*Artigo publicado originalmente no jornal O Globo de 01/02/2014
Sérgio Magalhães
Recente acidente de descarrilamento paralisou os trens
metropolitanos do Rio por 13 horas. Chico Caruso resume o episódio em uma
charge no Globo na qual o governador e o vice se encontram amarrados aos
trilhos, sob riso do secretário de Transportes, enquanto se aproxima um trem com
os principais candidatos de oposição ao Governo do Estado.
O desenho reflete um quadro de fragilidade institucional do país,
que se caracteriza por conferir a personas o arbítrio sobre quase tudo.
Nossa
história mostra como nos acostumamos a depositar em salvadores da pátria a
responsabilidade sobre nossos destinos, desde a escala nacional até detalhes da
vida comunitária. Alçados à condição de super-homens, os políticos brasileiros
acreditaram nesse papel. Trataram de criar os instrumentos que lhes permitissem
ficar bem na foto.
No
caso urbano, os sistemas de planejamento e projeto foram desconstruídos nos
âmbitos federal, estaduais e municipais. Os governos ficaram sem estruturas
permanentes de estudo sobre a cidade, mas ganharam muito dinheiro. Pensaram
que, livres das “amarras” do planejamento, poderiam ainda mais. Aumentou-se a
discricionariedade dos gestores, inclusive na contratação de obras públicas,
que já não precisam de projeto para serem licitadas.
Hoje,
um governante resolve construir uma grande obra, digamos: uma linha de metrô,
que não está nos planos da cidade nem tem projeto. O que faz? Encomenda o
projeto ao futuro construtor da obra. Outro dia, precisa de determinado apoio
político; dos entendimentos partidários passa a existir uma nova obra, antes
imprevista, ou um novo serviço público.
(O
Brasil aspira a ser um país respeitado, mas inventa empreiteira como autora de
projetos arquitetônicos e urbanísticos e simultaneamente construtora. O
resultado são obras de discutível prioridade, baixa qualidade, alto custo e
grande possibilidade de desvio de recursos.)
A
complexidade de nossas cidades pede um sistema de gestão que garanta
continuidade de programas e confiabilidade nas decisões, e que seja integrante
estável da estrutura de Estado. Sobretudo, a democracia exige transparência e
escuta aos interessados.
Ninguém melhor
dos que os políticos para tratar de políticas públicas. Mas eles não devem
continuar como gestores plenipotenciários auxiliados por uma multidão de
correligionários alheios ao tema em que se envolvem. A resposta que as cidades
esperam não se alcançará com comando comissionado, com agência reguladora
comissionada, com terceirização comissionadora.
(Quem
sabe nas eleições de 2014 possa ser debatida a recriação
de sistemas de planejamento e de projeto das cidades e das metrópoles?
Quem
sabe resulte abolida a promiscuidade entre o projeto e construção de obra pública?)
A
charge de Chico Caruso é representativa do quadro de fragilidade institucional
brasileira porque ilustra o paradoxo do poder que pode tudo – e que está na
iminência de ser atropelado. A falta de investimentos no sistema de trens
urbanos, comparativamente com altos investimentos em obras de menor interesse
social, não passa desapercebido do público e do olhar arguto do artista.
Mas,
certamente, a solução é mais complexa do que a troca de maquinista. O tempo de
salvadores da pátria já se esgotou.
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