*Artigo publicado originalmente no jornal O Globo de 07/12/2013
Sérgio Magalhães
As ações sobre a
cidade não são isoladas; mesmo quando assim consideradas, têm consequências
sociais. Veja-se o caso da Perimetral.
Primeira via urbana
elevada do Brasil, construída nos anos 1950, seu objetivo explícito era
permitir trânsito livre no Centro do Rio. Mas, de fato, a Perimetral inaugurou urbanisticamente no país a era do transporte individual, o
tempo do automóvel. E o fez de modo avassalador.
Para passar pela área, imprensou-se entre o Museu
Histórico, do século XVIII, e a Estação de Hidroaviões, jóia arquitetônica
moderna; fez demolir o Mercado Público; conspurcou a Praça XV, sede política da
Colônia e do Primeiro Império, bem como a antiga Alfândega, obra de Grandjean
de Montigny, integrante da Missão Artística Francesa de 1816. No coração da
capital federal, desconsiderou testemunhos de quatro séculos de história e
cultura.
Rompida essa barreira simbólica, tudo estava à
disposição do novo modelo.
As redes de transporte coletivo sobre trilhos, que
existiam em todas as grandes cidades brasileiras, foram desconstruídas; os
espaços públicos se descaracterizam; criaram-se linhas expressas para
automóveis, muitas elevadas, que pouco se importam com os bairros que cruzam,
como ocorre no Rio Comprido; a Linha Vermelha, em São Cristóvão; a Amarela, na
Zona Norte. Deu-se força à ideia narcísica de que a cidade é para servir a mim
e aos meus. É, certamente, um modelo anti-público.
Agora, que uma parte da
Perimetral está no chão, há um novo fato urbanístico. (A derrubada, porém, precisa
se completar, liberando também a Praça XV.) Haverá novo ciclo a inaugurar?
O prefeito do Rio
interveio em uma estrutura de interesse metropolitano. É uma ação política que pede
desdobramentos políticos, para além da construção de túneis e novas vias na
área portuária. (Seria mais do mesmo.) Embora esse fosse o foco preliminar da
derrubada, o fato ocorre em um momento novo, que explicitou necessidades
importantes. É a oportunidade para um entendimento à escala da metrópole que
enfrente seus desafios de mobilidade, agora na dimensão do coletivo.
Se a Perimetral
inaugurou a era do transporte individual, sua derrubada se dá em um contexto onde
a qualidade de vida urbana se coloca como uma exigência ampla. O carro já deu o que podia, mesmo com tecnologias
avançadas; sua hegemonia não atende à cidade contemporânea. O direito à cidade
se consolida. Não se reivindicam passagens mais baratas; mas respeito ao cidadão,
com serviço que ofereça conforto e confiabilidade nos deslocamentos impositivos
do quotidiano.
Em havendo entendimento
político que corresponda aos tempos de hoje, novos vetores de desenvolvimento urbano
e econômico adquirirão potência. O Rio pede novas estratégias, efetivamente
metropolitanas, a serem debatidas e desenhadas.
“Mudam-se os tempos,
mudam-se as vontades”. Quem diria que a Perimetral derrubada poderia ser útil? Mas,
será que já estamos suficientemente conscientes da enorme importância que os
aspectos simbólicos têm sobre o destino da cidade?
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