*Artigo publicado originalmente no jornal O Globo de 04/01/2014
Sérgio Magalhães
Ao se aproximar o
aniversário de 450 anos da cidade, anuncia-se movimento para preparar o Rio
para o seu quinto centenário. É justo.
As cidades não são fruto
do acaso. As cidades são fruto de suas estruturas (sociais, culturais,
econômicas, espaciais) e do que se deseja para o seu futuro. Mas o futuro não
está mais lá à frente, a blindar nossas opções idealizadoras e equivocadas. Ele
está aqui, construído dia a dia. Hoje, temos que tratar a cidade do presente,
que se desloca permanentemente incompleta por sobre a linha do tempo.
Estudo coordenado pelo
professor Mauro Osório, da UFRJ, recentemente divulgado em O Globo (“Centro é o
motor da cidade”), informa sobre a distribuição dos empregos formais no
município do Rio. Verifica-se que 37% localizam-se no Centro, 22% na zona Norte
suburbana, 18% na zona Sul + Tijuca. Na Barra + Recreio, 7%.
Esse quadro evidencia um
dos mais graves erros estratégicos cometidos pela cidade no último meio século:
o projeto de esvaziamento do Centro. Mas, o velho Centro resiste.
Como sabemos, a partir da
mudança da capital, o Rio reorientou seus vetores urbanísticos, estimulando a
expansão a oeste. O plano “Rio Ano 2000”, de autoria do consultor grego
Constantin Doxiadis, de 1963, previa criar-se dezenas de novas centralidades e
deslocar o setor industrial, da zona Norte, para novo polo em Santa Cruz. Pouco
depois, o Plano Lucio Costa, para a Barra, projetava a transferência do centro
metropolitano para aquela região “... o que lhe confere então condições para
ser, com o correr do tempo, o
verdadeiro coração da Guanabara.”
O Centro do Rio foi atingido também pelo abandono
da baía de Guanabara, cuja poluição desafia governos. E ainda pela incrível
lógica de nele se proibir novas habitações, como vigorou por trinta anos.
Nos anos 1980, foi desconstruída a frágil estrutura
encarregada de planejar a metrópole. O município do Rio, seguindo o Estado, foi
desmobilizando seus órgãos de planejamento.
Transposto o século, a cidade metropolitana
continua sem políticas e sem projetos. Os grandes eventos colheram o Rio com
planos concebidos há cinquenta anos – que vieram para os canteiros de obras
seguindo a lógica de então. Isto é, reforçando a ideia de desconstrução da centralidade
histórica, social, econômica, política e administrativa localizada no velho
Centro.
Assim, o sistema de trens, que estruturou a metrópole
a partir do Centro, transporta hoje 1/3 dos passageiros dos anos 1970 – embora
a população tenha dobrado. Igualmente, o sistema de metrô caminhou como
tartaruga e não se fez em rede, mas em linha, agora também em direção oeste.
Construiu-se, erro sobre erro, a metrópole que se imobiliza em automóveis e
ônibus, onde 25% dos moradores gasta mais de 3 horas no trajeto
casa-trabalho-casa, a maior parte em direção a um Centro que não se quer que
esteja onde está – e para o qual não se modernizam acessos. (Veja-se no estudo:
60% dos empregos estão no núcleo Centro + Subúrbios, o histórico eixo dos
trens.)
O Centro está lá, há 450 anos – qual um João
Teimoso. Ele constrói a identidade coletiva carioca e fluminense, como já
construiu a identidade coletiva brasileira. Agora, está em nossa
responsabilidade dizer como queremos o Rio no seu Quinto Centenário.
Mas, por hoje, Feliz Ano Novo!
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