Sérgio Magalhães
*Artigo publicado originalmente no jornal O Globo de 05/05/2012
Pesquisa
recente do IBGE informa que, das cidades brasileiras, onde se gasta mais tempo
nos deslocamentos diários casa-trabalho é no Rio de Janeiro. Explica-se com a
insuficiência dos meios de transporte –mas, em geral, justifica-se com o
tamanho da cidade. Mas, será inexorável que a grande cidade tenha baixa
qualidade de vida?
A
metrópole é um fenômeno recente. Seu tamanho, territorial e demográfico, bem
como a multiplicidade de funções que abriga, fazem-na extremamente complexa. No
caso do Rio, com doze milhões de habitantes, tem população maior do que
importantes países, como Bélgica e Portugal.
Pouco
avaliamos a complexidade da grande cidade. Como uma metrópole repete os mesmos
elementos formais (ruas, edifícios, fábricas, igrejas) de cidades menores, sua
morfologia é pouco específica. Assim, nossa percepção sobre ela fica embaralhada,
pois nossa capacidade cognitiva é insuficiente para abranger o todo. Vivenciando
apenas partes da cidade, a apreensão que dela podemos fazer sempre é parcial.
Jorge
Luís Borges, o grande escritor argentino, mitificava a sua cidade como sendo a
sua pátria. De modo estrito, dizia: “Minha pátria – Buenos Aires – é minha
casa, os bairros amigáveis, e justamente essas ruas e retiros, ... o que nelas existe de amor, de dores e de
dúvidas”.
Semelhante
embaralhamento ocorre mesmo com os governantes. As metrópoles englobam vários municípios. Cada um tem um universo
político-territorial e suas premências são tratadas isoladamente. A articulação
de políticas públicas entre municípios é muito rara. Também na esfera estadual assim
se passa. As concessionárias de água, de esgotos, de eletricidade e de
transportes, no caso do Rio, atendem a partes do território metropolitano. A
rigor, não temos instituições metropolitanas. No Rio, a agência que teria
atribuições de coordenação, criada quando da fusão entre Guanabara e Rio de
Janeiro, foi extinta pouco depois. Desse modo, sem mediação, prevalecem as
demandas específicas dos estratos sociais e econômicos mais bem posicionados.
Contudo,
a metrópole não é uma abstração.
No mundo contemporâneo, são as grandes cidades os
motores do desenvolvimento. Quanto mais se desenvolvem a
tecnologia de informação e o mundo virtual, mais as cidades se tornam
atrativas. Para o sociólogo catalão Manuel Castells,
a suposição de que “a comunicação eletrônica domiciliar induziria o declínio de
formas urbanas densas” não se confirmou. Ao contrário, os serviços avançados
aumentaram sua participação na composição do PIB, sobretudo em áreas
metropolitanas, ao invés de disseminados pelos tecidos nacionais. Segundo
Paul Krugman, Nobel de Economia, as megacidades e as megarregiões serão o
cenário concentrador da inovação nas próximas décadas. A economista
norte-americana Saskia Sassen corrobora esse papel estratégico das grandes cidades, tratando-as
como pontos nodais da economia e da inovação.
Segundo
tais autores, são as metrópoles que conseguem dispor de ambientes urbanos
qualificados como exigido pelos negócios mais avançados, que incluem boas
escolas, bons serviços de saúde, de arte, cultura e entretenimento –e, em
especial, a superior possibilidade de interação. Mas não apenas as grandes
empresas assim o demandam; os micro, pequenos e médios negócios sobretudo
dependem da qualidade urbana para prosperar–e assim se estabelecer uma cadeia
produtiva auspiciosa.
Sob
o ponto de vista urbanístico, porém, a metrópole precisa ser tratada, ela não é
fruto da natureza.
As grandes cidades, que abrigam milhões de pessoas e
são essenciais à vida contemporânea, requerem estatuto próprio. São fenômenos
permanentes, a exigir estudos continuados que fundamentem políticas públicas
para além dos mandatos governamentais. No Brasil, elas não estão contempladas
no arcabouço político-eleitoral. Contudo, precisam de instituições específicas,
que façam a ponte entre a nossa percepção, necessariamente parcial, e as
exigências do conjunto social na escala da metrópole.
Os problemas identificados com o tamanho da
metrópole não a inviabilizam, ao contrário, podem ser avaliados em sua potência
criadora. No Rio, se a energia de milhões de cidadãos é desperdiçada
abusivamente no transporte quotidiano, isto não pode ser atribuível às
periferias mais distantes. A alta percentagem de viagens com grande gasto de
tempo indica que é um problema de toda a metrópole, inclusive do núcleo, a
capital. É o sistema geral de mobilidade que não é apropriado à grande cidade
–e que demanda revisão de modelo e investimentos importantes. Não é Japeri que
produz o índice, embora bem o exemplifique.
Seguramente, não é destino inexorável da grande
cidade a baixa qualidade de vida. É apenas o desafio que está colocado –e que
nos compete superar, por todas as razões.
Prezado professor Sérgio Magalhães
ResponderExcluirO artigo está excelente e muito atual, refletindo algumas preocupações que foram pontos de partida do meu doutorado e as discussões que esta semana presenciei na Capes em Brasília.
Penso que a lacuna sobre gestão metropolitana embora seja antiga, é reforçada pela CF de 1988. Por um lado, a CF fortalece o município (ação importante e altamente desejada), inclusive definindo o PD como o principal instrumento de desenvolvimento urbano. Por outro, delega ao Estado a responsabilidade de instituir RMs, sem dar diretrizes ou definir claramente o que de fato constitui-se como tal. Por sua vez, o Estatuto da Cidade não define instrumentos para municípios em áreas metropolitanas, e por outro, embora cite a necessidade de um plano metropolitano, não define como os municípios, sem perder sua autonomia, articularão suas políticas de uso e ocupação do solo ao tal instrumento. Essa confusão gera, ao meu ver, conflitos políticos-institucionais nas áreas intensamente urbanizadas, onde é premente a gestão articulada dos problemas comuns.
Desde então, os Estados brasileiros instituíram cerca de 37 RMs, mas devemos lembrar que algumas RMs não necessariamente se configuram como tal (caso de algumas no Estado de SC). Apesar da abundância de regiões metropolitanas definidas legalmente, não temos nenhum caso de sucesso no que se refere ao planejamento e gestão de seus problemas comuns. Eu já cheguei a pensar que a saída para esse problema era a instituição de um quarto ente federativo. Hoje não acredito que isso iria resolver o problema. Acho que devemos pensar em novas formas de governança que compactuem com a dinâmica, intensidade e especificidades de uma metrópole.
Tomando como exemplo a RMSP, podemos dizer que mesmo com seu formato legal desatualizado por duas décadas (a RMSP só foi redefinida o ano passado conforme a CF e CE, o que estava "valendo" era o formato definido em 1973 pelo legislação federal) a dinâmica metropolitana é tão intensa, que tanto o Estado quantos os municípios vêm buscando (bem ou mal) resolver os problemas comuns. As ações mais visíveis, longe ainda de serem exemplares, se dão nas áreas de transportes e de saneamento, principalmente devido ao papel das grandes estatais responsáveis pelos serviços metropolitanos, como o Metrô,a DERSA,a SABESP e o DAEE.
Na ausência da de uma gestão metropolitana formal, nos últimos anos, despontaram arranjos institucionais inovadores, que articulam setores e municípios da RMSP em prol de problemas comuns e apontam outras perspectivas - caso das ações empreendidas pelos consórcios intermunicipais (Piracicaba e ABC) e dos comitês de bacia hidrográfica que articulam municípios e sociedade civil em áreas de proteção de mananciais ( fruto de programas considerados referências como o Programa Guarapiranga ). Esses novos arranjos, a partir do entendimento da dinâmica territorial, desencadeiam a articulação de políticas públicas urbanas que vão além de seus propósitos iniciais (gestão de recursos hídricos e resíduos sólidos), como por exemplo políticas de habitação e de urbanização de assentamentos precários, sistemas de áreas verdes, legislações de uso e ocupação de solo, etc. Avaliando, essas iniciativas, podemos inferir avanços, mas não podemos nos esquecer da fragilidade a que estão sujeitas, principalmente porque dependem de consensos e de continuidade de gestão política.
Logicamente, penso que é a autonomia municipal deva ser preservada, mas é preciso avançar introduzindo uma mudança de cultura e novas formas de governança que envolvam Estado, municípios e sociedade civil, que respeitem as especificidades locais do território, mas dentro de uma visão sistêmica da dinâmica metropolitana.
Paro por aqui, pois acho que escrevi um “tratado”... Espero ter contribuído para esse importante debate promovido pelo CI.
abraços
Prof. Angélica Benatti Alvim
Dilma 2048 !!!
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