*Artigo publicado originalmente na revista Ciência Hoje 315 - junho/2014
Sérgio Magalhães
Os movimentos populares por moradia apresentaram
intensa mobilização nas últimas semanas em diversas cidades do país. A crise da
habitação, porém, não se resolve com a construção de moradia. Na cidade
contemporânea, habitar envolve uma multiplicidade de condições – a casa é
apenas uma delas. Enfrentar o problema habitacional pressupõe tratar a questão
urbana de modo abrangente: na infraestrutura, na mobilidade, nos serviços
públicos, no espaço público, nos equipamentos urbanos e, obviamente, no abrigo.
Contudo, nossas políticas públicas, quando existem,
são sempre setoriais. Os gestores públicos enfrentam cada problema com o que
lhe parece mais objetivo. Isso, porém, tende a conduzir a equívocos reiterados,
como se dá na moradia popular.
No Brasil, há décadas, os governos insistem, como
política de habitação, na construção da moradia utilizando o modelo dos
conjuntos residenciais. A experiência demonstra um duplo fracasso dessa
política: (i) na tentativa governamental de ter exclusividade na promoção
habitacional popular; e (ii) na adoção de apenas uma modalidade, o conjunto
residencial. Com isso, a produção de unidades é muito inferior à demanda,
enquanto se amplia o número de moradias erguidas pelas famílias nas condições
mais precárias. E vende-se a ilusão de que estamos enfrentando o problema da
moradia popular.
Não há resposta única para um problema tão amplo. É
a soma de respostas, pequenas e grandes, que poderá enfrentar a questão.
Entre elas está a qualificação do imenso patrimônio
econômico, social e cultural já gerado pelo povo brasileiro na produção de suas
moradias, muitas vezes mais bem inseridas no contexto urbano do que as dos
programas oficiais. A urbanização desses assentamentos populares, em geral
carentes de infraestrutura e equipamentos que somente o esforço coletivo pode
prover, é uma resposta essencial.
Bairros bem localizados, mas hoje degradados, podem
recuperar sua vitalidade com estímulos à produção nova e com melhor tratamento
dos espaços públicos e dos serviços. É o caso de muitos bairros centrais de
nossas cidades. No Rio, São Cristóvão, Benfica e muitos outros são excelentes
lugares habitacionais à espera de política de recuperação. Imóveis mais antigos
também oferecem uma infinidade de oportunidades de aproveitamento para a população
de renda baixa e média, em especial para o aluguel social, desde que se
trabalhe de maneira integrada com financiamento dirigido para a restauração
desse patrimônio.
A valorização imobiliária, em geral, tem sido
onerosa para as famílias que pagam aluguel, o que pode levar à sua expulsão
para áreas periféricas. É um tema complexo. Políticas de moradia para aluguel
vinculadas ao crédito para novas habitações, onde parcelas sejam
necessariamente destinadas a famílias de renda mais baixa, têm sido testadas em
diversos países com resultados satisfatórios.
Os financiamentos habitacionais estão dirigidos
prioritariamente para governos e empreiteiros e é por meio deles que a família
tem acesso ao bem. Com isso, prevalece o interesse comercial do construtor na
escolha do lugar, da tipologia e da qualidade construtiva. A família precisa
ter crédito independente – não pode ser um repasse do promotor – e deve poder escolher
onde morar e em que condições.
Enfim, o programa federal Minha Casa Minha Vida, se
deixar de ser visto como a única resposta para a crise de moradia popular,
poderá prestar melhores serviços ao desenvolvimento social e urbano. Certamente
estará mais bem inserido na cidade e com melhor qualidade projetual e
construtiva.
O problema habitacional é do tamanho do Brasil
urbano. Ele deve ter muitíssimas respostas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário