*Artigo publicado originalmente no jornal O Globo de 01/03/2014
Sérgio Magalhães
Desde antes do rádio que os assuntos do
quotidiano são tratados nas marchinhas de carnaval com a irreverência e o bom
humor característicos do Rio.
Depois de um período difícil, elas voltaram
com força. Foram reapresentadas em musical de grande sucesso, “Sassaricando”,
assinado por Rosa Maria Araújo e Sérgio Cabral.
Os concursos da Fundição Progresso são um
momento de exaltação desse gênero bem carioca. Centenas de compositores do
Brasil todo apresentam suas obras, que, após seleção, são defendidas em público
para escolha de um júri.
O que mobiliza tanta gente? Por que esse
sucesso?
Não há mágica: quem promove o concurso deseja
a melhor música; quem participa, deseja que sua obra seja gravada e divulgada.
Assim também ocorre em outras áreas da
cultura.
Na arquitetura, edifícios públicos e obras
que buscam a qualidade são escolhidos em concursos de projetos nos principais
países. São exemplos o Centro Beaubourg, em Paris; o novo Marco Zero, em Nova
York; a Praça Potsdamer, em Berlim.
A UNESCO fez recomendação (1978) para que os
países membros adotassem o concurso como forma de licitação mais adequada para
a contratação de projetos de Arquitetura e Urbanismo. O Brasil subscreveu esse
documento. A lei federal 8.666/93
incorporou o concurso como uma modalidade de licitação.
No entanto, são poucas as obras públicas
escolhidas por concurso de projetos no nosso país. O que deveria ser a regra, é
a exceção. Contudo, temos bons exemplos da experiência de concurso, como é o
caso do Vale do Anhangabaú, em São Paulo; o Teatro Municipal e o Monumento dos
Pracinhas, no Rio. Lembremos que Brasília foi escolhida por concurso público,
vencido por Lucio Costa. O programa Favela-Bairro, o Rio-Cidade e,
recentemente, o Morar Carioca e instalações para os Jogos de 2016, no Rio,
também o foram. Ano passado, a Estação Antártica do Brasil foi escolhida por
concurso público promovido pela Marinha. Enfim, é um procedimento que não é
novo e que abrange diferentes escalas.
Embora o concurso envolva o trabalho de
inúmeras equipes, e apenas uma seja a vencedora, é modalidade prestigiada pelos
arquitetos no mundo todo, por qualificar o ambiente urbano e por ser uma
oportunidade de cotejo entre as respostas oferecidas pelas equipes. É um
momento de pesquisa e de reflexão profissionais – e assim avança a cultura.
Neste Brasil que se constrói com enorme
pujança e velocidade precisamos buscar que cada nova obra seja um instrumento
para melhorar a cidade. Não apenas a obra excepcional, mas toda obra pública. O
concurso é o melhor meio para que a escolha seja bem sucedida.
Infelizmente, ainda há muita incompreensão,
como acaba de ser divulgado em concurso para prédio anexo ao BNDES, no Rio, onde
o Edital prevê que o arquiteto vencedor do concurso entregue o seu Anteprojeto
para que seja desenvolvido por outra equipe, abrindo mão, inclusive, de seus direitos
autorais. Ora, o projeto é autoral, tem unicidade, não pode ser fatiado. É
claramente um contrassenso – e talvez uma ilegalidade.
O que diriam Braguinha, Noel Rosa, Ary
Barroso, Lamartine Babo, João Roberto Kelly se, vitoriosas suas marchinhas, outros
nelas fizessem alterações?
Neste ano, o concurso da Fundição Progresso
escolheu “Cadê a viga?”. Será que os compositores Cássio e Rita Tucunduva
teriam inscrito sua marchinha se eles não a pudessem gravar ou se ela pudesse
ser modificada por outros?
Por falar nisso: prefeito, e o Morar Carioca?
Cadê?
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