcados. Mas o principal nó se forma de maneira cada vez mais desesperadora em cada centro urbano. E nem precisa ser cidade grande. As pequenas começam a repetir o mesmo padrão.
Na maior cidade do Brasil houve um dia de desespero na última quarta-feira com a greve do metrô. Incipiente, cobrindo apenas uma parte da cidade, o metrô é indispensável. Foi apenas um dia, felizmente. Provocou 240 quilômetros de congestionamento na cidade, três vezes mais do que em dias de engarrafamento considerado normal para os padrões da capital paulista. No estado de São Paulo, como um todo, são comprados um milhão de carros novos por ano.
“Embolou”, me avisou o motorista de táxi carioca, na última quinta-feira, e relaxou no volante, aumentando o volume da música que ouvia. Um acidente com uma moto foi criando círculos de paralisia no trânsito da Zona Sul do Rio. Levamos uma eternidade para cruzar a pequena distância entre dois bairros vizinhos. No estado do Rio são 252 mil carros novos por ano.
Os incentivos sucessivos que o governo vem dando à compra de carro se somam à queda dos investimentos em transporte de massa e à falta crônica de um sistema inteligente de gestão do trânsito. Isso está levando o país ao entupimento das artérias. Os trabalhadores têm que sair cada vez mais cedo de casa para tentar chegar ao seu trabalho.
O Censo de 2010 do IBGE mostrou que em São Paulo um terço dos trabalhadores levam mais de uma hora se deslocando até o trabalho diariamente. Isso significa mais de duas horas por dia, na viagem de ida e volta. Ou seja, dez horas por semana de cinco dias. Há casos muito mais espantosos, de trabalhadores que gastam de quatro a seis horas do dia para ir e voltar do trabalho. Que produtividade pode ter uma pessoa que vive esse transtorno?
Qualquer evento que quebre a rotina cria um processo exponencial de contágio que vai paralisando as cidades. Por isso, imagina-se o que será o Rio neste mês de junho, com os que desembarcarem para a Rio+20 e o aumento de pessoas indo para os mesmos lugares: membros das delegações, jornalistas, militantes de ONGs, especialistas, empresários, seguranças, chefes de Estado. O estrangulamento previsto resultou em decisão bizarra: o prefeito decretou ponto facultativo de três dias para os servidores públicos, para que menos gente fique na cidade. As crianças ficarão sem aulas.
O problema da mobilidade urbana deixou de ser apenas um desconforto das pessoas. Hoje ele reduz a expectativa de vida da população, provoca uma queda dramática no índice de produtividade do trabalho, afeta a logística das empresas. Qualquer pessoa sabe disso. Menos o governo. Ou melhor, os governos. Tudo se passa como se as autoridades não soubessem que as cidades brasileiras estão parando em congestionamentos de proporções cada vez maiores. O que esperam? Que tudo agarre ou embole completamente?
Imagine o que se poderia fazer com o tempo excessivo gasto no trânsito. Ficar mais tempo com os filhos, o que elevaria a saúde emocional das crianças. Fazer exercício físico regularmente, o que melhoraria o humor, a saúde e a autoestima de cada pessoa. Ler mais, o que elevaria o conhecimento. Dormir mais um pouco, o que reduziria o stress e tudo que é decorrente da supressão do sono.
O Brasil tem uma malha de metrô totalmente acanhada para as necessidades do nosso cotidiano, tem um sistema de concessões de ônibus que em algumas cidades chega a ser mafioso e tem compulsão pelo carro individual, que tem sido incentivada a cada pacote econômico. Esta semana foi anunciado o sétimo. Mesmo endividados, os brasileiros foram incentivados a comprar mais carros porque o governo quer esvaziar os pátios cheios das montadoras. Como os carros circularão? Isso não parece preocupar o governo.
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