Sérgio Magalhães
*Artigo publicado originalmente na revista Ciência Hoje 309 - novembro/2013
Há 50 anos, no Hotel Quitandinha, em Petrópolis,
aconteceu a sessão de encerramento de uma série de debates nacionais dedicados
ao tema urbano. Esse projeto, intitulado ‘Seminários de Habitação e Reforma
Urbana’ e promovido pelo Instituto de Arquitetos do Brasil, é um marco
histórico pela qualidade do enfoque e das propostas, algumas ainda atuais.
O “Seminário de Quitandinha” propunha que a reforma
urbana fosse incluída, em simetria com a reforma agrária, no rol das ‘reformas
de base’, então dominantes na pauta política brasileira. A ênfase era na
moradia e na questão fundiária, em função da imigração do campo.
De lá para cá, o Brasil deixou de ser
predominantemente agrário – hoje, 85% de seus 200 milhões de habitantes vivem
em cidades. Temos 20 metrópoles e duas megacidades. O país industrializou-se,
tornou-se celeiro mundial, é potente em energia. Somos uma grande democracia.
Deixamos para trás a cidade – modelada pela
explosão demográfica, pela industrialização e pelo automóvel – do século 20,
quando se acreditava que os problemas urbanos seriam solucionados com o
crescimento econômico.
Chegamos ao século 21.
Embora o Brasil seja a sexta economia mundial, metade dos domicílios nacionais
não tem esgoto adequado, a moradia é em sua maioria irregular, dezenas de
milhões de brasileiros perdem horas diárias em um trânsito caótico e os
serviços públicos (inclusive o de segurança) atendem apenas partes das cidades.
Encontramo-nos diante da cidade fragmentada, da cidade partida, da
cidade dispersa.
Por que o Brasil enfrentou desafios na economia, na
produção, na política e os encaminhou para a superação, e não foi capaz de
fazê-lo em relação à cidade?
A
experiência demonstra que o crescimento econômico não é suficiente para neutralizar
as
dificuldades urbanas – ao contrário, elas podem se agravar, como a jornalista e
ativista Jane Jacobs (1916-2006) avaliou para as cidades norte-americanas ainda
na década de 1960. O entendimento de que a cidade melhora ou piora conformr as
oscilações da ecomia, da política ou da demografia, é visão de uma parte da
questão, e não necessariamente corresponde à mais importante.
Sabe-se que a cidade é o
núcleo potencializador do mundo contemporâneo em todas as suas áreas dinâmicas:
economia, cultura, inovação, conhecimento, comunicação. Ao contrário do que
antes vigorava, é noção equivocada imaginar o desenvolvimento
nacional sem a simultânea qualificação da cidade. Isto é, sem a universalização
dos serviços públicos (inclusive o de segurança), sem espaços públicos bem
estruturados e vivos, e, sobretudo, sem a redução das brutais desigualdades
intraurbanas.
Não há fórmulas mágicas
para enfrentar os problemas ambientais, da mobilidade e da desigualdade.
Neste mês, arquitetos e
amigos da cidade voltam ao Quitandinha para concluir um ciclo de debates
urbanos realizado ao longo de 2013, intitulado ‘Q+50’. Mudaram os tempos,
mudaram as ênfases – e as cidades carregam os problemas do século passado. Mas
elas clamam por uma agenda pública que as conduza para a contemporaneidade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário