sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Silêncio sobre o Plano Diretor


Andréa Albuquerque G. Redondo*
O novo Plano Diretor para a Cidade do Rio de Janeiro, será sancionado:atribuição do Executivo e Legislativo municipais e obrigação constitucional desde 1988, é lei de especial interesse para urbanistas, arquitetos e juristas. As conseqüências de sua aplicação dizem respeito a todos.
Graças à permanente e importante condição político-administrativa do Rio, a cidade sempre foi alvo de normas urbanísticas. Inúmeras. O Plano Diretor Decenal que está em vigor, de 1992, foi elaborado com participação ativa da sociedade civil. Compilou normas existentes, teve avanços e méritos: fortaleceu princípios das Políticas Sociais, consolidou conceitos sobre a Proteção do Meio Ambiente e do Patrimônio Cultural e estabeleceu fundamentos para igualar o valor da terra, só mais tarde presentes no Estatuto da Cidade.
Denominou-se Decenal por ter sido prevista sua execução em dez anos,obviamente por excessivo otimismo do legislador, tamanha é a complexidade da metrópole.
Ao ser revisto a cada 5 anos, se necessário, poderia ser objeto de inovações e adaptações conforme a dinâmica da cidade assim o exigisse. Caberia acrescentar poucos instrumentos da política urbana previstos no Estatuto em 2001, porventura ainda não contemplados.
O texto aprovado pelo Legislativo e em vias de ser sancionado pretende ser o seguimento de proposta apresentada oficialmente em 2006, que fora objeto de audiências públicas, debates, e sugestões, mas cujo andamento estava paralisado. Pela primeira vez um projeto de lei complementar propunha regulamentar a figura do Solo Criado, conquista do Plano de 1992 que, se aprovada, modificaria as práticas do mercado imobiliário e, provavelmente, induziria a distribuição dos ganhos vindos da importante indústria da construção civil e beneficiaria programas habitacionais para a população de baixa renda. A idéia não prosperou.
As alterações feitas no texto de 2006 a partir de 2009 permitem afirmar que trata-se de um novo projeto de lei. O cerne do futuro Plano – aumento e venda de índices construtivos na cidade, não guarda relação com os objetivos do Solo Criado. Esse aspecto central somado ao resto do conteúdo diverso comprova que se trata de lei reescrita pela nova gestão municipal. Basta comparar as laudas.
Seria cabível apresentar novas idéias, não fosse o texto consolidado ter vindo a público apenas há poucos dias, sem que tenha havido divulgação prévia e sequer tempo hábil para análise por técnicos, instituições acadêmicas e associações de moradores. Seria cabível apresentar um novo Plano, não fosse no rastro de processo legislativo iniciado há quatro anos com etapas já cumpridas, referentes a projeto de lei agora descaracterizado.
Também motivo de apreensão, em paralelo ao estranho processo legislativo outras leis foram aprovadas à revelia do Plano atual: por exemplo, o estímulo à construção nas várzeas e encostas frágeis do Maciço da Pedra Branca nos limites de importante bacia hidrográfica da Zona Oeste, onde os alagamentos são freqüentes; a previsão de torres com 30 andares na Cidade do Samba, recém construída com recursos públicos; a alteração da Reserva Biológica de Guaratiba; e os privilégios construtivos e fiscais criados para a indústria hoteleira sob a bandeira dos eventos internacionais de 2014 e 2016, como se as importantes conquistas justificassem servir-se do solo urbano indiscriminadamente.
Apresentado sob o foco de uma desejada e teórica cidade sustentável – qualquer uma - o Plano Diretor do Rio de Janeiro a caminho é figura de retórica, que, sutil e silenciosamente, poderá validar decisões que desrespeitaram as normas vigentes e anular a possibilidade de regulamentar a distribuição dos ônus e benefícios inerentes à urbanização da terra, diretriz preconizada no Plano Diretor de 1992 e mantida pelo Estatuto da Cidade.
Tudo em meio à falta de transparência e à ausência de um documento ordenado para leitura, fatos questionáveis dentro de um processo legislativo do qual somente se poderiam esperar lisura e a defesa da cidade.
No mínimo, perde-se a oportunidade para aperfeiçoar o principal plano urbanístico do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, 20 de janeiro de 2011.
Dia do santo padroeiro da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.
*Arquiteta

9 comentários:

  1. Não conheço os detalhes deste Plano Diretor do RJ, porém entendo que a turma urbanista deveria tentar medidas judiciais para abortá-lo, caso entendam nocivo ao povo carioca.

    ResponderExcluir
  2. Meu plano urbanístico

    Como economista, três áreas me interessam para uma pesquisa detalhada: a economia brasileira em sua perspectiva histórica e os temas cidades e turismo. Moro em Brasília e fico matutando sobre sua evolução urbana. Cortando desvios e indo ao ponto X, vejo em Roriz, aquele que fugiu para não ser cassado e, portanto não é ficha limpa, o exemplo de político que efetivamente implantou uma política urbana desejável, apesar da pecha de corrupto e desvios outros. Evitou a favelização da cidade, dando a propriedade da terra para um número sem fim de imigrantes. Teria sido pior se nada fizesse. Claro, não é uma política 100%, mas foi o único governador, que eu saiba, a efetivamente fazer , no Brasil, uma reforma urbana pra valer. Nem tudo são rosas. Hoje, em Brasília, estão aparecendo, aos poucos, espigões a torto e a direito, principalmente pelo incentivo financeiro estúpido que o governo dá às empreiteiras e pelo poder que essas exercem nas câmaras legislativas.

    Precisamos acordar e nos unir, nos limites das nossas forças, para preservar nossas cidades. Existe um blog bacana sobre cidades - http://cidadeinteira.blogspot.com/ - que procura discutir o tema, visando à mobilização dos cidadãos para a defesa de nossas cidades. Creio que nos falta a definição clara de um padrão de cidade de forma simples e imediata.

    Eu diria que deveríamos mapear nossas cidades de forma ideal. Eu imagino algo da seguinte forma, para um bom padrão habitacional: limites para gabaritos, digamos um modelo de edifícios de até 6 ou 8 andares e definição de áreas verde e de uso sociais. Um número ideal de parques e áreas verdes, incluindo jardins botânicos e coisas do gênero e incluindo também, no contexto social, hospitais, postos de saúde, escolas, bibliotecas, museus, teatros, etc. Metrô como transporte de massa preferencial para os grandes centros urbanos. Centro da cidade preservando o seu padrão histórico. O crescimento da cidade deveria necessariamente ocorrer de forma horizontal, preservando os limites impostos pelos gabaritos oficiais. A fórmula adequada para a dinamização da cidade seria a de integrar num mesmo espaço os três elementos vitais: moradia, trabalho e lazer. Para simplificar poderíamos escolher uma cidade como referência para as nossas. Enfim, referenciais simples de forma a nos despertar para o verdadeiro valor social que há em empreendimentos como o de Inhotim. Dentro dos meus padrões, eu ficaria satisfeito se imitássemos Lisboa e tivéssemos uma lei sobre Plano Diretores que só pudesse ser alterada de trinta em trinta anos, até porque não quero saber das mazelas das outras gerações, basta as da nossa.

    ResponderExcluir
  3. Fazendo um adendo ao meu comentário: O traçado de vias e ruelas deveria obedecer ao padrão das boas cidades – cortadas e recortadas, em paralelas em jogo da velha.

    PS: Lúcio Costa leva pau na minha escola tupiniquim de urbanismo (Cruz não pode ser padrão para ruas e ruelas tal qual fez em Brasilia)

    ResponderExcluir
  4. Cara Andrea,
    Sobre o "estado de exceçāo" que vem sendo paulatinamente implantado na cidade do Rio, um outro absurdo sob o ponto de vista ambiental vem ocorrendo na Barra da Tijuca com a construção do Parque Olimpico Cidade do Rock. Para maiores detalhes ver em: http://autodromodorio.wordpress.com

    ResponderExcluir
  5. Digo: http://autodromodejacarepagua.wordpress.com/

    ResponderExcluir
  6. Caro anônimo,
    Minhas preocupações em relação à Barra, Recreio e adjacências foram apresentadas em 3 artigos sobre o Projeto de (des)Estruturação Urbana chamado PEU Vargens, publicados no Portal Vitruvius. Houve também uma mesa-redonda no Núcleo de Meio Ambiente da PUC em meados do ano passado. Ao menos ficou registrado. Ab.

    ResponderExcluir
  7. Mas, com este concurso instituído pela Prefeitura e o IAB, cabe aos arquitetos vencedores fazerem projetos para frear este estado de exceção. É a nossa esperança...
    Abçs

    ResponderExcluir
  8. Caro Sérgio Magalhães, há uma quebra de contrato no Concurso Porto Olímpico: uma das partes, a Prefeitura do Rio de Janeiro, mudou as regras quando, sem mais explicações, decidiu por segurar o resultado.

    Você teria algum esclarecimento para as 84 equipes que aguardam informações?

    ResponderExcluir
  9. Ainda em relação à área da Barra da Tijuca (e adjacências), alem do PEU das Vargens, outros dois PEUs – Joá e Itanhagá – estão sendo desenvolvidos neste momento pela SMU sem qualquer discussão pública. No plano, de acordo com o interesse de uma minoria, estão previstas mudanças no uso do solo e densidade construtiva e o pior, a autorização de construção acima da cota 100 (metros).

    ResponderExcluir