Sérgio Magalhães
*Artigo publicado originalmente na revista Ciência Hoje 307 - setembro/2013
Em julho, o Brasil emplacou 300 mil novos veículos. Em um ano, provavelmente serão 3 milhões. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) calcula que a população brasileira tende à estabilidade até 2030, perdendo população, a seguir.
Essas contas são questões isoladas? Não. Elas
compõem um quadro representativo de temas essenciais para as cidades
brasileiras. Mobilidade, serviços públicos e ocupação urbana são elementos
fundamentais para a qualidade de vida cidadã e também para o desenvolvimento
nacional.
O número de veículos licenciados reflete a
prioridade que os governos têm dado à indústria automobilística. A partir dos
anos 1960, o país optou pelo rodoviarismo. Desconstruiu a rede de bondes,
enfraqueceu as ferrovias urbanas, desconsiderou o transporte de alto rendimento,
investiu em viadutos, elevados, alargamentos de vias e constituiu um transporte
coletivo baseado em ônibus, incapaz de suprir as exigências das grandes cidades
nos deslocamentos impositivos casa-trabalho.
(Parece ter sido adotado um modo de reduzir a
frustração ante tal sistema de transporte criando-se no usuário a esperança de
que mais adiante ele será um feliz proprietário de automóvel – e poderá pairar
em engarrafamentos crescentes com conforto: sentado, com ar condicionado e
ouvindo a música preferida...)
Essa opção desestruturou o espaço público,
descaracterizou bairros e expandiu as cidades para muito além do que o aumento
demográfico exigiria. A infraestrutura e os serviços públicos não acompanharam
tal expansão. Partes das cidades se viram abandonadas pelo Estado, permitindo
que bairros pobres – favelas, loteamentos e conjuntos residenciais – fossem
dominados por bandidos armados.
Não mais crescendo a população, como prevê o Ipea,
será preciso desconstruir a ideia hegemônica de que expandir a cidade é sinal de
progresso. Ao contrário, cidades compactas aumentam a chance de melhor
atendimento à população e tornam mais baratas infraestruturas e serviços
públicos. O Estado, portanto, poderá ter melhor desempenho no papel de
prestador de serviço público, inclusive o de segurança. Não faz mais sentido
estimular a ocupação de novas áreas, investir recursos públicos na expansão da
mancha urbana – e abandonar os bairros consolidados.
O Estado brasileiro – nas três instâncias de
governo – tem responsabilidade nesse quadro, seja por opções equivocadas ou por
omissão, e precisará rearrumar-se para enfrentar os desafios contemporâneos.
A ditadura de índices econométricos a que as
cidades são submetidas, que lhes impõem mais automóveis, precisará dar lugar à
avaliação qualitativa no desempenho da vida urbana e cidadã. A universalização
da infraestrutura urbana e dos serviços públicos, inclusive o de segurança, é
uma exigência democrática que as ruas estão a exigir. E a contenção das cidades
é uma equação que se promove justamente com transporte de alto rendimento (do
tipo metrô), com aproveitamento e manutenção das infraestruturas existentes,
com crédito para habitação. E também sem estímulos à especulação de terras e
sem investimentos públicos em lugares que possam levar à expansão. Os
privilégios devem ser dados aos locais onde as pessoas vivem e à melhora das
condições de mobilidade, em especial à relação quotidiana casa-trabalho.
Os incipientes quadros de planejamento
urbano e territorial mantidos pelo Estado foram desfeitos nas últimas décadas.
Mesmo no setor privado, as equipes de planejamento e projeto
desestabilizaram-se ante a escassez de políticas públicas correspondentes.
Somos, porém, quase 200
milhões de brasileiros em cidades. É urgente recuperar a capacidade nacional de enfrentamento das demandas
de médio e longo prazo localizadas no sistema urbano brasileiro.
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