sábado, 26 de junho de 2010

Para o Rio, o futuro é hoje

*Artigo publicado originalmente no O Globo de 26/06/2010.

Sérgio Magalhães
Enquanto a inflação esteve sem controle, propostas de interesse público não tinham condições de debate, obscurecidas pela premência do quotidiano indomável. Foi preciso superar a inflação para que um conjunto de possibilidades se apresentasse ao desenvolvimento. E hoje, há quase duas décadas de estabilidade, já se diz que o “futuro chegou”. O país do futuro é o Brasil de hoje.
Similarmente a explosão demográfica que inchou as cidades fez, para o planejamento urbano, o papel que a inflação fazia para o planejamento econômico: anulava qualquer racionalidade. Mas as nossas principais cidades já não têm aumento acelerado de população. No caso do Rio, desde os anos oitenta é a cidade metropolitana que menos cresce no Brasil.
Temos estabilidade demográfica.
Nesse sentido, diria que, para a cidade, o futuro já chegou.
Não obstante, continuamos a tratar o Rio como se tudo tivesse que ser refeito. Vivemos uma certa inércia epistemológica que justificaria expandir o tecido urbano à espera das multidões que jamais virão.
Ora, o baixo crescimento demográfico é fator muito positivo para compor o quadro de planejamento que desenhe as próximas décadas de nossas cidades. Em contraponto, também os recursos públicos terão estabilidade. Não serão infinitos.
Assim, dois temas essenciais e complementares se impõem: o cuidado com a cidade existente e o projeto da cidade sustentável.
É com a cidade com que chegamos até aqui que teremos que construir o lugar das próximas gerações. E, para elas, nosso compromisso há de ser uma cidade igual ou melhor do que a herdada.
Nas principais cidades mundiais, o cuidado com o espaço existente tem correspondido aos esforços mais importantes.
A prioridade não é abrir áreas novas, mas preservar as existentes.
Se andamos pelo Leblon e constatamos má conservação do projeto Rio-Cidade, um dos mais bonitos, já não cabe imaginar que faremos um novo. Também em Campo Grande, Catete, Taquara e demais áreas. Há que se recuperar o construído, dar-lhe a qualidade original. Nosso Centro precisa ser o melhor lugar da metrópole. Bem tratado, limpo, com vitalidade sempre renovada. Manter a cidade funcionando tem alto custo e exige continuidade. Sobretudo, precisa contar com a colaboração cidadã, na preservação dos equipamentos e do espaço público. (Por que não dividirmos tarefas: aos proprietários, a conservação das calçadas; à prefeitura, um asfalto com qualidade?)
Com a estabilidade demográfica, podemos prever as demandas da cidade em busca da sua sustentabilidade. Prever? Bem, nisso há uma certa dose de otimismo, pois a questão não é apenas técnica, é sobretudo política. Está no debate político decidir quanto à ocupação urbana, quanto aos investimentos, quanto aos caminhos da cidade.
Precisamos pensar em contrair a cidade, ao invés de expandi-la. Vamos garantir uma cidade compatível com sua economia urbana ou o Rio vai manter a ocupação extensiva? Como promover o transporte público de qualidade e não poluidor? Como reforçar o Centro como núcleo metropolitano? E a Zona Norte suburbana? O que fazer com os vazios infraestruturados? Com as áreas ociosas que foram ocupadas por indústrias e hoje estão abandonadas? O que queremos quanto à despoluição da Baía de Guanabara?
O modelo convencional de planejamento priorizava definir índices, alturas, volumes e usos das edificações. Confiava que a cidade se moldaria assim. Como o futuro estava no infinito, podia fazer algum sentido. Hoje, aumentar gabaritos em grandes áreas e abrir novas ocupações apenas significa valorizar contabilmente ativos imobiliários. Para a cidade sustentável, o modelo não satisfaz.

Agora, interessa garantir a ambiência urbana com qualidade, o espaço público com vitalidade, bem conformado, os serviços plenos na cidade inteira. A urbanística torna-se mais complexa, é dinâmica, é proativa, acolhe as possibilidades que se apresentam à cidade e as torna em acordo com as diretivas pactuadas. Que, uma vez pactuadas, precisam ter estabilidade.
Assim, o debate político, absolutamente insubstituível, precisa se organizar por instrumentos institucionais, como o Plano Diretor, no qual a cidade é chamada a dizer como se deseja a médio prazo. Mas as decisões precisam ser amplas, transparentes, públicas, evitando desmoralizar o processo participativo, essência da democracia.
Sem inflação, com estabilidade democrática e econômica, sem inchaço demográfico, está em nossas mãos construir as regras urbanas que orientem o espaço carioca e ajudem a compor uma nova realidade institucional metropolitana! Uma cidade bonita, bem conservada e sustentável.

8 comentários:

  1. Legal o seu texto.
    Espero que todos que estejam lendo o jornal e que amam esta cidade, percam(na verdade ganhem) 5 min e leiam o texto.
    É preciso que os poderes públicos e os formadores de opinião fiquem atentos ao crescimento da Região da Barra , Região das Vargens e principalmente do Recreio dos Bandeirantes, quando se defini alturas, volumes e usos das edificações. Temos que preservar o verde que ali ainda se encontra. É preciso repensar as construções multifamiliares que a cada dia tomam conta da paisagem das regiões citadas. Como exemplo o local chamado de Barra Bonita , localizado no Km 1 9 da Av.das Americas, vem a cada dia deixando o seu lado interiorano para se tornar o que chamamos de selva de pedra.

    Saudações de um amante da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.

    Marcelo Pelegrino.

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  2. Prezado Sergio Magalhães;
    Concordo com sua posição que após duas décadas de estabilidade inflacionária o Brasil finalmente chegou à posição de ser o país do futuro. Mas, para isto efetivamente acontecer à questão socioeconômica será fator determinante, porque somos uma das piores economias em desigualdade social e redistribuição de renda. Sem resolver isso não se cria um mercado interno e uma sociedade justa além de aumentar o potencial destrutivo da bomba da previdência social.
    Com relação ao fato de que o Rio passou a ser a cidade que menos cresceu demograficamente a partir da década de oitenta, não devemos nos esquecer que ela sofreu a traumática perda de status de Capital Federal com direito a êxodo da Câmara, do Senado, ministérios públicos e demais elementos ligados as estas classes o que provocou além de um rombo estatístico, outro socioeconômico que paulatinamente nos colocou na situação atual, de quase guerra civil. Desde os anos noventa vem sendo observado um esvaziamento endêmico que tentou ser contido via plano diretor sem resultados práticos.
    O contínuo êxodo da iniciativa privada foi fator determinante na falência dos serviços públicos em função da queda de receita e o contínuo inchaço da máquina administrativa. Hoje a Carga tributária do Rio é considerada a maior do mundo (Banco Mundial) e aos poderes constituídos sobrou à política do cobertor curto que cobre aqui e descobre ali, pois, não há verba para investimentos, nem capacidade para reverter ta situação. Isto levou ao abandono infra-estrutural que hoje estamos imersos e que ao inibir a qualidade de vida impede a atração de parceiros econômicos que potencializem recursos para revitalizar uma cidade que acumula meio séculos de problemas. É como um ciclo vicioso no qual só se perde, cada vez mais.
    É uma situação extremamente delicada porque até uma solução aparentemente salomônica como dividir tarefas como aos comerciantes e moradores a conservação das calçadas e ao poder público um asfalto de qualidade esbarra numa constatação da Ama Ipanema de que a maioria dos estragos é provocada pelas concessionárias públicas, que ao executarem suas manutenções fazem remendos de péssima qualidade.
    Pensar a Cidade sem uma ancora sólida que envolva toda a sociedade, não fará diferença porque concertar 50 anos de atraso em uma megalópole como o Rio com toda sua diversidade de problemas só com paliativos é impossível. Como desenvolver seus caminhos sem pensarmos em como revitalizar sua economia de forma coerente com a sociedade que queremos construir e de forma auto-sustentável?
    A experiência recente do plano diretor aonde a sociedade não se envolveu, mostra porque hoje ninguém mais crê na política. Os grupos que lá estiveram apresentaram de tudo, inclusive emendas apócrifas, entre outros detalhes que corroboram que a única atividade que tem representatividade atualmente é o que há de pior em especulação imobiliária. Vamos construir até 50 andares na área portuária, rasgar o Plano Lúcio Costa e finalmente construir nas encostas, o que já tinha sido sensatamente proibido há 40 anos atrás.
    Enquanto isso, o Globo de hoje (domingo) informa que por falta de soluções, só nos últimos cinco anos o número de favelas que ocupam áreas de proteção ambiental cresceu em 282%.
    E que num exercício de imaginação do futuro, em 40 anos, o Rio poderá ter um cenário apocalíptico se for mantido o atual quadro de expansão das favelas e da miséria.

    Cordialmente, Guilherme Baldan.

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  3. Prezado urbanista, muito gostei do seu artigo “Para o Rio, o futuro é hoje”. Aproveito para fazer minhas observações, na esperança de que possamos, de fato, mudar o cenário atual. Em primeiro lugar, creio que a medida mais importante seria a de se efetivar a propriedade do lote nas chamadas comunidades – prefiro o termo favela. Em segundo lugar, os urbanistas deveriam apresentar o seu projeto (a própria prefeitura teria alguns) de urbanização, nem que seja para poucas comunidades. Com o direito de propriedade estabelecido e bem definido, seria fácil estabelecer indenizações e reparações, além da adesão voluntária dos donos do pedaço ao projeto de urbanização. Caberia aos arquitetos urbanistas e outros técnicos a definição desse padrão urbanístico ideal, procurando atender os interesses dos donos dos lotes e terrenos. Por exemplo, se algum morador tivesse seu terreno aproveitado para fins comuns, deveria ser compensado com o direito de propriedade de lojas ou outros empreendimentos que deveriam constar do projeto. Em terceiro lugar, temos o problema político para a implementação dessas reformas. Só vejo o caminho do voto distrital. De fato, com a favelização geral, como estariam representados os moradores do Leblon? Infelizmente, pouco conheço desse elemento político.
    Para finalizar, lhe digo que estranho sua estatística demográfica. Pelo que sei, dado o modelo de subdesenvolvimento, a favelização será uma constante. Assim, com o anúncio da Copa do mundo a ser realizada no Rio, pela minha contabilidade de economista (mais intuitiva do que efetiva, pela inexistência dos dados), a favelização iria aumentar, só por esse motivo, em cerca de 20%. Não foi feito nenhum estudo sobre o efeito de grandes projetos e seu impacto negativo (favelização) sobre a cidade. Creio que se fizessem uma contabilidade social simples para o caso da recém inaugurada siderurgia no Rio, encontraríamos uma forte correlação entre o evento e a favelização. O mesmo digo em relação à Angra dos Reis. Deixemos isso de lado, pois, como bem deve saber, economistas e sociólogos no Brasil estão preocupados em ganhar dinheiro, em consultorias do sim senhor. Além disso, fora uma visão geral que expressei acima, pouco mais poderia contribuir para a solução desse problema grave da favelização. Existe uma área de especialização em economia, chamada economia urbana que poderia ajudar na solução desse tipo de problema. Mas cuidado com os aventureiros, porque um economista sério teria que apresentar o modelo em que insere suas afirmações ou fazer diagnósticos gerais. Estou nesse último caso.

    Atenciosamente,
    Marco Bittencour.

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  4. Querido Sergio,
    Nao poderia deixar de registrar que gostei mt do seu artigo hoje no Globo.
    Mt bom e nos orgulha ver o IAB tao atuante e com um dicurso urbanisticamente positivo e coerente sem deixar de ser afetivo. Acho que e a Cidade que merecemos!
    Bjos
    Olga Campista

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  5. Caro amigo Sérgio,
    Tenho acompanhado, sempre com boas expectativas, os seus artigos veiculados em O Globo, e gostaria de parabenizá-lo pela contribuição sistemática e vanguarda em tema tão fundamental para o bem estar de nossa Cidade, que é o seu futuro.
    Sensibiliza-me tanto a sua iniciativa, que procuro divulgá-la entre os nossos companheiros, na esperança de que questões como as suscitadas no artigo de hoje passem, cada dia mais e intensamente, a integrar um espaço maior de atenção e de carinho de todos nós em relação à melhoria do convívio urbano em nosso "espaço carioca". É um sonho justo e possível.

    Forte abraço!

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  6. Caro Sérgio,
    Parabéns pela lucidez e clareza em expor suas idéias em favor do Rio. Aprovaito para copiar a carta que fiz convidando à participação em abaixo-assinado, cujo texto é auto-explicativo. Ab.
    Rio de Janeiro, 30 de junho de 2010

    PREZADOS AMIGOS:

    Há poucos dias teve início mobilização POR UMA PROPOSTA ABERTA E TRANSPARENTE DE PLANO DIRETOR através da criação de um abaixo-assinado. O movimento já conta com a adesão do meio acadêmico e de algumas associações de moradores.

    O Plano é - e deveria continuar a ser - uma lei de diretrizes para o desenvolvimento da cidade. Por isso bastaria uma modificação na lei de 1992 no que estivesse ultrapassada. Porém, para o que seria apenas uma revisão, hoje há mais de 1000 emendas para votação, o que torna impossível saber qual é o texto final. Além disso, há 15 dias surgiram cerca de 80 novas emendas anônimas, que liberam o gabarito de hotéis na cidade toda, e acabam, na prática, com as áreas de Proteção do Patrimônio Cultural, para citar apenas dois aspectos, conforme amplamente noticiado.

    Recentemente o jornal O Globo informou que uma das emendas libera a abertura de ruas acima da cota +100m, o que não é solução para evitar a ocupação irregular mas, ao contrário, é um estímulo à ocupação das encostas e ao aumento do desmatamento, com enormes riscos ambientais e, sobretudo de novas tragédias. Hoje foi divulgada nova emenda que permitirá a existência de templos religiosos em qualquer lugar do Rio de Janeiro.

    Aparentemente um plano de caráter geral sobre o desenvolvimento urbano está sendo usado como base para a inserção de temas não pertinentes, que deveriam ser tratados separadamente, em legislação específica .

    Convido-os para se juntarem a nós, NO INTERESSE DA CIDADE. O link é http://www.abaixoassinado.org/assinaturas/abaixoassinado/6387 .

    Para divulgar Boca a Boca: buscar no Google Abaixo-assinado Plano Diretor Rio de Janeiro. É o primeiro link. Para assinar bastam nome, sobrenome, e um e-mail que só aparecerá caso o signatário queira divulgá-lo. Outros campos NÃO SÃO DE PREENCHIMENTO OBRIGATÓRIO.

    Agradeço desde já a quem participar e divulgar.

    Atenciosamente,
    Andréa Redondo www.twitter.com/andrearedondo

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  7. Excelente artigo, vem de encontro a nossa vontade de lançar campanha pela recuperação das calçadas de Copacabana.
    Calçadas planas,sem obstáculos,sem buracos,são fatores de integração e inclusão social,além de aumentarem a circulação de pedestres (consumidores em potencial).
    Você teria este texto digitalizado para que possamos encaminhar aos
    empresarios do polo do Lido?
    Sds
    Virgilio Rocha
    Jornal Copacabana

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  8. Parabéns, Sérgio!

    Excelente texto: conciso, didático e muito importante neste momento.

    Abração

    Miguez

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