Sérgio Magalhães
Mais uma vez um conflito armado
entre traficantes e policiais ocorre em área atendida por Unidade de Polícia
Pacificadora, no Rio, e deixa vítimas fatais.
Conflito armado entre traficante
e polícia, com vítima, ocorre há muito tempo em grandes cidades brasileiras e,
pela recorrência, já é pouco divulgado. Mas a invisibilidade do fato, por sua
banalização, não supera as suas consequências seja para a família da vítima ou
para a cidadania.
No caso ocorrido em Copacabana,
esta semana, foi diferente; houve protesto público nas ruas do bairro que se
amplificou em noticioso local e internacional por dois principais motivos: pela
proximidade da data da Copa do Mundo e por se tratar de área com UPP.
Certamente, são duas situações especiais. Uma, é passageira; outra, espero, há
de se constituir em um processo que ajude à redução da desigualdade social das
cidades brasileiras.
Convivemos no país com um irônico
paradoxo: um dos assuntos mais presentes na mídia é o das favelas; não
obstante, o tema parece não figurar no rol de preocupações do Estado
brasileiro.
A favela típica não é um fenômeno
restrito a poucas cidades. Em São Paulo e no Rio de Janeiro supera 20% das
moradias. Ainda, a favela é muitas vezes tratada como o genérico de todo
assentamento popular – inclusive loteamentos.
Essas duas tipologias
urbanísticas somam cerca de metade das moradias urbanas brasileiras. São muito
diversificadas, mas, em geral, são lugares com pouca ou nenhuma infraestrutura,
com escassez ou inexistência de serviços públicos, inclusive os de segurança e
de regulação. A esse déficit de urbanização e de serviços públicos muitos
chamam por “ausência de Estado”.
Assim, criam-se condições para
que essas áreas sejam tomadas por interesses marginais, muitas vezes com
dominação territorial armada, que impõem jugo discricionário às populações
moradoras.
O desafio é justamente superar
essa ausência de Estado com a urbanização e a universalização dos serviços
públicos, também o de segurança, e fazer vigir aí a Constituição - o que
pressupõe políticas públicas consistentes, continuadas, acordadas
compartilhadamente como uma verdadeira agenda nacional para a redução da desigualdade
social urbana.
A urbanização de favelas é uma
experiência exitosa, demonstrada no Rio pelo programa Favela-Bairro, e em
outras cidades. Mas não é algo que possa ser realizado sem consideração para
com as preexistências ambientais, espaciais e culturais, sem bons projetos
urbanísticos e sem cuidados construtivos. Nas áreas atendidas, “o Estado pode
circular”, como pede o secretário de segurança do Rio.
Recuperando o território e
protegendo a população do arbítrio, as UPPs cumprem papel importante em defesa
da cidadania. Certamente é um longo processo e de larga abrangência.
Enquanto isso, precisamos proteger
esse instrumento aplaudindo seus acertos, corrigindo suas falhas, sobretudo não
tergiversando com eventuais descaminhos de seus agentes. Há uma essencial esperança
no seu êxito.
Cada vítima de violência, em área
de UPP ou fora dela, atingida por bandidos ou por policiais, não há de morrer
em vão. Seu sacrifício não pode ser banalizado e ficar invisível; deve ser
acolhido em reforço de nosso compromisso político no caminho da democratização
de nossas cidades.
É nesse caminho que o Estado
precisa circular.
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