*Artigo publicado originalmente na revista Ciência Hoje 301 - Março/2013
Sérgio Magalhães
Tomo
a liberdade de invadir a seara de cientistas políticos e de outros saberes,
alguns dos mais expressivos deles presentes em “Ciência Hoje”, para comentar
sobre o domínio do Estado brasileiro por parte de estamentos políticos voltados
apenas a seus próprios interesses. Meu olhar é para as consequências desse
domínio no âmbito do espaço construído nacional.
O
sistema urbano brasileiro, como se sabe, em poucas décadas deu um salto
vertiginoso no crescimento demográfico, no número de domicílios, na expansão das
cidades. Simultaneamente, vertiginoso também foi o aumento das carências, na
infraestrutura, na mobilidade, na segurança pública, nos serviços urbanos. A
cidade se apresenta como lugar do desenvolvimento e da desigualdade.
Os
números evidenciam: 175 milhões de citadinos x 12 milhões na década de 1940; 65
milhões de domicílios urbanos x 2 milhões, àquela época; ocupação urbana
expandindo em taxas mais altas do que a população (reduzindo portanto a
densidade demográfica); 45% dos domicílios urbanos sem esgotos; tempos de
viagem casa-trabalho crescentes (ultrapassando as 2 horas diárias para um terço
dos moradores das grandes cidades); parque automobilístico aumentando 66% em 8
anos, enquanto a população aumentou 11%; insegurança percebida como um dos
maiores problemas sociais; escassez e precariedade na prestação dos serviços
públicos.
Esse
universo veio até aqui sendo construído mais ou menos no improviso. E é uma
magnífica evidência da vitalidade do país e de seu povo.
O
fato é que tal sistema tornou-se muito complexo –ao tempo em que a cidade,
sobretudo a grande cidade, se insere como protagonista no contexto global
contemporâneo, seja econômico, político ou social.
Não
obstante, o Estado brasileiro continua alheio a tal patrimônio e a esse
desafio. Uma evidência é a ausência de políticas públicas voltadas para as
cidades, seja para a infraestrutura ou para os serviços públicos. Assim, os
governos agem aquém de suas responsabilidades.
Mas
se foi possível tratar as cidades no improviso, não será viável persistir nesse
caminho: a qualificação do espaço urbano se apresenta como elemento central
para o desenvolvimento do país e para o vigor da democracia. Uma estrutura de
planejamento há de ser considerada, tanto no âmbito local como nas demais
esferas de poder, através da qual as governanças possam ser efetivas. As
cidades metropolitanas –e já as temos em mais de dezena- ainda não dispõem de
estatutos minimamente consistentes.
Ocorre
que o domínio das posições relevantes nos aparelhos governamentais que tratam da
cidade, da habitação, dos serviços públicos e da infraestrutura urbana, está
voltado prioritariamente às mecânicas de renovação do próprio poder político. Por
definição, têm vistas ao curto prazo –e se afastam de estratégias que impliquem
em investimentos constantes em períodos prolongados.
O
Brasil percebeu tal conflito de interesses em alguns setores da administração
federal, dando-lhes caráter de tarefa de Estado. É o caso da diplomacia, das
forças armadas, da receita, entre outros poucos setores –que não inclui o
urbano.
Certamente
podemos dizer que a democracia há de levar ao paulatino aperfeiçoamento dos
sistemas de poder. No nosso caso, porém, tem-se a sensação de crescente
subordinação dos instrumentos administrativos por parte da política eleitoral.
A tal ponto que, a cada troca de chefe do executivo, trocam-se os titulares de
centenas ou milhares de funções de governo, alcançando terceiros, quartos e
quintos escalões.
Essa
organização político-eleitoral-administrativa há de ter responsabilidade na
escassez de políticas públicas que estruturem o desenvolvimento e a
democratização de nossas cidades. A persistir, nosso sistema urbano
dificilmente poderá desempenhar a contento o papel central que a própria
democracia lhe exige. Um descompasso paradoxal.
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