Eduardo Cotrim
Temos lido nos jornais a indignação de editoriais e matérias que reclamam a inoperância dos governantes, frente à ocupação dos morros do Rio. Algumas vozes são convictas de que um exército de pessoas ocupou os morros, à revelia dos poderes constituídos, como se não houvesse sociedade, apenas governos. Em geral, as manifestações atribuem a ocupação dos morros à falta de planejamento do espaço urbano.
Não é coisa do outro mundo constatar que se credita, sobretudo, aos planos pactuados, o fato de a população residente em favelas no Rio equivaler hoje à população da cidade de Campinas, Goiânia, Nápoles ou de Bruxelas. Ou que os morros do Rio superaram em 20% a população de Marseille, em 30% a de Amsterdã e em quase 100% a de Lisboa. Um exemplo real de pacto social de ordenação do território urbano, se deu com a transferência de assombrosos recursos públicos do Sistema Financeiro da Habitação para a produção de milhares de apartamentos em condomínios subsidiados na Barra da Tijuca. Durante dezenas de anos a fio esse plano de reassentamento e de infra-estrutura urbana tem sido implementado, mas discute-se a urbanização de favelas.
As obras de drenagem e contenções em encostas, feitas nos anos anteriores a essas chuvas e as intervenções de saneamento, permitiram que a tragédia com vidas no Rio fossem substancialmente menores, o que não orgulha ninguém, claro. Mas esse não parece o ponto chave de muitas indignações. O Favela-Bairro iniciou um processo consciente de levar a cidade às pessoas e não de conduzi-las às proximidades da zona rural. É de se perguntar se esses um milhão de moradores de favelas fossem transferidos para enclaves nas fronteiras da cidade, estariam hoje contidos lá pacificamente. Certamente sim, se essa operação hipotética, do outro mundo, fosse conciliada com a implantação de boas escolas, boas redes de infra-estruturas, opções de lazer, serviços e Trens-bala baratos para o deslocamento diário ao Centro, Zona Norte e Zona Sul. Mas o pacto de ordenação do território não foi esse. Ainda que tivesse sido, os recursos permitiriam construir as moradias em alhures, não todo o resto. Provavelmente, um milhão de pessoas estariam hoje construindo casas nas calçadas planas da cidade. Um outro cenário possível, mas desse mundo.
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