Sérgio Magalhães
O respeito ao meio ambiente associado à noção de desenvolvimento sustentável, marca da Rio-92, chegou para ficar. É atitude solidária em relação ao planeta e à própria humanidade. Agora mesmo, nas eleições de 2010, foi pano de fundo de boa parte das opções de voto. Em análise a propósito desse pleito, a jornalista Míriam Leitão considera que “há uma compreensão maior de que a sustentabilidade não é uma palavra oca, mas uma nova forma de estruturar o projeto econômico”.
A sociedade se mobiliza tentando promover as bases de um novo estágio civilizatório — menos predador, com menos pobreza e desigualdade. Esse conjunto adquire valores éticos para além das objetividades que lhe são inerentes — e é provável que se constitua em diretriz para o século XXI.
Embora tais conceitos sejam portadores de significados suficientemente fortes a justificarem a autonomia que lhes reconhecemos, é desejável situá-los no espaço em que se manifestam com densidade. Assim, sustentabilidade, pobreza e desigualdade precisam ser referenciadas às cidades.
A humanidade já vive majoritariamente em cidades. No Brasil, é quase a totalidade (85%) dos brasileiros que mora urbanamente. Contudo, podemos dizer que as cidades estão sendo compreendidas nessa dimensão renovadora da política e da ética contemporâneas? Estão sendo tratadas em consonância com a sustentabilidade? Com o papel a desempenharem na redução da pobreza e da desigualdade?
É na cidade que se encontram a raiz e a promessa daquele novo estágio civilizatório.
Fontes de desequilíbrio ambiental e social se expressam no urbano em duas importantes funções: a habitacional e a mobilidade.
A ocupação extensiva do território, em baixa densidade e com carência de saneamento, multiplica fatores predatórios do meio ambiente e amplia a desigualdade entre parcelas da sociedade. A desigualdade de renda é potencializada por moradias sem infraestrutura adequada, insalubres, mal localizadas em relação ao trabalho e às oportunidades de desenvolvimento pessoal. A histórica falta de crédito habitacional consome esforços familiares na promoção do domicílio que poderiam ser canalizados para a educação e a saúde. Assim, reforça a desigualdade em gerações. Mesmo com os novos incentivos à moradia, o Brasil continua produzindo cerca de 80% dos novos domicílios urbanos sem qualquer financiamento.
Está na mobilidade urbana outro dos fatores de desequilíbrio tanto ambiental quanto social. A opção que o país fez pelo modo rodoviário, lá nos anos sessenta, continua pujante. Está na mobilidade urbana outro dos fatores de desequilíbrio tanto ambiental quanto social. A opção que o país fez pelo modo rodoviário, lá nos anos sessenta, continua pujante. Ela é poluidora; dilapidadora de território; mas é sobretudo gastadora de energias sociais. No interesse do desenvolvimento sustentável e da redução da pobreza e da desigualdade, há que se priorizar o transporte de massa. Os metrôs e os trens urbanos precisam constituir-se em redes metropolitanas.
Há uma terceira fonte em contramão: o isolamento modernista entre funções urbanas (ou se mora, ou se trabalha, ou se recreia), que afasta trabalho e residência, multiplica percursos, promove guetos e enfraquece a interação social. Setores urbanos onde o mínimo deslocamento exige motorização é modelo condenado por sua insustentabilidade.
A cidade contemporânea está a rever essa matriz predadora, tal como ocorre na experiência que está sendo promovida em Londres, para os Jogos de 2012. Cada novo edifício precisa atender aos requisitos de sustentabilidade e o conjunto se caracteriza por recuperar uma área degradada, quase central, em estratégia de interesse metropolitano. Lá, 75% dos recursos são necessariamente investidos na promoção de um legado social e urbanisticamente consistente.
Felizmente, no Brasil já se vão constituindo movimentos político-sociais para construção de uma agenda pela sustentabilidade em suas amplas possibilidades. Daqui a dois anos, festejaremos 20 anos da Conferência da ONU para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. A Rio+20 será outra oportunidade para o país assumir compromissos em consonância com o desenvolvimento sustentável — vale dizer, com o futuro das cidades. E o Rio de Janeiro, por seu protagonismo em 1992, por certo quererá estar à frente nessa agenda.
Talvez queiramos assumir o desafio de universalizar o saneamento, despoluir a Baía de Guanabara, estancar a sangria da expansão predadora e redirecionar o transporte público. E, se prosseguirmos na urbanização dos assentamentos informais, trazendo-os à legalidade, protegidos todos os territórios pela Constituição brasileira, sem vez à violência armada, estaremos efetivamente adentrando o estágio civilizatório ao qual desejamos que o Brasil esteja destinado. Será o nosso desenho do século.
Tenho pensado sobre as cidades e vejo o quão negligentes somos, no exercício de nossa cidadania, com o nosso espaço urbano. O rural já o dou como degradado. Em Brasília dois fenômenos estão se alastrando: prédios em dimensões exageradas e shopping Center por todos os lados. Duas pragas que merecem ser contidas. Na contabilidade dos prédios gigantes, com mais de 12 andares, vejo que ainda há tempo para reverter o padrão especulativo e degradante. Basta exigirmos um padrão que deva ficar entre 3 a 6 andares, dependendo da região. Jamais maior do que isto. O número de andares, bem como sua largura, deveria ser objeto de dedução teórica. Confesso que como economista não consegui ainda resolver o problema, segundo nossos termos. Mas tomo como referência o padrão europeu que é este mesmo de 6 andares e de largura reduzida. A Espanha é um bom exemplo. Londres já não sei. Amsterdã provavelmente seria outro bom exemplo. Até Buenos Aires poderia ser um caso limite (o máximo). Brasília, em especial o Plano Piloto, poderia ser um exemplo. Só não o tomo como verdadeiro, porque a largura dos prédios me parecem exageradas. Talvez possa admitir tal dimensão exagerada em função do projeto urbanístico que eu simplesmente acho uma porcaria. O pior defeito de Brasília,para mim, é o de não se ter levado na devida conta o conceito de pessoas na rua que surgem naturalmente pela integração dos fenômenos da moradia, dos pequenos negócios e lazer. Não que Brasília não tenha esses fenômenos integrados. Mas é uma integração frouxa, com desperdício de áreas urbanas, compensadas por belos jardins. Entretanto, o desfrute desses espaços esplendorosos fica por conta quase que exclusiva dos moradores locais. Aí é que mora o problema. Cadê o povo na rua? Deixo a solução ou críticas ao meu ponto de vista para os urbanistas.
ResponderExcluirVolto-me agora contra a outra peste: shopping Center. Eles estão aparecendo em pencas em Brasília. Qual a conseqüência? O esvaziamento do comércio local ou de ruas. Este tipo de esquema de negócio me parece ser adequado para cidades em que os moradores desfrutam de pouco espaço para negócios, porque geralmente moram em subúrbios ou condomínios. Creio que o conceito de shopping Center deve ser interessante sob este prisma. Mas para cidades com fluxo de negócios normais, creio não ser necessário. Entretanto, a Barra da Tijuca se classifica nesse padrão urbanístico de isolamento. Mas a Barra não é o Rio. Talvez Brasília que é uma cidade dos automóveis tenha este apelo por shopping. O que penso é que isso só piora a situação. Claro, o que tenho em mente é o conceito de cidade com povo na rua que só pode ocorrer se o padrão for o que temos em Ipanema ou Copacabana ou mesmo o centro da cidade, por exemplo. De novo, deixo para os urbanistas as críticas e esclarecimentos.