*Artigo publicado originalmente na Folha de São Paulo 26/04/2014
Sérgio Magalhães
Nós estamos
satisfeitos com as obras dos estádios para a Copa? Estão no prazo? Estão com
custos conhecidos? Estamos contentes com as obras de infraestrutura prometidas?
Estão bem feitas? E as obras do PAC?
Pois saibamos que
foram contratadas por uma lei de exceção – o tal RDC. Agora, quer-se estender a
todas as obras públicas, sejam municipais, estaduais ou federais, o mesmo
regime. O argumento: precisa simplificar a licitação.
O limite da simplificação
é o gestor público chamar o empreiteiro seu amigo e lhe dizer: “Faça essa obra.
Eu não sei bem o que eu quero, mas você pode começar. Meu povo garante os
dinheiros.”
Será fantasia?
Nas décadas de
inflação era difícil superar a lógica da premência: qualquer coisa agora é
melhor do que nada amanhã. Os
incipientes sistemas públicos de planejamento e de gerenciamento de obras foram
esvaziados.
Com a estabilidade e o
crescimento econômico afloraram as demandas reprimidas e outras tantas se
apresentaram. Mas, o serviço público vê-se às voltas com a falta de quadros
técnicos de planejamento e de gerenciamento de projetos e obras; e com a
abundância de quadros político-partidários, em geral despreparados para as
funções.
É verdade que presidentes,
governadores e prefeitos são premidos pelo prazo de mandato; é compreensível
que tenham pressa. Mas o caminho que parecem querer não é correto; levará ao
aumento dos problemas, das obras inacabadas com custo exagerado e
desnecessárias. Não é a velocidade com que se licita a obra a chave da questão.
O mundo todo sabe, sobretudo
os empreiteiros, que é a indefinição ou falta de projeto o principal fator de
atrasos e de aumento de custos de obras. A indefinição projetual, aliás, é uma
aliada poderosa da corrupção e dos malfeitos.
Para superar a
indefinição e a falta de projetos completos, o governo imaginou um atalho: transfere
ao empreiteiro a tarefa de “projetar, construir, fazer os testes e demais
operações necessárias e suficientes para a entrega da obra”.
Alguém faria isso com
seus próprios recursos? Mesmo um construtor, no interesse de fazer sua casa, e
sem tempo, contrataria um colega nessas condições?
O interesse público
está na adequação da obra às necessidades da coletividade, na boa qualidade dos
serviços e no seu preço justo. Isto exige um trabalho continuado que começa em definir
o que se quer (o “Programa de Necessidades”), passa pela elaboração de projetos
completos, seus licenciamentos, orçamentos confiáveis e transparentes, por uma
licitação de obra que permita a concorrência, o gerenciamento dos projetos e o
acompanhamento gerencial da obra .
Se os governos querem
pressa precisam melhorar seus processos de decisão, o que se faz com órgãos
técnicos de planejamento estruturados como função de Estado. É o que o mundo
desenvolvido aprendeu.
As entidades
nacionais de arquitetura e urbanismo, em documento intitulado “As obras
públicas e o Direito à Cidade”, entregue ao governo federal e às lideranças do
Congresso, são contrárias à extensão do RDC a toda obra pública e pleiteiam que
a revisão da Lei de Licitações, em andamento no Senado, seja concluída com a
exigência de Projetos Completos.
O Brasil é um país
maduro, importante – não pode continuar aos solavancos. Os problemas urbanos
precisam ser enfrentados para promover a democratização de nossas cidades.
Esses atalhos levam a cidades com maior desigualdade social, insustentáveis e
precárias – e à desmoralização da Política.
O futuro não dará
razão a tais atalhos.
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