quarta-feira, 28 de abril de 2010

FAU/UFRJ: nota de conduta

Lucas Franco
Ainda sobre a polêmica campanha para remoção das favelas, nos chega uma “nota de conduta” para o caso dos reassentamentos urbanos, feita pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ.

Como definido pelos autores: “Trata-se de um documento genérico e curto, somente para dar uma orientação muito mais ética do que propriamente técnica”.

NOTA DE CONDUTA
A FAU/UFRJ, em virtude de suas atribuições de ensino, pesquisa e extensão em Arquitetura e Urbanismo e coerente com seu compromisso social, e em resposta à solicitação da PR-5, apresenta pontos de cautela quanto aos procedimentos a serem adotados relativos à realocação de famílias assentadas em áreas com potencial risco na cidade do Rio de Janeiro.
A Instituição reconhece o dever e a responsabilidade do poder público de tutela e proteção jurídica para a defesa da vida da população e das respectivas medidas preventivas indispensáveis à salvaguarda da vida. No entanto, admite a possibilidade de haver casos onde se apresente como desnecessária a realocação da totalidade de famílias assentadas em comunidades onde eventualmente haja algumas situações que ofereçam potencial risco.
A referência para as cautelas apontadas são os princípios que vêem na remoção de famílias residentes em ocupações irregulares um ato arbitrário, previstos na doutrina legal urbanística brasileira e carioca, e o entendimento de que na realocação e no reassentamento devem prevalecer os aspectos ligados à garantia da cidadania.
Neste sentido, sugerimos as seguintes cautelas:
  • Resguardar a transparência do processo de realocação de famílias assentadas em áreas de risco, através da ampla divulgação dos estudos conclusivos especializados geotécnicos que comprovem a tomada de decisão.
  • Respaldar a decisão política de realocação de famílias em estudos que levem em conta a história e o processo de ocupação do lugar.
  • Se imprescindível for a realocação imediata de famílias residentes em locais em presumida situação de risco, aguardar a conclusão dos concernentes estudos técnicos que comprovem o risco para a demolição das moradias.
  • Executar laudo geotécnico que comprove situação de risco como instrumento de avaliação da pertinência de intervenção urbanística que resultem na demolição de unidades residenciais.
  • Nas áreas que tiverem sido objeto de intervenções urbanísticas anteriores por parte do poder público, reavaliação dos estudos criteriosos geotécnicos que as precederam, inclusive tendo em vista resguardar a aplicação de investimentos públicos.
  • A realocação de famílias residentes em comunidades que possam apresentar situações de risco é um processo complexo que implica laudo urbanístico, geotécnico e de gestão.
Rio de Janeiro, 19 de abril de 2010.
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo / Universidade Federal do Rio de Janeiro

domingo, 25 de abril de 2010

IAB-RJ: Sete esclarecimentos

Lucas Franco
Em função do desastre promovido pelas chuvas, o departamento do Rio de Janeiro do Instituto de Arquitetos do Brasil publicou uma nota em solidariedade a população.


SETE ESCLARECIMENTOS
À POPULAÇÃO SOBRE AS TRÁGICAS CHUVAS QUE SE ABATERAM SOBRE A REGIÃO METROPOLITANA DO RIO DE JANEIRO
1.Nem toda favela é área de risco; nem toda área de risco é favela.
2.Se não houvessem existido as obras de urbanização e reassentamento promovidas pelos programas 'Favela Bairro' e 'Morar sem Risco', o número de vítimas no Município do Rio de Janeiro teria sido, seguramente, muito maior. Esta é uma política correta e vitoriosa que precisa ser continuada.
3.Não há solução eficaz e duradoura para o problema das enchentes e suas consequências sem investimentos públicos massivos, continuados e tecnicamente qualificados, principalmente nas áreas de habitação, transporte e saneamento. Habitação e Cidade são interdependentes e devem ser construídas simultaneamente.
4.As famílias moradoras em áreas de risco iminente precisam ser apoiadas para se transferirem a um lugar seguro, garantindo-se a integridade de suas atuais moradias enquanto laudos técnicos sejam realizados sobre a natureza e permanência do risco.
5.Havendo necessidade de reassentamento, ele deve se dar mitigando eventuais perdas relativamente às relações econômicas e sociais estabelecidas.
6.Os governos federal, estadual e municipais precisam contar com estruturas de planejamento permanentes e estáveis, para a implementação de políticas urbanas de médio e longo prazo.
7.A população pobre não é suicida. Mora em áreas de risco por falta de alternativas. Havendo modos de financiamento habitacional e transporte público de qualidade, toda a cidade se beneficia e novos danos sociais e ambientais se evitam.
Nós, arquitetos do Rio de Janeiro, reafirmamos nossa solidariedade com as vítimas das chuvas e, em especial, com os que perderam seus entes queridos. Continuamos prontos a contribuir para a construção de uma metrópole melhor, mais justa, menos desigual, onde todos os cidadãos possam dispor de um lugar seguro para morar, integrado à cidade, e contando com os equipamentos e serviços públicos necessários à vida urbana contemporânea.
Rio de janeiro, 14 de abril de 2010
Conselho Administrativo e Conselho Deliberativo do
INSTITUTO DE ARQUITETOS DO BRASIL / Departamento do Rio de Janeiro

terça-feira, 20 de abril de 2010

Revolucionário

Equipe Cidade Inteira
Saudamos o novo produto/sistema disponível no mercado, anunciado abaixo, em que pese constituir-se em um derivativo concorrente da mídia em que os blogs se situam.
Nosso compromisso com a informação qualificada é superior a eventuais danos de audiência pela distribuição do interesse dos leitores em outras mídias.

Se alguns dos prezados leitores acompanhantes deste "cidadeinteira" optarem por ocupar seu tempo entre o novo produto e este blog, ainda assim ficaremos agradecidos pela parcela que nos toque.

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segunda-feira, 19 de abril de 2010

Roberto Segre: apresentação da Expo Reidy

Lucas Franco
Na abertura da exposição sobre o arquiteto Affonso Eduardo Reidy, realizada no Centro de Arquitetura e Urbanismo em Botafogo, o arquiteto e professor Roberto Segre fez um belo discurso em defesa do CAU e da arquitetura carioca.
A seguir, um trecho selecionado e ao final, o link para o discurso completo.
“(...) A presença de Maria Helena na atual direção do CAU demonstra o desejo de valorizar-lo, e continuar com os sucessos da época gloriosa, no período em que Conde era, primeiro Secretário de Urbanismo, e posteriormente Prefeito, e renovar o trabalho editorial com a publicação de livros significativos para a cultura arquitetônica e urbanística do Rio de Janeiro, como já foi a recente edição de análise do Plano Agache, e que está se aprontando sobre o plano Doxiadis. Mas pode se afirmar que aquele momento de esplendor está voltando?. Temos essa dúvida. Naqueles anos, Conde, arquiteto de renome, dedicou-se á política e a gestão pública, não para fazer política, mas com o objetivo de melhorar o nível da arquitetura e do urbanismo da cidade, e valorizar os conteúdos estéticos e culturais do ambiente construído. E podemos afirmar que os programas de Rio Cidade e Favela Bairro, com a participação de Sérgio Magalhães, foram sem dúvida a continuidade dos sonhos, dos ideais, das aspirações de Reidy, naquela sua utopia que imaginava com os arquitetos de talento deviam trabalhar como funcionários públicos para desenvolver as iniciativas construtivas do estado, sempre concretizadas com obras de alto valor estético.
Daí que a proposta de criar o CAU se originava no desejo de ter um centro cultural da arquitetura que permitisse á população da cidade, conhecer, participar, informar-se e integrar-se no conhecimento, no prazer, na alegria de compreender e compartilhar a presença da boa arquitetura, da sua beleza, na vida cotidiana. A aspiração era que o CAU devia ter um apelo e uma popularidade semelhante aos que difundem a significação das artes plásticas, como o Centro Cultural Banco do Brasil, ao dos Correios ou da Caixa Econômica. E que esta responsabilidade devia ser uma tarefa da Prefeitura, cujos recursos ajudariam a elevar o nível cultural da população carioca, e motivar o interesse pela arquitetura. Considerando também que o IAB, também responsável por esta missão, nunca teve recursos próprios devido a miopia dos arquitetos membros, que não contribuem economicamente com o seu desenvolvimento. Objetivo de grande significação social, em um contexto em que a maioria das pessoas, e em particular da classe média, estão alheios aos valores culturais da arquitetura, e se emocionam com a banalidade dos prédios dos condomínios fechados da Barra, se entusiasmam com os shopping centers e desprezam a maravilhosa herança contida no centro do Rio de Janeiro.
Com a importância dos grandes eventos que estão previstos no Rio para os próximos anos - o mundial de futebol e as olimpíadas - , é urgente desenvolver na população o conhecimento e a informação do que se pretende fazer, dos projetos que serão construídos, da participação dos profissionais locais e estrangeiros, e qual é o debate sobre as transformações urbanísticas previstas e as opções possíveis, entre a proposta de seguir expandindo a Barra o revitalizar o abandonado centro da cidade. E por isso, já que o Brasil é um país democrático ainda, e pode se falar com total liberdade, e não cair no infantilismo esquerdista de banir as opiniões adversas aos interesses dos políticos de turno, me permito fazer a crítica que considero um absurdo o enfraquecimento do CAU, a sua redução a este espaço mínimo onde estamos reunidos esta noite, onde praticamente, a exposição é reduzida a estas poucas paredes, apresentada sem recursos, na vez de ocupar todas as salas originais do centro, como mereceria uma grande homenagem a Reidy, e que não é possível porque grande parte do CAU foi ocupada por escritórios administrativos da Prefeitura.
E considero que é um grande erro dos políticos atuais, acreditar que não é importante a cultura arquitetônica da nossa sociedade. E que a visibilidade da arquitetura seria somente atingida através da presença de obras do jet set internacional, espalhando “elefantes brancos” na cidade. Admiro as obras projetadas por Jean Nouvel, Christian de Portzamparc, Diller & Scofidio e Santiago Calatrava, que irão integrar Rio no “efeito Bilbao” para atrair investimentos e turistas, mas admiro mais as iniciativas desenvolvidas por Conde e Magalhães, que convidaram os melhores arquitetos cariocas a desenvolver projetos criativos que se espalharam nos quatro cantos da cidade, atingindo com boa arquitetura os bairros e as populações pobres e distantes, com esse conteúdo social que tanto preocupava ao Reidy. E hoje, depois da tragédia que aconteceu no Rio na segunda 05, a população pode se perguntar, quais são os projetos que a Prefeitura tem para estes casos de emergência?. Quais são as propostas dos arquitetos para resolver os graves problemas das moradias nas áreas de risco?. Que vai ser feito no futuro para evitar as enchentes, como em Niterói, onde a especulação imobiliária é a dona da cidade, e não tem desenvolvido nenhuma obra de infra-estrutura que acompanhe o crescimento exagerado de prédios de apartamentos de luxo?. (...)”
Leia aqui o discurso na íntegra.
Veja aqui mais detalhes sobre o evento.

domingo, 18 de abril de 2010

"Não esperava este posicionamento do poeta."

Sérgio Magalhães
Assim me disse jovem arquiteto a propósito de artigo de autoria de Ferreira Gullar, publicado pela Folha de São Paulo.

É o tempo, meu amigo. É o tempo, inexorável, que põe de cabeça para baixo e de pernas para o ar nossas maiores certezas. O poeta do Poema Sujo cansou?

Para Gullar de agora, Carlos Lacerda retirou do morro da Babilônia uma pequena favela transferindo seus moradores para um conjunto residencial em Bangu. Como foi acusado pela oposição de odiar os pobres, o governador desistiu de retirar outras favelas da zona sul.
“Se seu plano tivesse obtido apoio, os graves problemas que enfrentamos hoje, tanto no plano da criminalidade quanto da qualidade de vida dos moradores, talvez não existissem.”

Brizola e todos que o sucederam são os responsáveis pelo crescimento das favelas e por seu alastramento pelos morros, afirma Gullar. Não obstante serem políticos do Rio, reconhece que essa é uma política que se faz no país inteiro, e em todos os níveis: municipal, estadual e federal... (Por certo, mais uma das influências funestas da Cidade Maravilhosa.)

Sensibilizado pela tragédia que alcançou centenas de famílias, com os desastres decorrentes das últimas chuvas, o coração do poeta se superpôs à memória e ao seu legado político, construindo um outro tempo, onde as coisas são tão simples como esta sua reescrita da história do Rio de Janeiro. Nessa nova hipotética cidade, a favela é causa e conseqüência, é mãe e é madrasta, de uma cidade singela.

Por certo, não é a cidade rica/complexa/viva com que se encerra o Poema Sujo:

a cidade está no homem
quase como a árvore voa
ao pássaro que a deixa

cada coisa está em outra
de sua própria maneira
e de maneira distinta
de como está em si mesma

a cidade não está no homem
do mesmo modo que em suas
quitandas praças e ruas.

Veja aqui o artigo de Ferreira Gullar para a FSP

sábado, 17 de abril de 2010

Sábado do diálogo

Sérgio Magalhães
Depois dos dias de caos, em que, talvez como reação emocional, prevaleceu uma visão simplista sobre os problemas urbanos, dá gosto ler no Globo de hoje três artigos que contribuem para recolocar o tema da cidade na sua devida complexidade.

O arquiteto Luiz Fernando Janot inaugura sua coluna no jornal com a defesa do espaço público como lugar da interação social. LFJ trata do estranhamento em relação ao outro (“não se pode achar que é inferno tudo que é estranho”) como uma das conseqüências da perda de qualidade desse espaço.

A paisagista Cecília Herzog reivindica uma ampliação da cobertura vegetal como instrumento para reduzir os danos em relação a grandes chuvas. Reivindica transformar o Rio em “Cidade Verde Maravilhosa”, pelos benefícios ambientais, sociais e econômicos que uma solução, como a que propõe, pode representar.

E o cardeal D. Eugênio Salles retoma uma questão que lhe é cara: a da promoção da justiça na vida urbana. D. Eugênio, com discrição, sempre teve papel importante no encaminhamento de temas relacionados à moradia dos pobres. Agora, lembra decisão de sua Arquidiocese, de 1981, em defesa da posse e uso do solo urbano pelas famílias moradoras em favelas como uma condição de justiça e paz social.

A semana termina bem. Para a cidade, nada melhor do que o debate de seus problemas.

Leia aqui o artigo de LFJ
Leia aqui o artido de Cecília Herzog
Leia aqui o artigo de D.Eugênio Salles

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Vozes do além

Eduardo Cotrim
Temos lido nos jornais a indignação de editoriais e matérias que reclamam a inoperância dos governantes, frente à ocupação dos morros do Rio. Algumas vozes são convictas de que um exército de  pessoas ocupou os morros, à revelia dos poderes constituídos, como se  não houvesse sociedade, apenas governos. Em geral, as manifestações atribuem a ocupação dos morros à falta de planejamento do espaço urbano.
Não é coisa do outro mundo constatar que se credita, sobretudo, aos planos pactuados, o fato de a população residente em favelas no Rio equivaler hoje à população da cidade de Campinas, Goiânia, Nápoles ou de Bruxelas. Ou que os morros do Rio superaram em 20% a população de Marseille, em 30% a de Amsterdã e em quase 100% a de Lisboa. Um exemplo real de pacto social de ordenação do território urbano, se deu com a transferência de assombrosos  recursos públicos do Sistema Financeiro da Habitação para a produção de milhares de apartamentos em condomínios subsidiados na Barra da Tijuca. Durante dezenas de anos a fio esse plano de reassentamento e de infra-estrutura urbana tem sido implementado, mas discute-se a urbanização de favelas.
As obras de drenagem e contenções em encostas, feitas nos anos anteriores a essas chuvas e as intervenções de saneamento, permitiram que a tragédia com vidas no Rio fossem substancialmente menores, o que não orgulha ninguém, claro. Mas esse não parece o ponto chave de muitas indignações. O Favela-Bairro iniciou um processo consciente de levar a cidade às pessoas e não de conduzi-las às proximidades da zona rural. É de se perguntar se esses um milhão de moradores de favelas fossem transferidos para enclaves nas fronteiras da cidade, estariam hoje contidos lá pacificamente. Certamente sim, se essa operação hipotética, do outro mundo, fosse conciliada com a implantação de boas escolas, boas redes de infra-estruturas, opções de lazer, serviços e Trens-bala baratos para  o deslocamento diário ao Centro, Zona Norte e Zona Sul.  Mas o pacto de ordenação do território não foi esse. Ainda que tivesse sido, os recursos permitiriam construir as moradias em alhures, não todo o resto. Provavelmente, um milhão de pessoas estariam hoje construindo casas nas calçadas planas da cidade. Um outro cenário possível, mas desse mundo.

sábado, 10 de abril de 2010

Remoção não pode ser tabu - nem uma panacéia

Sérgio Magalhães
*Artigo publicado originalmente na Folha de São Paulo em 10/04/2010
Os anos 60 assistem à política de remoções de favelas, no Rio, durante o governo Lacerda, líder da direita brasileira. O modelo é o da transferência compulsória das famílias para conjuntos residenciais, situados na mais distante e vazia periferia. Essa política tem seu ápice no governo seguinte, paradoxalmente eleito em oposição ao regime militar.
Mas a reação política, das famílias atingidas e de movimentos sociais organizados a partir da questão, bem como a revisão doutrinária urbanística que se iniciava no mundo todo, deu lugar a um contraponto que impediu que tal política prosseguisse nas décadas seguintes.
Com a democratização do país, a remoção passou a ser vista com reserva. No Rio, a Lei Orgânica lhe confere restrições explicitas, tirando-lhe o caráter discricionário que até então poderia estar subjacente.
Urbanisticamente, percebeu-se que a diversidade morfológica pode ser uma riqueza, que os espaços públicos multifuncionais são capazes de agregar uma vida urbana de melhores possibilidades e interesses. A favela passou a poder ser vista como uma realidade social, com causas e consequências, sem preconceitos ou com menos preconceito.
O Programa Favela-Bairro, da Prefeitura do Rio, a partir de 1993 tratou de urbanizar as favelas consolidadas, dando-lhes condições de infraestrutura e de serviços compatíveis com as exigências contemporâneas. Mas, evidentemente, não se trata de uma panaceia. É preciso que os governos permaneçam depois das obras, com os serviços públicos necessários, inclusive o de segurança.
Persistindo a falta de uma política habitacional que tenha a família como protagonista, que disponibilize crédito nas condições adequadas, que compreenda a moradia em sua inserção urbana, que trate do transporte público, persistiu a pressão popular em favelas e loteamentos irregulares. Expande-se a ocupação em áreas proibidas, de risco, ou de proteção ambiental.
A cada desastre ambiental, como o que sofre agora o Rio, volta a questão: é preciso remover as favelas. Ora, a remoção como política habitacional não foi uma boa providência. Ela deixou sequelas, seja para as famílias alcançadas, seja para a sociedade. O filme "Cidade de Deus" está a demonstrar.
Contudo, a remoção não pode ser um tabu. Há casos em que é indispensável. Assim, a remoção de famílias em risco de vida, obviamente, tem que ser uma política pública clara, efetiva, permanente. Mas não pode ser confundida com política higienista, de "harmonização" da cidade, ou mesmo de interesse "ambiental".
Oxalá a cidade que o século 21 está construindo possa ser um lugar múltiplo, de diversidade e de tolerância, uma cidade democrática.

A cidade informal do século XXI


Com projetos, maquetes, vídeos e debates com especialistas internacionais, evento do Museu da Casa Brasileira reúne o que há de mais moderno da arquitetura inclusiva
Ao pensar no futuro da cidade contemporânea não se pode deixar de refletir sobre a cidade informal - formada a partir de ocupações precárias do território como, por exemplo, as favelas – e as transformações que tem ocorrido a partir das propostas de arquitetosEsse é o mote da exposição "A Cidade Informal no século XXI", organizada pelo Museu da Casa Brasileira em parceria com a 4th Internacional Architecture Biennale Rotterdam e a Secretaria Municipal de Habitação da Cidade de São Paulo. A curadoria ficou sob responsabilidade da arquiteta Marisa Barda.
"A Cidade Informal no século XXI" é uma mostra interativa onde projetos pontuais realizados por arquitetos brasileiros e estrangeiros serão abordados a partir de quatro temascomo se fossem operações táticasque melhor representam os problemas das favelas: Conexões, Transições, Fruições e Transformações. Esses temas permitirão uma visão crítica do trabalho apresentado.
A ideia de reunir esse conjunto de projetos que redesenham a cidade informal aparece como continuidade das propostas apresentadas na Bienal de Roterdãem outubro de 2009, cujo tema foi Open City: Designing Coexistence. A sub-curadoria do evento foi feita pelos arquitetos Rainer Hehl e Jorg Stolmann, que, para a seção Squat, selecionou como uma das referências os projetos para a comunidade de Paraisópolis, zona sul de São Paulo, elaborados por seis arquitetos: Urban Think Tank (Venezuela), Elemental (Chile), Christian Kerez (Suiça), Ciro Pirondi, Marcos Boldarini e MMBB (Brasil).
A mostra “Cidade Informal no séc. XXI” soma a essa seleção os trabalhos dos alunos da Graduate School of Design Harvard Universityrealizados para o Cantinho do Céu, sob a coordenação do professor Christian Werthman, e os trabalhos dos alunos do GSAPP da Columbia University, sob a coordenação de Alfredo Brillembourg e Hubert Klumpneros quais abordaram várioaspectos das áreas informais na cidade de São Paulo. A integração desses projetos com os estudos elaborados para as mesmas áreas, pelos alunos da Escola da Cidade, faculdade de arquitetura do centro de São Paulopossibilitará uma reflexão a partir da experiência de arquitetos de vários países, todos com o mesmo propósito: redesenhar as cidades informais do século XXI.
Para melhor ilustrar a complexidade desse trabalho, serão apresentados projetos e maquetes de obras já construídas ou em fase de realização para diversos espaços informais da cidade de São PauloA cidade informal também estará representada como um percurso didático, possibilitando a compreensão dos processos e condições das favelas de São PauloPara isso, serão dispostas tabelas com dados estatísticos, plantas, diagramas e fotografias. A favela de Paraísopoliscom posição estratégica próxima ao bairro do Morumbi, será objeto de estudo a partir de levantamentos realizados in loco.
Em cada sala da exposição, os projetos poderão ser estudados de forma detalhada em mesas equipadas com computadores, livros publicados e cadernos, onde o público poderá escrever críticas, fazer propostas e elaborar esboços. Uma pequena sala de cinema projeta vídeos da Urban Inform, da 4th IABRPara complementar a experiência, serão realizados dois debates sobre a atual condição da cidade informal. O primeiro, no dia 8 de abrilàs 20h, contará com a presença do urbanista italiano Bernardo Secchi, um dos grandes estudiosos do urbanismo contemporâneo, e do arquiteto Sergio Magalhães, criador do Projeto Favela-Bairro. O segundo debate, a realizar-se na última semana de abril, pretende mostrar ao público um conjunto de experiências de arquitetura e urbanismo já implantadas em vários países da América Latina, onde estarão presentes os arquitetos responsáveis pelos projetos apresentados.
Leia aqui a nota da FSP sobre o assunto

terça-feira, 6 de abril de 2010

Prêmio Pritzker 2010

André Luiz Pinto
No próximo dia 17 de Maio, em Nova Iorque, os arquitetos Ryue Nishizawa e Kazuyo Sejima, sócios do escritório SANAA (1995), receberão o 32º Prêmio Pritzker.
Desde 1979, trinta e cinco arquitetos já foram premiados entre eles dois brasileiros, Oscar Niemeyer (1988) e Paulo Mendes da Rocha (2006).
Sejima é formada pela “Japan Women's University” e Nishizawa pela “Yokohama National University”, a dupla tem atuação em diversos países, Japão, Alemanha, Inglaterra, Espanha, França, Países Baixos e nos Estados Unidos. Destaque, para o prédio da Christian Dior em Tóquio, o Pavilhão de Vidro do Museu de Artes de Toledo, em Ohio, e o Centro de Aprendizado Rolex do Instituto Federal de Tecnologia da Suíça, em Lausanne.
O júri do Prêmio destaca que:
"Os edifícios de Sejima e Nishizawa parecem realmente simples. Os arquitetos têm uma visão das edificações como um todo, onde a presença física recua e forma uma espécie de ‘pano de fundo’ para pessoas, objetos, atividades e paisagens. Eles exploram como poucos as propriedades fenomenais do espaço contíguo, da luz, da transparência e da materialidade, com o objetivo de criar uma síntese sutil. A arquitetura de Sejima e Nishizawa (…) busca a qualidade essencial da arquitetura, que resulta em uma desejada objetividade, economia de meios e contenção.
(…) Por se tratar de uma arquitetura que é simultaneamente delicada e poderosa, precisa e fluida, (…) pela criação de edifícios que interajem com o contexto e com as atividades que contêm, criando um senso de preenchimento e riqueza de experiências; por uma linguagem arquitetônica singular, que surge a partir de um processo colaborativo que é ao mesmo tempo único e inspirado; pelas edificações notáveis, já concluídas, e pela promessa de projetos futuros, Kazuyo Sejima e Ryue Nishizawa são os detentores do Prêmio de Arquitetura – Pritzker 2010."

Mais links sobre o assunto:
Prêmio Pritzker
AU Entrevista K.Sejima
AU Entrevista R. Nishizawa
DesignBoom Entrevista SANAA
Centro de Aprendizado Rolex

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Rio Branco e Gran Via



Sérgio Magalhães
A arquiteta Fabiana Izaga, à espera do almoço de Páscoa, acompanha o arquiteto espanhol Rafael Moneo em seu passeio induzido pela Gran Via madrilenha, uma iniciativa do jornal El País em comemoração ao primeiro centenário de sua implantação.
Moneo é seguramente um dos mais prestigiados arquitetos mundiais, e o único espanhol a receber o Prêmio Pritzker –o “Nobel” da arquitetura, como é chamado.
Izaga relaciona o que disse Moneo sobre a Gran Via com o anúncio das intervenções propostas para a avenida Rio Branco, no Rio, onde se pretende fecha-la ao tráfego e torna-la um parque. E propõe que, tal como formularam ao espanhol sobre a avenida madrilenha, seria necessário fazermos a nós próprios a pergunta: E agora, o que faremos com a Avenida Central?
O texto inteiro publicado por El País está em: El arquitecto seducido por un edificio optimista.
Mas, como isca, segue a resposta de Rafael Moneo:
Uma pergunta final: O que você faria com a Gran Via?
"Mudanças não radicais –e inteligentes. Uma intervenção transcendente, sem exibicionismo. Não creio que tenha sentido impedir completamente o tráfego. Estas coisas se transformam pelos usos, os usos são mais transformadores que a própria arquitetura. Temos que ter confiança: é a vida que muda as coisas."
Veja outro link relacionado no ELPAÍS.com: Plano de la Calle Gran Vía

Desigualdade Induzida

Lucas Franco
O crescimento das cidades, particularmente, os números recentes que apontam para a superioridade da população urbana sobre a rural, nos fazem refletir cada vez mais sobre os modelos de urbanização e as suas consequências sobre o desenvolvimento social.
Em um artigo publicado no jornal O Globo do último sábado, o arquiteto Sérgio Magalhães fez uma alerta, discorreu sobre alguns desses modelos e pleiteou um padrão mais consciente e igualitário:
“O desenvolvimento nacional é urbano, mas assimétrico. A cidade, que incluiu, também apresenta índices inaceitáveis de desigualdade social.
Recente estudo realizado entre 63 países em desenvolvimento, divulgado pela ONU/Habitat, situa cinco cidades brasileiras entre as vinte socialmente mais desiguais do mundo. Goiânia, no rico Centro-Oeste, é a mais desigual entre as brasileiras, seguida de Belo Horizonte, Fortaleza, Brasília e Curitiba.
Ironicamente, três delas são novas capitais planejadas.
A que atribuir essa marca? A desigualdade social intraurbana, é claro, é fundada na estrutura econômica e política da sociedade.
Mas também razões urbanísticas respondem pela desigualdade. Entre estas, devemos considerar a expansão da cidade em baixa densidade populacional, carente de infraestrutura e serviços.
(...)
Todos sabemos que a carência de infraestrutura, de transporte adequado e de serviços públicos dificulta aos pobres a inserção na educação, no trabalho e no desenvolvimento.
Expandir a cidade, assim, será um reforço à desigualdade e pereniza a injustiça.
O Rio pode dispensar a expansão em novos parcelamentos, mesmo ricos.
Estes também aumentam os custos urbanos. A cidade tem suficientes territórios intraurbanos a ocupar, inclusive vazios centrais.
Lugares a serem recuperados, retirados da anomia, bairros deprimidos que, no entanto, por sua localização, história e cultura podem perfeitamente voltar a ter vitalidade. Inúmeros bairros privilegiados têm ampla condição de abrigar a emergente classe média. Nesse sentido, a região das Vargens Grande e Pequena, na Barra, deveria permanecer tal como definida no Plano Lúcio Costa, destinada a sítios e chácaras. Lembremos que sua área equivale a 25 vezes os bairros de Copacabana e Leme somados. Como pode interessar à cidade tal expansão? O futuro da cidade passa pela qualificação continuada, estratégica, de seu espaço urbano-metropolitano.
É um desdobramento impositivo à capacidade demonstrada pelo sistema urbano brasileiro de incluir milhões de cidadãos. Faz parte de seu desafio, agora, combater a desigualdade.”

Leia aqui o artigo de SM: Desigualdade induzida.