Sérgio Magalhães
*Artigo publicado originalmente na revista Ciência Hoje 304 - julho/2013
O general Ernesto Geisel, respondendo a uma
pergunta sobre a fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, foi claro:
“Reclamam de eu não ter feito um plebiscito. Ia ser dispendioso – e eu não
pretendia mudar minha decisão.” Já na condição de ex-presidente da República,
nesse depoimento prestado a pesquisadores da Fundação Getulio Vargas, publicado
em livro, não titubeou em reafirmar a potência discricionária de sua decisão.
Tudo muito simples: estava decidido, não tinha porque submeter suas conclusões
à população.
Nestes quase 40 anos, muita coisa mudou
em nosso país. Terminou a ditadura, já cinco presidentes eleitos decorrem da
promulgação da ‘Constituição Cidadã’, a economia parece ter entrado nos eixos,
a população urbana mais que dobrou. Apesar dessas condições, as decisões
referentes às cidades parecem obedecer a uma metodologia ainda estacionada
naqueles tempos do general.
Os principais investimentos, aqueles que
efetivamente modificam a vida urbana, são em geral gestados e decididos – quando
os há – em gabinetes distantes do cotidiano cidadão e impostos a todos como
fatos consumados. Afinal, são ‘investimentos’: se não estiverem de acordo,
outros lugares os quererão...
Ocupação, mobilidade, habitação,
grandes equipamentos – todos são elementos centrais para o desenvolvimento
urbano. Decisões sobre eles não são destituídas de importantes consequências
para as cidades e os cidadãos.
Um exemplo de decisão discricionária no
âmbito da ocupação do território vem do governo do Distrito Federal. Há alguns
meses, contratou-se empresa de Cingapura para ‘projetar’ os próximos 50 anos de
Brasília, à revelia de uma intensa manifestação coletiva contra esse verdadeiro
crime de lesa cultura. Brasília, justamente a cidade que se consagrou como
símbolo da capacidade de superação do povo brasileiro, é oferecida ao critério
projetual de interesses estrangeiros, sem explicação.
Na mobilidade, decisões sobre traçados
de linhas de metrô são tomadas em âmbito restrito – ou até mesmo contrariando
planos licitados – sob ímpeto de estudos desconhecidos pela população ou por
especialistas. É o caso do metrô no Rio de Janeiro, com a substituição da
projetada Linha 4, licitada há anos, por uma extensão da linha 1, que ligará a
zona Sul à Barra da Tijuca, com custo superior a R$ 8 bilhões.
Que consulta foi promovida em Belo
Horizonte sobre a decisão de reposicionar o Centro Administrativo do estado?
Localizado em área periférica da cidade, tem forte impacto sobre a expansão da
região metropolitana e seus sistemas de mobilidade.
O programa federal Minha Casa, Minha
Vida impõe-se a todas as cidades sem discriminação de clima, lugar, cultura.
Mesmas tipologias construtivas são paginadas de norte a sul, de leste a oeste, por
meio de conjuntos residenciais com milhares de unidades, implantados para além
das franjas urbanas. Apesar da crítica continuada dos diversos agentes sociais
e profissionais, persistem impávidos os governos e seus serviços financeiros e
administrativos na decisão, desdobramento empobrecido de velhos modelos, já
condenados, ao tempo do extinto Banco Nacional da Habitação.
A ausência de planejamento, a falta de
projeto e a decisão discricionária são elementos de um processo perdulário que
gasta exageradamente os dinheiros públicos, o território das cidades, a energia
cidadã, a confiança na política e na democracia. A inflação e a ditadura certamente foram dois
potentes agentes promotores da degradação da ideia de planejamento e de projeto
no Brasil. Mas não é razoável que persistamos nesse caminho depois de tanto
tempo de evidência de seus desastrosos resultados.
(POSSÍVEL DESTAQUE)
Os principais
investimentos, aqueles que efetivamente modificam a vida urbana, são em geral
gestados e decididos – quando os há – em gabinetes distantes do cotidiano
cidadão
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