*Artigo publicado originalmente no jornal O Globo de 17/08/2013
Sérgio Magalhães
Em julho, o Brasil
emplacou 300 mil novos veículos. No mesmo mês, sedes do AfroReggae sofreram
atentados a bala em favelas, no Rio. O IPEA calcula que a população brasileira pouco
crescerá até 2030.
São questões isoladas? Não.
Mobilidade, segurança e ocupação urbana são temas interligados e fundamentais tanto para a qualidade de vida
cidadã quanto para o desenvolvimento nacional.
O número de veículos
licenciados reflete a prioridade que os governos têm dado à indústria
automobilística. A partir dos anos 1960, o país optou pelo rodoviarismo. Desconstruiu
a rede de bondes, enfraqueceu as ferrovias urbanas, desconsiderou o transporte
de alto rendimento, investiu em viadutos e alargamento de vias. Essa opção
desestruturou o espaço público, descaracterizou bairros e expandiu as cidades
além do que o aumento demográfico exigiria.
A infraestrutura e os serviços públicos não acompanharam tal expansão.
Partes pobres das cidades foram abandonadas pelo Estado, permitindo que
favelas, loteamentos e conjuntos residenciais fossem dominados por bandidos
armados.
O AfroReggae nasceu nesse
contexto, e se dedica a apoiar jovens moradores de favelas a se libertarem das
amarras do tráfico, através da arte. Seu líder tem sido alvo de ameaças,
atribuídas a traficantes incomodados por ações em favelas onde há UPPs.
Sem crescer a
população, como prevê o IPEA, não faz sentido expandir a cidade. Ao contrário,
cidades compactas são mais econômicas nas infraestruturas e nos serviços
públicos. Nelas, a resposta urbanística à mobilidade se promove não com mais
automóveis, mas, justamente, com rede de transporte de alto rendimento (do tipo
metrô) e com aproveitamento das infraestruturas existentes. E, claro, sem
estímulos à especulação de terras e sem investimentos públicos que levem à
expansão. Os privilégios devem ser dados aos lugares onde as pessoas já vivem e
trabalham.
A ditadura de
índices econométricos, que impõe às cidades mais automóveis e menos serviços, deverá
ser rejeitada: ela plantou desigualdade. Precisará dar lugar à política que
universaliza os serviços públicos, inclusive o de segurança, e valoriza o
desempenho qualitativo da vida cidadã. Nenhuma parte da cidade sem a proteção
da Constituição!
Mas o Estado brasileiro, nas três instâncias, precisa
rearrumar-se para enfrentar os desafios urbanos contemporâneos – que as ruas
estão a evidenciar. Os incipientes quadros de planejamento urbano e territorial
do Estado foram desfeitos nas últimas décadas. Mesmo no setor privado, as
equipes de planejamento e projeto desestabilizaram-se ante a escassez de
políticas públicas correspondentes.
Seremos, porém, quase 200 milhões de brasileiros em
cidades. É urgente construir a capacidade institucional de enfrentamento das
demandas de médio e longo prazo localizadas no sistema urbano brasileiro. Para
colher bem-estar, precisamos plantar cidades mais democráticas.