São muitos os embates que o Centro tem enfrentado. A ele se opõe, há décadas, a expansão em baixa densidade demográfica. O censo de 2010 daqui a poucas semanas confirmará o pouco crescimento da população do município, praticamente estável. Não obstante, se o censo também medisse a ocupação territorial, veríamos que a cidade se expandiu desproporcionalmente. É um espraiamento predatório, porque implica gastos ambientais, sociais e econômicos insustentáveis.
Ao Centro também se opôs, desde os anos 60, a ideia modernista de que a cidade precisava ser outra, que seria desejável promover-se uma nova centralidade metropolitana nos terrenos ociosos de Sernambetiba, onde se estabeleceu uma nova hegemonia imobiliária, e para onde, quiçá, se transferiria a capital do estado. Isto é, depois de deixar de ser capital federal, o velho Rio também perderia a condição de capital estadual...
Ainda durante a hegemonia funcionalista, pretendeu-se que o Centro do Rio não poderia abrigar moradias —e lei proibiu aí novas habitações, sem considerar que a vitalidade dos tecidos centrais se dá também pelaocupação diuturna.
Nesse verdadeiro turbilhão, se consolida a praia como referência urbana, disputando com o Centro o lugarprivilegiado do convívio e da bem-aventurança.
E, ainda nos anos 60, com a desestruturação dos transportes sobre trilhos (trens e bondes), em benefício de ônibus e automóveis, e com a abstenção de políticas metropolitanas, dificulta-se o acesso ao seu núcleo. A condição de melhor acesso, um dos primeiros atributos dos centros urbanos, se enfraquece.
Assim que políticas de preservação ambiental e patrimonial, embora fundamentais, não logram reverter as perdas estruturais. O Centro do Rio, que já fora a principal centralidade nacional na representação política, social e financeira, pareceria estar condenado a ser um bairro qualquer — não fosse a sua derrota a própria ruína da cidade.
Se admitirmos que uma grande cidade, uma metrópole, precisa de um ambiente público que sintetize a identidade coletiva, que seja representativo das suas memórias e da sua história, que esse espaço seja indispensável para a coesão social, e que ele não seja meramente simbólico mas que seja permanentemente vivenciado e fortalecido no enriquecimento cotidiano do seu uso, então o nosso Centro precisa ser cuidado e sua vitalidade precisa ser fortalecida. É o Centro que nos dá essa resposta — e nenhum outro espaço, por mais privilegiado e bonito que possa ser —, porque é nele que se encontra o núcleo metropolitano, as melhores estruturas urbanas, os focos urbanos mais relevantes da história do país, o repertório arquitetônico mais rico e diversificado construído em quatro séculos, o maior patrimônio cultural brasileiro. É nesse entendimento que, após um ano da vitória do Rio como sede olímpica, se vislumbram novas condições para a cidade. Os grandes eventos têm esse papel crucial: podem ser capazes de potencializar esforços e recompor realidades.
Nós continuamos a investir exageradamente na expansão, é verdade. Precisamos ter cuidado em não deixar prosperar novas ocupações junto ao Arco Metropolitano, bem como precisamos preservar a Baixada de Guaratiba, evitando que a Transoeste seja um vetor predador.
Contudo, temos a comemorar, neste um ano, um novo fator potencialmente redirecionador do desenvolvimento urbano, que é o aproveitamento da área portuária.
Há poucos dias, o prefeito do Rio anunciou concurso público de arquitetura e urbanismo para escolha de projetos que contemplem parte dos equipamentos olímpicos a serem construídos na região, inclusive instalações destinadas à mídia. Tornar-se a área portuária em Porto Olímpico é um passo essencial, político e simbólico, para o redirecionamento do desenvolvimento.
Com a Copa de 2014, a ser realizada no Maracanã, e há um ano da vitória do Rio como sede dos Jogos de2016, é uma decisão estratégica de reorientação de investimentos. É uma garantia para o projeto Porto Maravilha como uma realidade transformadora.
Depois de quarenta anos de hegemonia do modelo de dispersão territorial e de valorização a oeste, teremos um contraponto estratégico, outro polo a orientar o desenvolvimento. Ou seja, retornando às origens da cidade o dom de amalgamar a cidade metropolitana em torno de sua sede histórica.
A expansão desmedida passará a ter um contraponto. É o Rio que se reencontra.