*Artigo publicado originalmente na revista Ciência Hoje 303 - junho/2013
Sérgio Magalhães
Sérgio Magalhães
Duas
são as paisagens culturais que hoje pontuam o território brasileiro: o
“espigão”, no Brasil urbano; e a soja, no Brasil rural.
(Espigão
–o edifício alto- e soja foram recentes pautas da mídia. O primeiro, em série
de reportagens de O Globo, mostrando sua disseminação em cidades médias e grandes
do país. A soja, por conta de sua avantajada produção que fica estacionada em
caminhões ao longo de estradas congestionadas que demandam os portos, também
congestionados.)
Ambas
as paisagens são sinais de um país que cresce. Mas, para que não signifiquem
uma chegada tardia ao século passado, é necessário um reequilíbrio compatível
com as expectativas do século 21.
Na
nossa contemporaneidade, firmam-se conceitos associados à nova compreensão
sobre os limites do planeta, o bem estar geral a que precisamos
corresponder. Assume-se como
indispensável o respeito ao lugar e às suas preexistências. O desperdício, seja
de energia ou de meios, não é aceitável. O espaço é o da diversidade. O
crescimento não pode se dar sobre tábula rasa, seja ambiental, cultural, social
ou econômica.
Como
vemos no panorama urbano brasileiro, a imagem ambiental das cidades cada vez
mais é definida por altos edifícios com dezenas de andares –o “espigão”. Esse
modelo vigora de norte a sul, de leste a oeste, e se torna homogeinizador da
paisagem cultural, ainda que em situações de diversidade geográfica.
Tornou-se
fácil construir um espigão. A tecnologia construtiva é de amplo domínio; os
elevadores são relativamente baratos; os riscos econômicos são reduzidos e os
recursos financeiros são facilitados através da venda em condomínio.
Nas
cidades que passam agora pelo boom imobiliário, em geral, o espigão é erguido em
local com escassez de infraestrutura sanitária, de mobilidade e de serviços
públicos –situação, aliás, típica da maior parte das áreas urbanas. Erguido junto
a residências e baixas construções, cria uma relação entre escalas que
desqualifica o ambiente existente. Os preços baixos dos terrenos permitem lucros proporcionais à
altura da edificação. Assim, há estímulo para ampliar a produção.
Há
estreito vínculo entre empreendedor imobiliário e prefeitura, que vê
oportunidade de reforço de caixa com as aprovações –quando não se busca também
uma ajuda às próximas eleições; ademais, na percepção popular, o edifício alto pode
ser visto como signo de progresso.
Mas
o poder público detém o monopólio da legislação urbanística no pressuposto de definir
os volumes a edificar capazes de compor o melhor espaço urbano, tudo no
interesse coletivo. Na medida em que negocia a altura dos edifícios a
construir, admitindo mais andares mediante pagamento, transfere ao empresário
aquela atribuição. Assim, não é mais o conceito de melhor configuração urbana
que prevalece, mas o de maiores benefícios financeiros. Não é o espaço público
que vige, mas o lote.
De
certo modo, esse descompasso é uma contrafação à ideia constitucional que dá ao
poder público o monopólio da legislação urbana, no interesse da composição do
conjunto construído, em harmonia com o espaço público. E, embora possa estar apoiada
em leis, nem por isso essa atitude passa a ser legítima.
A
soja segue caminho semelhante. Vai ocupando terras das coxilhas do Rio Grande às
matas da Amazônia, passando pelos pinheirais do Paraná e pelo cerrado do Centro
Oeste. Tudo se uniformiza com complementos e corretivos químicos para fazerem a
terra produzir – ainda que o sistema hídrico se banalize com os agrotóxicos. A
grande escala se impõe e expulsa a diversidade, seja ambiental, seja produtiva.
Colhida
a soja, chegar ao destino já é outra questão. Construído o espigão, circular
pela cidade já é outro departamento.
Pasteurizada
a paisagem cultural, é o século 20 que nos acena. Para prosseguirmos rumo à
contemporaneidade, precisamos dos ajustes que este nosso tempo nos sugere. A
decisão é nossa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário