terça-feira, 1 de março de 2011

Modelo não inclui morador como protagonista

Artigo publicado originalmente na Folha de São Paulo em 17/02/2011
Sérgio Magalhães
Em um país onde, dizemos, tudo é tão volátil, surpreende constatar que as políticas de moradia popular mantém um mesmo modelo desde a década de quarenta. Mas o modelo é bom?
Na República Velha (1889-1930), a habitação não fazia parte das preocupações do governo. O problema da moradia popular existia, é claro, mas pensava-se que seria equacionado pela iniciativa privada. É no Estado Novo (1937-45) que o governo chamou a si a responsabilidade de prover as moradias necessárias ao proletariado urbano.
Os programas se sucederam: Casa Popular, Institutos de Aposentadoria, BNH, Caixa, Minha Casa, Minha Vida. Em todos eles, os governos assumiram o protagonismo na produção da moradia: decidiam onde, como, o que, em que condições construir. Os empresários atuam como empreiteiros, isto é, constroem mas não empreendem.
Tampouco as famílias participam do processo, senão ao cabo, para morar. Onde? Como? Em que condições? Do modo como os governos decidiram com seus construtores.
Esse modelo tem sido ineficiente. Reteve o monopólio do escasso financiamento da moradia popular e se constituiu em rotundo fracasso: construiu menos de 20% das moradias produzidas no país. Isto é, dos 60 milhões de domicílios produzidos no período, se tanto 10 milhões tiveram algum financiamento, somando-se todos aqueles oferecidos pelos governos, nos três níveis, pelo BNH, pela Caixa e por todos os bancos.
Foi o povo brasileiro que construiu as cidades, do jeito que pôde. Mas, precisando de casa, é tratado como inepto.
Por que as políticas de moradia não contemplam a família como núcleo das decisões? Por que não oferecem o crédito para que possa optar sobre como e onde morar? Por que os empresários não são chamados a empreender moradias, que interessarão portadores do crédito universalizado (com subsídio, se necessário)? Por que o poder público não prioriza a universalização do direito à cidade e à moradia?
Se houver outros modelos, nossas cidades serão melhores. Evitaremos conjuntos residenciais gigantescos, mal localizados, mal construídos, impostos às famílias como única alternativa à favelização.
Precisamos da diversidade espacial, tipológica, construtiva. Nossas cidades não podem continuar expandindo sem infraestrutura e sem serviço. Mas podem, com melhor resultado, aproveitar os vazios urbanos, as áreas da desindustrialização, recuperar áreas degradadas, conectar-se às linhas de transporte –adensar-se, enfim.
Oxalá o novo Minha Casa, Minha Vida, quando vier, seja em bases menos impositivas. O modelo já deu, sem dar o que tinha prometido.

7 comentários:

  1. Caro Sérgio.

    Li o seu artigo veiculado pela mailling list do IAB.

    Não há como discordar da análise histórica.

    Todavia acho completamente irreal que se continue a falar de política de habitação popular sem, em nenhum momento, acenar ao profundo e incindível vínculo entre aquela política e as políticas de emprego e renda, de inclusão social, de distribuição de renda, de cidadania, de desenvolvimento social.

    O povo “é tratado como inepto” exatamente pela ausência destas últimas.

    “Porque as políticas de moradia não contemplam a família como núcleo das decisões”? Por que não existem políticas públicas para a família, políticas de inclusão social, justamente.

    “Porque não lhe (à família) garantem o crédito para que possa escolher onde e como morar”? Por que para que isto ocorra é necessário que existam políticas de emprego e renda que transponham o trabalho e a renda informal ao universo formal. O único reconhecido pelos institutos de crédito.

    “Nossas cidades não podem continuar a se expandir sem infraestrutura e serviços”. Mas, continuarão a fazê-lo posto que é ainda muito frágil o nosso entendimento de Distribuição de Renda enquanto, fundamentalmente, o investimento da arrecadação fiscal e tributária da coletividade no bem comum: infraestrutura e serviços, justamente. Vige o bem comum clientelar (se fores a Búzios, preste atenção na estrada de acesso imediatamente nas proximidades da cidade. Asfalto impecável por onde passam os suvs, ladeada por inexistentes calçadas de barro e buracos para as quais dá aquela parte da cidade onde mora o povo inepto “que construiu a cidade do jeito que pode”).

    Portanto, Sérgio, enquanto não atingirmos determinados patamares social-democráticos, criando simultaneidade entre todas as políticas que constroem um efetivo desenvolvimento econômico e social, continuaremos a gerar excluídos, desabrigados, favelados, invasores de terras. Continuaremos a ser uma sociedade priva de representações sociais que incitem a política e “os empresários a empreender moradias que interessarão portadores do crédito universalizado (com subsídios, se necessário)”.

    E no decurso da auspiciada superação de tal realidade, a Arquitetura e o Urbanismo são veículos que sustentam e consolidam algumas das conquistas do percurso. Certamente, não solução.

    Um grande abraço.

    Sandra.

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  2. Oi Sergio,
    concordo com o que você diz aquí, e so agregaria as boas referências históricas existentes dentro e fora do país nessa matéria, para "ilustrar o cidadão".
    Continuamos tendo pouco ou nehum debate nesta área.
    Um abraço,
    Jorge Mario Jauregui

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  3. Sergio

    Já na República Velha, houveram iniciativas públicas de intervenção na questão habitacional; a maior delas promovida pelo Marechal Hermes (1910-1914) que construiu o bairro do mesmo nome e tb. um conjunto na Gávea (Orsina da Fonseca), além de um terceiro bairro, não edificado, em Manguinhos. Só o projeto de Mal. Hermes previa, se não me engano, 5.000 unidades habitacionais, o que era muito para a época. As iniciativas de Vargas levaram muito tempo para atingir esses números. Hermes não conseguiu concluir o bairro que incluía escolas, hospital, maternidade, cinema etc.; o projeto parou no meio e foi completado, bem mais tarde, nos anos 30, 40 e 50, com conjuntos dos IAPs e outros, modernistas. De qq forma, as casas e ruas estão lá até hoje. Houve tb. a iniciativa de Pereira Passos, na Av. Salvador de Sá, e as vilas operárias das fábricas de tecido, essas sim, de iniciativa privada. Também de iniciativa privada, os bairros de Higienópolis e Vila Kosmos, da Kosmos Engenharia.

    Parabéns pela sucessão de artigos publicados, sempre na direção certa: transporte de massa, compactação da cidade, concursos públicos e, agora, a crítica ao modelo ‘Minha Casa, Minha Vida’, que é uma reprodução do modelo BNH + subsídios (a única novidade).

    M. Almada

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  4. Ótimo artigo! E nem foi citado o mais devastador efeito desse sistema, a implantação de imensas áreas de absoluta monotonia pela repetição obtusa e desagregação urbana. Talvez a lengevidade de tal modelo se deva pela falta de iniciativa empresarial em dar fôlego e este imenso mercado popular.
    Abs, Esdras Santos

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  5. Otimo o artigo folha: direto, claro- perfeito!!!
    AH, seu escrevesse assim...
    abs
    Margareth

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  6. Caro Sérgio
    teu inspirado trabalho em defesa do Rio e seu urbanismo e a tua brilhante atuação na frente do IAB/RJ são motivos de grande orgulho para todos nós.

    Parabéns!!!

    Abs. fortes!

    Bruno

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  7. Caro sérgio, aqui em Brasilia estão prestes a mudar o nosso plano diretor. O que a turma do PT quer patrocinar é a verticalização da região que não está tombada. Naturalmente, não vão aceitar a fórmula ideal de no máximo 6 andares. Poucos falam sobre o aquecimento e o congestionamento que isso causaria. Deverão existir outros problemas graves a serem equacionados em nossa cidade. Assim, na medida do possível, lhe pergunto se vocês poderiam contribuir mais efetivamente para que o debate sobre tais mudanças no DF não caia no labirinto partidário em que as audiências públicas são dominadas por uma militância paga. Gostaria muito de participar dessas mudanças aqui em Brasilia. O problema é que não vejo nenhum grupo efetivamente ligado aos ideais de uma boa arquitetura participando dessa empreitada.

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