Sérgio Magalhães
*Artigo publicado originalmente no jornal O Globo de 30/03/2013
Três
anos depois da tragédia no Morro do Bumba, Niterói, edifícios que ainda estavam
sendo construídos para os desabrigados tiveram que ser demolidos. Com
rachaduras, eram irrecuperáveis. No Rio, o estádio do Engenhão é interditado
por problemas estruturais. Obras importantes – como metrôs e museus - até
triplicam de preço durante a construção. Há algo em comum entre esses casos?
A
autonomia entre as atividades de projeto e de construção decorreu do aumento de
complexidade dos edifícios. Enquanto a tecnologia construtiva era vernacular,
as duas atividades eram conjuntas. Já no Renascimento elas se diferençavam.
Com
a Modernidade se alcançou um novo patamar que levou à especificidade
doutrinária e programática tanto do projeto como da obra, distinguindo-se
autorias e responsabilidades. Como na arquitetura, também no urbanismo houve a
necessidade de tratar-se autonomamente o projeto, a construção e o uso –que, no
caso, pode ser arquissecular.
Quem
projeta não constrói. (Quem acusa não julga; quem joga não apita.) Há
impedimentos éticos essenciais que determinam essa prática.
Mas
no Brasil, há alguns anos, tem sido desconsiderada essa necessária
independência. Os governos tem exacerbado uma simbiose que é responsável pela
reiteração de dificuldades em obras públicas. E pelo seu encarecimento.
Lei
federal que rege as compras públicas aboliu a exigência do projeto completo
para se proceder à licitação da obra. Permitiu-se que o detalhamento de um
projeto, o Projeto Executivo, fosse realizado concomitantemente com a
construção. Ora, isso cria uma indefinição orçamentária que leva à hegemonia do
construtor sobre o projeto. Assim, especificações podem ser descaracterizadas em
benefício financeiro do detentor do contrato de obra e em detrimento da
qualidade. É óbvio: os fatores de convencimento conduzidos pelo construtor são
mais prementes, ou valiosos, do que os determinantes projetuais. Ou seja, o
governo compra um coelho e recebe um gato.
Recentemente,
a lei passou a permitir que uma etapa ainda mais inicial, o Ante-Projeto,
servisse de base à licitação. Sob o argumento que seria necessário aos prazos comprometidos
com a Copa do Mundo, concedeu-se ao construtor ainda maior poder de decisão. Quem
acredita que sem projeto se ganha tempo?
Está
na moda a chamada Parceria Público Privada. Em geral, contorna licitações, também
transferindo importantes decisões de projeto e de obra aos empresários.
No
Programa Minha Casa, Minha Vida, todo o processo fica com a empreiteira:
escolha do terreno, “projeto” e construção. Com o governo fica o pagamento e a designação do morador. A
este, cabe aceitar ou aceitar. (As aspas na palavra projeto aí estão porque
quase sempre se trata de um “carimbo”, que se ajusta, ou não, aos lugares...
como visto no Bumba.)
A
função governo cresceu muito no Brasil. Mas o Estado está aquém do necessário,
como nos serviços públicos urbanos, cuja universalização é exigência
democrática.
A
promiscuidade entre projeto e construção não favorece o cumprimento das
responsabilidades que a República pressupõe. Coelho é coelho; gato é gato.
Boa
Páscoa!
Bacana o seu blog! Os assuntos são pertinentes e sua opinião é colocada de forma clara e objetiva. Parabéns!
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