*Artigo publicado originalmente na revista Ciência Hoje 302 - Abril/2013
Sérgio Magalhães
Por
que temos prazer em passear por cidades bem conformadas urbanisticamente e
continuamos a construir cidades espacialmente desestruturadas?
Nestes
pouco mais de dois séculos de industrialização, o mundo urbano transformou-se
de modo exponencial, em população, em tamanho das cidades, em multiplicidade de
funções, em imagem ambiental.
Os
principais pensadores do urbanismo moderno dedicaram-se naqueles primeiros
tempos a enfrentar o enorme desafio da explosão demográfica e do crescimento
das cidades. Concluiram que as cidades herdadas não seriam capazes de responder
pelos novos tempos; e que um novo modelo urbano haveria de ser concebido.
Os
modernistas de princípios do século XX eram funcionalistas, viviam tempos
fordistas, e idealizaram cidades “racionalistas” onde as funções urbanas seriam
muito bem definidas. Trechos inteiros das cidades passaram a ser apenas
residenciais; os centros se transformaram em lugares apenas de negócio.
Isoladas entre si, as funções seriam interligadas por uma circulação viária
autônoma das edificações. A rua não seria mais a articuladora dos espaços, tal
como propugnava Le Corbusier, o maior doutrinador modernista. Com o advento do
automóvel, a cidade deixou-se dominar por ele.
Assim,
seja por sobre a cidade existente, seja nas expansões que o crescimento
demográfico impôs, tudo mudou. Grandes edifícios, grandes gramados, grandes
vias. A cidade se segmentou. O modelo urbanístico modernista tornou-se
vitorioso e hegemônico.
Inegavelmente,
rompendo com a estrutura herdada, ele foi capaz de promover a expansão das
cidades permitindo absorver as novas populações. Privilegiando o automóvel, deu
condições para o “derramamento” da mancha urbana e, em certo sentido, à
produção das periferias. Idealizando a igualdade, alcançou a multidão.
Não
obstante suas vitórias, o urbanismo modernista recolhe grande crítica,
sobretudo pelo enfraquecimento (ou anulação) do espaço público como lugar do
encontro e da interação social. O prazer de fluir pela cidade nos é oferecido
naqueles ambientes onde predomina o continuum construído, ao invés dos
edifícios isolados; onde há diversidade de funções; e onde podemos caminhar com
conforto por um espaço urbano bem definido, com boas proporções e escala
compatível com o homem. São cidades pré-modernistas que potencializam esse
prazer: flanar por Paris é inesquecível; é no traçado em quadrículas de 1811
que Nova York nos encanta; mesmo em nossas cidades de hoje, é nos seus trechos
de urbanismo convencional que se encontram os melhores ambientes.
Não
há nostalgia nesse prazer. Não precisamos que as cidades sejam antigas para
esse desfrute. Tampouco precisa haver privilégios: o espaço público de alta
qualidade não exige a riqueza econômica ou o contraponto de outros mal
compostos e anódinos. É que a qualidade não se apresenta pela antiguidade ou pela
raridade, mas pela conjunção de fatores objetivos, tais como o modo como os
edifícios se articulam entre si, o uso em diversidade que lhes é conferido, a
escala que vêem a compor, a configuração do espaço, a textura, entre outros
elementos arquitetônico-urbanísticos, funcionais ou simbólicos.
O
urbanismo contemporâneo reconhece esses atributos qualificadores e com eles faz
o seu ideário de revisão do modernismo. No entanto, tais valores ainda não se
encontram participantes das decisões políticas e empresariais majoritárias na
produção das novas edificações e de novos trechos urbanos. E as cidades
continuam sendo construídas para o isolamento. É que há, certamente, uma “inércia
epistemológica” que afasta os conceitos da prática –às vezes por décadas.
Contudo,
com a valorização dos modos alternativos de circular, com a ênfase na sustentabilidade
ambiental, com a disseminação das informações, talvez estejamos hoje chegando ao
fim dessa transição. Oxalá!
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