quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Enchentes em SP: um velho problema, novos desafios.


Angélica Benatti Alvim*
Alagamento na Marginal Tietê (Foto: P.Toledo Piza/G1. http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2011/01/vitimas-de-enchente-em-sp-irao-receber-r-1-mil-diz-alckmin.html)
As enchentes que atingiram São Paulo nas últimas semanas não é um fato novo. Com raras exceções, anualmente de janeiro e março os jornais noticiam graves ocorrências. No entanto, este ano ultrapassou o recorde de chuvas que atingiram a cidade em janeiro de 1943 ̶ 493,7 mm contra 481,4 mm, quase o dobro da média para o mês (261 mm). Se em 1943 os efeitos foram perversos, hoje, com 11 milhões de habitantes, os efeitos são catastróficos.
Não é um problema simples e não existem soluções prontas.
Além das mudanças climáticas (como o efeito el Niño) que castigam diversas cidades do país e mundo, no caso de SP, a urbanização ocorrida de forma intensa foi amparada por um conjunto de soluções de infraestruturas implementadas, ao longo do tempo, em sua maioria emergencial, setorial e desarticulada, privilegiando interesses políticos e econômicos em detrimento dos interesses públicos.
Ainda nos anos 1920, o Plano de Melhoramentos do Rio Tietê, de autoria do Engenheiro Saturnino de Brito, previa a retificação do rio em conjunto de soluções que poderiam minimizar os problemas atuais das enchentes e dotar a cidade de qualidade urbano-ambiental. Mas, foram descartados tanto a lagoa de controle de cheias (que poderia ser parte de um belo parque), junto à ponte das Bandeiras, um dos locais de maior incidência de enchentes, quanto o projeto do represamento do rio, à montante de São Paulo, que poderia regularizar as cheias e possibilitar reservas para abastecimento de água. A solução encontrada pelos gestores públicos foi implantar parcialmente a retificação do Tietê e, ao mesmo tempo, dotar as suas várzeas de vias marginais, paralelas à ferrovia, que viriam dar suporte ao modo de transporte individual em detrimento ao transporte público.
Percurso natural do rio Tietê e a proposta de melhoramento.
Fonte: ZUCCOLO (2000)
Como parte deste quadro, a industrialização articulada ao setor de transportes não só privilegiou a expansão do sistema viário sobre o leito dos rios, retificando-os ou mesmo tamponando-os, como também a exploração dos recursos hídricos voltou-se para o setor hidrelétrico, para viabilizar a indústria em detrimento ao abastecimento de água. Soma-se a ausência de políticas habitacionais, que contribuiu para o espraiamento da mancha urbana, que por sua vez, em um circulo vicioso, degrada ambientalmente a cidade. Embora, atualmente diversas obras de saneamento e de drenagem venham sendo implantadas, os esgotos domésticos são ainda, em grande parte, lançados diretamente nos cursos de água, convivendo a cidade com seus despejos e também com suas cheias.
Várias cidades do mundo já passaram por processos semelhantes. No entanto, principalmente a partir dos anos 1990, muitas delas vêm implementando planos e projetos de tratamento dos corredores fluviais que se integram ao meio urbano. São as tais cidades vitoriosas, que Sérgio Magalhães se referiu em artigo recente (Jornal O Globo, 18/01/11), “[...] que souberam ajustar suas razões às da natureza”, pois foram objetos de planos e projetos complexos, intersetoriais e corajosos, aliando medidas estruturais às não estruturais de longo prazo (inclusive tratando 100% dos seus esgotos).
Para finalizar, lembrando comentário que já fiz neste blog: “É urgente e necessário rever alguns paradigmas relativos à ocupação urbana em sua interface com a "natureza" já modificada. É preciso incentivar e viabilizar projetos socialmente inclusivos que promovam uma cidade compacta e diversificada ao invés da urbanização extensiva de nossas cidades que é cara e danosa ao ambiente e à sociedade”. No caso de São Paulo, espero que gestores públicos se conscientizem disso, pois não é uma tarefa fácil, mas é parte do desafio a ser perseguido em prol de uma cidade possível.
*Arquiteta e Urbanista, professora e Coordenadora da Pós – Graduação da FAU – Mackenzie.

5 comentários:

  1. Muito interessante a abordagem. São Paulo perdeu oportunidades incríveis de ser uma cidade melhor e mais bonita. Hoje convive com o caos em muitas situações, principalmente nos dias de verão.

    Será que é possível reverter esta situação?

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  2. Oi Angélica,

    gostei muito do texto. Muito importante retormarmos as referências históricas que contribuiram para a situação atual e problemática de SP. Importante lembrar que o atual Plano Diretor Estrategico (PDE 2002 - 2012) previa um conjunto de medidas não estruturais para 2006 que até hoje não foram implementadas, como por exemplo um sistema de parques lineares em conjunto com um adensamento dos vazios urbanos ao longo da orla ferroviária.

    De um modo geral, as proposições que poderiam qualificar os espaços públicos desta cidade e melhorar a qualidade de vida da população, ficam sempre no papel, até mesmo em uma situaçaõ em que o PDE é "construido com a participação da sociedade" (entre aspas pois entendo que a participação é discutível).


    abraços,
    Alexandre Martins

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  3. Faria uma proposta simples para a cidade de SP: limitar o gabarito dos edifícios em 3 andares para todas as suas vilas!

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  4. Angélica,
    querida amiga e competente defensora das águas,
    mais uma vez repito o que tanto conversamos "é necessário o desenvolvimento de diretrizes ambientais municipais", pois os planos e projetos devem respeitar os limites do território. Para amenizar os diferentes hidrogramas de pico, das bacias de contribuição do principais rios da cidade, as taxas de uso e ocupação devem respeitar as condições físicas de permeabilidade (porosidade) do solo em conjunto com as diferentes declividades, não é?! Assim já defendemos no CADES SVMA PMSP em 2006, lembra!?

    Que bom que continuamos acreditando que "SP tem jeito" e, lutando por isso.

    Beijos
    Pérola

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  5. Cara Angélica

    "passeando" em diversos blogs de Arquitetura e Urbanismo me deparei com este interessante artigo que você escreveu. As chuvas fortes voltaram e você tem toda a razão quando diz que é preciso rever os paradigmas de ocupação urbana URGENTE!!!
    abraços,

    Lucio

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