*Artigo publicado originalmente no jornal O Globo de 12/10/2013
Sérgio Magalhães
Em recente entrevista ao Globo, o governador do Rio de
Janeiro afirmou que o caso Amarildo só foi elucidado porque a Rocinha tem uma
Unidade de Polícia Pacificadora.
As UPPs são a mais importante medida de recuperação para o
âmbito da proteção constitucional de territórios então dominados pela
bandidagem armada. Sua abrangência é ainda limitada, mas melhorou a percepção
de segurança na cidade. Consequências positivas potencializam a fruição dos
espaços públicos e a interação entre partes antes excluídas do Rio.
Fortalece-se a economia, a vida social, a cultura; a própria cidade.
Contudo, as UPPs não são uma panaceia.
O primeiro valor desse projeto é retirar do domínio discricionário
de bandidos as populações moradoras naqueles territórios. Um segundo, e fundamental,
é evidenciar as virtudes da recuperação da legalidade para o conjunto urbano.
A omissão do Estado, durante décadas, o abandono a que
relegou áreas pobres da cidade – sejam favelas, loteamentos ou conjuntos
residenciais – teve consequências brutais para os moradores dessas áreas e para
a cidade como um todo. Impulsionou a decadência e a degradação urbana,
econômica, política e social de bairros e regiões, e da própria metrópole.
Mas não é uma etapa vencida.
O projeto das UPPs cumpriu o papel de evidenciar o possível. E
demanda duas consequências: primeiro, que em prazo razoável alcance toda a
metrópole, desonerando as partes ainda não atendidas do ônus da presença dos
bandidos expulsos dos territórios legalizados; segundo, que os serviços
públicos se implantem como rotina, tal como no restante da cidade.
A retomada, se de início é de natureza policial-militar, não
pode construir uma nova ordem à parte da cidade. Não pode o capitão ser um novo
guia. O papel do Estado é sintetizado nos serviços públicos e na lei.
A defesa do território e do cidadão é expressão do serviço
público de segurança, monopólio do Estado. Tal serviço, historicamente escasso
nas áreas pobres, não é o único indispensável na cidade contemporânea. Os
demais serviços públicos, relacionados ao saneamento, ao transporte, à
educação, à saúde, ao bem-estar, enfim, à vida urbana precisam ser garantidos
em todos os territórios.
Essa é a equação política que as UPPs tornaram urgente.
Enquanto a rotina democrática não estiver instalada, enquanto
a resistência burocrática da administração não estiver superada, enquanto os
serviços públicos não estiverem em normal funcionamento, compete aos
mandatários eleitos monitora-los para que sejam prestados em condições
adequadas, sistemáticas, impessoais e republicanas. Pela omissão histórica do
Estado, é um trabalho que pode ser longo e talvez não possa ser delegado. Certamente,
ultrapassará governos.
Ao governador e ao prefeito se confere o mérito da cidade
reencontrar-se com a esperança. Não podemos, eles e nós, ser derrotados pela
insuficiência de desdobramentos das atribuições do Estado na prestação dos
serviços públicos. A consequência da UPP não há de se esgotar na evidência de
que sem ela o caso Amarildo teria ficado às escuras.
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