Sérgio Magalhães
*Artigo publicado originalmente na revista Ciência Hoje 311 - janeiro-fevereiro/2014
Copa do Mundo no Brasil, novas manifestações,
eleições. 2014 chega com renovadas esperanças – e muitas indagações. De todo
modo, qual é o palco onde se desenrola esse espetáculo?
Mesmo que incerteza, instabilidade e insegurança
sejam características contemporâneas – e já façam parte de nossa subjetividade
– a ação coletiva se encena em espaço preciso: a cidade. Isto é, em ambientes
que influem sobre o desempenho social, econômico e político do país. Não apenas
em episódios agudos, como no caso das manifestações de rua de junho. Mas,
sobretudo, na capacidade de estimularem (ou dificultarem) o fluxo de ideias, a
liberdade de circulação, a oportunidade de empreender, entre outros atributos
inerentes à vida em cidades.
É evidente o descompasso entre as exigências
contemporâneas e as respostas das administrações de nossas cidades.
Quando os manifestantes de junho pedem serviços
públicos padrão Fifa, todos sabemos o que essa síntese quer dizer. Sabemos tão
claramente que em poucos dias as mais altas esferas do Estado se mobilizaram
para divulgar providências que visariam ao atendimento da demanda. Um pacto
presidencial de cinco pontos foi proposto, dos quais dois são vinculáveis à
questão urbana: (i) o da mobilidade e (ii) o de anticorrupção em contratos de
obras públicas.
A mobilidade urbana parece ter entrado na pauta da
mídia. Mas, passados meses, não se percebem desdobramentos oficiais:
continuamos sem programa, sem planejamento e sem projetos.
O pacto anticorrupção em obras públicas vai mal. As
leis de contratação de obras estão em reestudo no Congresso. Mas o relatório
divulgado em dezembro no Senado é preocupante. Vejamos: a crítica das ruas foi
quanto ao preço exorbitante e sempre crescente que os novos estádios padrão
Fifa apresentam. Ocorre que foi uma lei específica para a Copa que permitiu que
os estádios pudessem ser contratados sem projeto, a partir apenas de um
anteprojeto, deixando-se o poder das definições à empreiteira – o que explica a
multiplicação dos custos. E a proposta no Senado é estender essa lei a todas as
obras públicas em todo o país.
É da boa prática internacional justamente a
separação entre projeto e obra, tanto para garantir a qualidade quanto por
razões econômicas e éticas. Ora, ampliar as ‘facilidades’ é abrir caminho para
todo tipo de acordo.
O argumento do governo é que os projetos demoram e
atrasam os cronogramas. Mas, a falta de projeto é reconhecidamente o mais
importante fator de aumento de prazo e de custos em obras – sejam públicas ou
privadas. O que falta é capacidade gerencial, administrativa e técnica, pois os
governos desarticularam os serviços públicos correspondentes.
Acaba
de ser anunciado que o governo federal utilizará dispositivo da mesma lei da
Copa, chamado ‘contratação integrada’, para cumprir seu cronograma de construir
6 mil creches. Deixa-se ao empreiteiro a incumbência de “projetar, construir, fazer os
testes e demais operações necessárias e suficientes para a entrega da obra”. Ou
seja, é a exacerbação do problema ‘padrão Fifa’ travestido de ‘solução’.
A última novidade (O Globo, 01/01/14) é a ‘central de flagrância’ (assim mesmo).
Constituída pela articulação de representações dos governos federal e
estaduais, Judiciário e Ministério Público, visa dar pronto-atendimento
policial-legal-judicial a eventuais flagrantes de violência em manifestações de
rua. Imagina-se que, perto da Copa, as manifestações possam voltar e, portanto,
é preciso coibir ações prejudiciais à ordem pública.
Enquanto isso, com vistas às eleições nacionais, o
único esboço de programa presidencial até agora anunciado nomeia 12 diretrizes
e nenhuma delas trata de cidades – onde vive a quase totalidade dos
brasileiros.
O ano promete. Mas, por ora, feliz 2014 !
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