Sérgio Magalhães
*Artigo publicado originalmente no jornal O Globo de 27/04/2013
Preocupada
com a qualidade de obras do programa Minha Casa Minha Vida, a presidente Dilma
Roussef declarou: “Eu não fui eleita para dar casa de qualquer jeito para a
população.”
É
de meados do século passado que data a grande expansão demográfica e de ocupação
territorial que caracteriza o Brasil de hoje. Foram as cidades que suportaram o
crescimento populacional e proporcionaram grandes melhoras nos indicadores
sociais. Em setenta anos, os moradores em cidades passaram de 12 milhões para
170 milhões. E os domicílios urbanos, que eram 2 milhões, passaram a 50
milhões, multiplicando 25 vezes. Hoje, 85% dos brasileiros vivem em cidades.
E
como foram construídas as moradias para essa população? Foram construídas pelo
próprio povo, na precariedade que a falta de recursos impõe. Daí, expressiva
parcela morando em condições irregulares, em favelas e em loteamentos sem
infraestrutura adequada.
De
fato, 80% dos domicílios foram erguidos exclusivamente com a poupança familiar,
sem financiamento algum. Isto, apesar de, desde os anos 1940, o governo ter
assumido a responsabilidade de prover a moradia popular.
Através
de programas habitacionais que se sucedem, seja o dos IAPs, da Casa Popular, do
BNH, do Minha Casa Minha Vida, são os governos os protagonistas. Mudaram os regimes,
ditadura, democracia, ditadura, democracia –mas o modelo permanece o mesmo. É o
governo que diz onde e como o povo deve morar.
Diferentemente
do que ocorre com os automóveis, para os quais há crédito direto, abundante, a
juro zero, e o interessado escolhe o que quer, no caso da casa popular é o
governo que escolhe. Escolhe a tipologia a construir, escolhe onde e quem
constrói, e detém o monopólio do financiamento. Mas, nestes setenta anos,
promoveu apenas 20% das moradias urbanas –somando tudo que foi construído por
todos os governos, em todas as instâncias, mais o que foi financiado pelo BNH,
Caixa e todos os bancos privados.
Ou
seja, a família brasileira construiu, sozinha, quarenta milhões de domicílios,
enquanto a soma de todas as políticas habitacionais alcançou dez milhões.
O
MCMV é um esforço importante. Mas é mais do mesmo. Atingindo as metas,
construirá 3,4 milhões de moradias em 8 anos, enquanto no período o país terá
construído 12 milhões. Como? Tal como antes, na dificuldade, na precariedade,
na irregularidade.
O
governo não precisa dar casa para o povo. Sobretudo “de qualquer jeito” – a má
qualidade inclui a má localização. Basta que não monopolize os recursos e as
decisões. Que o cidadão seja considerado apto a decidir onde e como morar. E
que o crédito lhe seja assegurado, tal como o é para comprar um automóvel. (O
subsídio do MCMV é importante, é um avanço que precisa ser preservado.)
Certamente, teremos obras com preços menores e melhor qualidade.
A
presidente Dilma, se assim for, não dará casa, mas oferecerá a oportunidade de
moradia para todos. Se o povo fez as cidades apenas com a própria poupança, com
a participação da poupança coletiva fará cidades muito melhores.